sábado, 18 de outubro de 2014

Da Religiosidade à Espiritualidade: um caminho percorrido - Parte III - Religião, Religiosidade e Espiritualidade


A existência de Deus é um sentimento inato ao ser humano. A adoração, como a elevação do pensamento a Deus, existe entre todos os povos em diferentes formas. Essa espiritualidade vem sendo manifestada desde os primórdios da humanidade, quando ainda os nossos ancestrais já acreditavam no poder mágico da natureza, estendendo-se pelas primeiras civilizações, chegando aos textos sagrados, aos ensinamentos dos grandes profetas, até que a experiência humana dessa espiritualidade se convertesse em religião institucionalizada. A vivência do sagrado como experiência interior foi se diluindo ao longo do tempo, sobretudo nas culturas ocidentais. Os ritos foram sendo incorporados e automatizados e o significado espiritual transcendente foi sendo alienado da vida das pessoas. Com o tempo, o homem passou a confiar somente naquilo que os seus próprios olhos viam, pois precisava acreditar que as coisas estavam sob seu controle, já que isso lhe trazia mais segurança. Pensar dessa forma, no entanto, comprometia a natureza e a intensidade de sua fé e, por conseguinte, sua relação com Deus.    
Nas últimas décadas, contudo, começa a emergir nos povos do mundo inteiro um movimento no sentido de resgatar a espiritualidade humana, assim como já é possível perceber uma tímida aproximação entre a ciência e a espiritualidade. Entretanto, entender a dimensão espiritual da realidade não é tarefa fácil, tendo em vista certa sobreposição de conceitos, no que diz respeito à espiritualidade, religião e religiosidade. Além do mais, discutir quaisquer desses aspectos implica, necessariamente, uma discussão preliminar sobre fé, tendo em vista que esta permeia todas essas instâncias da subjetividade humana.

CONSIDERAÇÕES SOBRE FÉ
     Segundo Breitbart (2005), a espiritualidade é uma construção formada por fé e sentido. Já o dicionário Vine (Urger; White; Vine, 2002) define o termo “fé”, do grego “pistis”, como “persuasão firme”, convicção fundamentada no ouvir (cognato de peithõ, “persuadir”).  Assim, pode-se dizer que fé é uma determinada estrutura de sentido e de valores que cada um constrói para dar significação à sua existência dentro do real. Todos nós temos uma fé, que é aquilo que dá sabor à nossa existência. No sentido antropológico do termo, “fé é uma relação com o fim visado e que dinamiza todo o processo de ir em direção a ele. Seria a determinação que dá toda energia ao agir” (SEGUNDO, 1983, 1997).
Segundo os estudiosos, todo o ser humano tem imanente dentro de si um poder capaz de criar tudo aquilo que deseja com uma vontade firme e persistente. De acordo com essa premissa, referem às Escrituras Sagradas que somos feitos à imagem e semelhança de Deus e, consequentemente, em seu espírito – que é a parte do Espírito infinito, do qual procede – residem o poder infinito e a sabedoria infinita. (GÊNESIS 1,26).
 Essa capacidade nos é inerente e responde de maneira diretamente proporcional às nossas crenças e convicções. Ter fé é acreditar na realização do seu propósito. É trazer ao mundo, através da vontade firme, as coisas que esperamos.
Nessa  linha de pensamento, define o apóstolo Paulo: “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam, a convicção de fatos que não se vêem. Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem” (HEBREUS, 11,1,3).
Para Chardin (1980), “fé é a certeza inabalável de que o Universo, considerado em seu conjunto, tem uma finalidade e não pode nem se enganar de itinerário, nem se deter no caminho”.
Frankl (2003) discute a fé como uma ligação com o esperado, a determinação da ação, o vivido de uma opção que mobiliza todo o ser.
O autor enfatiza, ainda, que o homem sempre apresentou, mesmo inconscientemente, um vínculo intencional com Deus, a quem ele denomina de “Deus inconsciente”. Complementa dizendo que o ser humano tem uma religiosidade inconsciente, pois nos campos de concentração, em meio à angústia, ele percebeu que uma fé surgia, uma esperança no futuro fazia brotar o sentido da vida, a crença em Deus, que parecia estar oculta. A isso ele chamou de dimensão noética ou espiritual humana (FRANKL, 2006).
Não falamos aqui de fé em crenças dogmáticas de religião convencional – ritual, cerimônia, forma ou instituição. A ideia de que a fé só tem a ver com a nossa experiência religiosa é um engano. Ela é, portanto, uma faculdade da mente que tem a sua máxima expressão na atitude religiosa.
Segundo Trevisan (1980), “a mente também tem as suas leis e seus princípios que nunca falham, quando usados corretamente; por exemplo: o pensamento cria, o desejo atrai e a fé realiza. Isto quer dizer que tudo o que você pensa, deseja e acredita que vai acontecer, acontece obrigatoriamente”. 
O Mestre Jesus, que conhecia todas as leis universais, ensinava este princípio, quando dizia:  “Pedi e recebereis”. (MATEUS 7,7).  Nesse mesmo sentido,  ainda  declara :  “Seja-vos   feito segundo a vossa  fé”  (MATEUS 9,29).
Definiu claramente que a sua metodologia de ação estava inteiramente ancorada no poder da fé. E ainda ressalta: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda direis a este monte:    Passa daqui para acolá, e ele passará.  Nada vos será  impossível” (MATEUS 17,20).
Fé é aceitar definitivamente uma coisa como verdadeira. Em outras palavras, é trazer o invisível para o mundo de manifestação. É materializar as formas originais oriundas do mundo das ideias.
Podemos deduzir daí que a fé é o instrumento que move e sustenta o reino invisível, contribuindo para o desenvolvimento de uma espiritualidade amadurecida e, consequentemente, para um relacionamento mais verdadeiro com Deus.
Jeruzia Costa de Medeiros
* Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Psicologia Transpessoal.

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