sábado, 25 de outubro de 2014

Da Religiosidade à Espiritualidade: um caminho percorrido - Parte IV - Religião


Todas as definições de Religião estão ligadas à expressão exterior – ritos, atos de culto e outras formas visíveis de manifestação religiosa. O fundamento da religião está no ritual, no cerimonial, no visível. A própria definição etimológica latina “religio” presume uma compreensão de ato de culto a alguma divindade, ligação entre duas partes ou conexão entre imanência e transcendência (MAZZAROLO, 2006).
As religiões possuem um código de ética que rege o comportamento e dita valores morais. Muitas religiões baseiam suas crenças num ser supremo ou num Deus que deve ser reverenciado e as pessoas devem viver de acordo com os seus ensinamentos (SOMMERHALDER; GOLDSTEIN apud FREITAS, 2006).
“Religião é o aspecto institucional da espiritualidade”, “religiões são instituições organizadas em torno da ideia de espírito” (HUFFORD apud STROPPA e MOREIRA (2008).
Weil (1987) explica que no plano religioso, as tradições que poderiam mostrar ao homem o significado de sua existência no mundo e de seu papel na terra foram igualmente fragmentadas e institucionalizadas em agrupamentos e seitas, frequentemente muito distanciados do espírito universal e abertos de seus criadores.
 Os ensinamentos de Jesus, Buda, Krishna, Maomé, Moisés, entre outros grandes mestres, que deveriam trazer grandes avanços à humanidade foram deturpados e utilizados indevidamente para outros fins. As guerras religiosas estão aí para nos mostrar isso.   
Cavalcanti (2000), no texto abaixo, faz uma reflexão sobre o papel da religião como algo que pouco tem contribuído para a esperada transformação do indivíduo.
“Com o tempo, as religiões oficiais foram adotando uma visão laica, ligada ao mundo profano, visível na atuação de seus representantes, a qual mostra uma preocupação muito maior com o aspecto social e político do que com o aspecto transcendente e sagrado. Mesmo assim, as práticas espirituais das religiões institucionalizadas ainda que mecânicas e destituídas de significados transcendentes, são como parênteses na vida das pessoas. E tem contribuído muito pouco para a vivência do lado espiritual como elemento transformador, pois não fornecem o instrumento simbólico que permita a seus praticantes uma mudança na concepção de mundo. Sem tais instrumentos determinantes de uma auto-reflexão e de uma práxis que levam ao autoconhecimento e à autotransformação – pouco poderá ser feito” (CAVALCANTI, 2000, p. 59).
Desse modo, o espírito tem sido destronado e esquecido nas religiões e todo o conhecimento das antigas tradições corrompido e desprezado, restando instituições com regras dogmáticas, ressaltando o pecado e a culpa, ameaçando, aterrorizando, causando divisões, disputas e alimentando o ego, quando na verdade deveriam ser instrumento de reflexão e autotransformação.
Sobre esse assunto, Wildes (1995) ressalta que religião é um conjunto de crenças, leis e ritos que visam a um poder que o homem considera supremo, do qual é dependente e com o qual tem um relacionamento e obtém favores. Trata-se, portanto, de questões sagradas, exercidas no seio de uma instituição, ligadas às estruturas formais, rígidas, dogmáticas e, principalmente, relacionadas às questões do além-morte (religiões de salvação).
Kant (1794) tenta situar o pensamento religioso e o sentimento de religiosidade no âmbito da racionalidade humana. O autor parte do princípio que a dualidade da existência, representada no bem e no mal, afeta fundamentalmente o indivíduo e que, somente através do esclarecimento interior, o homem pode entender seu papel frente à universal luta entre o bem e o mal, a qual está no mundo, mas, também, se faz presente em seu interior.
De acordo com Zilles (2002), Kant era contrário à fé numa religião de culto, pois seria uma fé de escravos, já que o culto em si não teria valor moral e que o verdadeiro culto deveria ser o cumprimento do dever moral, como mandamento de Deus. Nesse aspecto, Deus se revela em diálogo com o que Kant afirma:
“(...) Nas suas mentes imprimirei as minhas leis, também sobre os seus corações as inscreverei; e Eu lhes serei por Deus, e eles me serão por povo. E não ensinará jamais cada um ao seu próximo, nem cada um a seu irmão, dizendo: conhece ao Senhor; porque todos me conhecerão, desde o menor deles até o maior” (HEBREUS 8,10). 
Finalmente, Boff (2006) deixa claro que existe uma distinção essencial entre religião e espiritualidade, onde a religião estaria vinculada a crenças, rituais, dogmas, e a espiritualidade relacionada às qualidades do espírito humano – amor, compaixão, capacidade de perdoar, solidariedade, tolerância, contentamento, noção de responsabilidade e harmonia – que trazem felicidade para a própria pessoa e para os outros.
Jeruzia Costa de Medeiros
*Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Psicologia Transpessoal.

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