A experiência tem mostrado que as duas
grandes linhas de investigação do homem concentram-se na busca científica e na
busca espiritual. No início das civilizações, essas duas entidades
(ciência e religião) caminhavam juntas; contudo, nos últimos séculos,
com o desenvolvimento da ciência, essa relação foi assumindo um viés mais conflituoso
e até mesmo antagônico.
A forma de conhecimento que o homem primitivo
utilizava para compreender o mundo era o mito – uma forma de conhecimento baseada
na fé e que, por isso, dispensava provas. Para Campbel (1990), os mitos são
pistas que direcionam para as potencialidades espirituais da vida humana e
servem para conduzir o indivíduo a um tipo de consciência espiritual.
Durante muitos séculos da história da
humanidade, o homem entendeu-se como parte integrante da natureza, compreendendo-a
como fundamental para sua sobrevivência.
Aos poucos, essa relação foi se deteriorando e a natureza começou a ser
vista como um elemento a ser conhecido, dominado e explorado. É no desenvolvimento desse processo que vai
sendo configurada uma nova visão de mundo, menos orgânica, menos holística, menos
espiritual e essencialmente mecanicista e materialista. (CAPRA, 1997).
Cavalcanti (2000) reforça
esse pensamento afirmando que, nas culturas
tradicionais mais antigas, a natureza era vista como manifestação de Deus. A terra,
considerada sagrada, era fonte pródiga de vida e havia um reconhecimento do
significado espiritual, ao lado de uma estrutura mítica que conferia sentido e
transcendência à realidade. Assim, a religião estava ligada à busca do
conhecimento essencial das coisas e à ciência. Como os objetivos da ciência
eram a compreensão da ordem natural da vida e a harmonia entre o homem e essa
ordem, não havia separação entre conhecimento e espiritualidade (CAVALCANTI, 2000).
A partir do século XVII, com as ideias de
Newton e o pensamento filosófico de Descartes, o mundo passou a ser encarado
como máquina perfeita, desprovido de propósito e espiritualidade, e os recursos
naturais tornaram-se vítimas da exploração obsessiva do homem. Cientistas e
pensadores, como Newton, Galileu, Bacon e Descartes, procuraram desvincular o
desenvolvimento científico dos preceitos religiosos. O corpo, a mente e o
espírito foram separados em estruturas independentes, objetivando estudos
científicos para melhor compreensão da natureza humana. O grande foco de estudo
durante os últimos trezentos anos foi, assim, a matéria, com enorme progresso
no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A espiritualidade foi eliminada
da concepção científica do mundo e circunscrita ao domínio da religião (CAPRA,
1997).
Nesse contexto, a teoria mecanicista da
natureza adquiriu grande prestígio e influenciou todas as áreas do
conhecimento, com reflexos importantes sobre o psiquismo humano e a relação do
homem com o mundo e com o outro. A ausência dos valores e dos significados
espirituais, anteriormente atribuídos à natureza, foi determinante na geração
de ações predatórias, na relação do homem com o seu ambiente, com o seu
semelhante e com a vida como um todo (CAVALCANTI, 2000; CAPRA, 1997).
A despeito das grandes conquistas científicas
e tecnológicas, alcançadas pelo avanço da ciência mecanicista, as consequências
da extrapolação dessa abordagem não foram menos importantes, gerando graves
problemas para os dias atuais. O psicólogo e escritor Roberto Crema avalia as
consequências desse modelo de pensamento para a sociedade contemporânea e para
a psique humana:
“As contradições do
paradigma cartesiano-newtoniano com seu racionalismo clássico também se
acumularam. Suas falhas e anomalias foram progressiva e coerentemente
denunciadas por uma vanguarda de pensadores. Sua característica, basicamente
reducionista, conduziu a um aprofundamento da referida crise de fragmentação
interna (a nível intrapsíquico) e extra (a nível interpessoal, internacional,
etc.) que chegou a um grau quase insustentável. O culto do intelecto e o exílio
da dimensão do coração e do espírito geraram uma crescente patologia
dissociativa” (CREMA 1989, p.38).
Cavalcanti (2000) observa que, em tais
condições, o indivíduo encontra-se num estado de inabilidade geral para experimentar
afeto e prazer pela vida e, como consequência, desenvolve ansiedade, depressão
e desespero. O homem ocidental sente-se tão desconfortavelmente dividido na sua
concepção fragmentada do universo e de si mesmo que termina sendo afetado em
sua própria integridade psíquica.
No início do século XX, com as pesquisas da
física atômica, começa a se estruturar a construção de uma concepção de mundo
menos fragmentada. O universo é entendido como uma totalidade e existe uma interconexão
entre todas as coisas, ou seja, começa a emergir um novo paradigma – uma
concepção holística e espiritual de mundo. É bem verdade que essa é uma visão
de mundo ainda restrita a poucos cientistas da atualidade, mas também é verdade
que centros de pesquisa do mundo inteiro apontam para um caminho sem volta, no
que diz respeito ao surgimento de um novo paradigma em ciência (PAIVA, 2007).
O movimento transpessoal, surgido no início
dos anos 60 e baseado nesse paradigma emergente, deu origem a uma nova
abordagem psicológica – a Psicologia Transpessoal –, cujo mérito maior é
resgatar a dimensão espiritual do ser humano como algo inerente à sua natureza.
Dessa forma, a física quântica e a psicologia transpessoal vêm se constituindo
um canal de comunicação importante entre as ciências do ocidente e as
filosofias místicas do oriente.
Jeruzia
Costa de Medeiros
*Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato
Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em
parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título
de Especialista em Psicologia Transpessoal.
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