sábado, 11 de outubro de 2014

Da Religiosidade à Espiritualidade: um caminho percorrido - Parte II - Ciência e Religião


A experiência tem mostrado que as duas grandes linhas de investigação do homem concentram-se na busca científica e na busca espiritual. No início das civilizações, essas duas entidades (ciência e religião) caminhavam juntas; contudo, nos últimos séculos, com o desenvolvimento da ciência, essa relação foi assumindo um viés mais conflituoso e até mesmo antagônico. 
A forma de conhecimento que o homem primitivo utilizava para compreender o mundo era o mito – uma forma de conhecimento baseada na fé e que, por isso, dispensava provas. Para Campbel (1990), os mitos são pistas que direcionam para as potencialidades espirituais da vida humana e servem para conduzir o indivíduo a um tipo de consciência espiritual.
Durante muitos séculos da história da humanidade, o homem entendeu-se como parte integrante da natureza, compreendendo-a como fundamental para sua sobrevivência.  Aos poucos, essa relação foi se deteriorando e a natureza começou a ser vista como um elemento a ser conhecido, dominado e explorado.  É no desenvolvimento desse processo que vai sendo configurada uma nova visão de mundo, menos orgânica, menos holística, menos espiritual e essencialmente mecanicista e materialista. (CAPRA, 1997).
Cavalcanti (2000) reforça esse pensamento afirmando que, nas culturas tradicionais mais antigas, a natureza era vista como manifestação de Deus. A terra, considerada sagrada, era fonte pródiga de vida e havia um reconhecimento do significado espiritual, ao lado de uma estrutura mítica que conferia sentido e transcendência à realidade. Assim, a religião estava ligada à busca do conhecimento essencial das coisas e à ciência. Como os objetivos da ciência eram a compreensão da ordem natural da vida e a harmonia entre o homem e essa ordem, não havia separação entre conhecimento e espiritualidade (CAVALCANTI, 2000). 
A partir do século XVII, com as ideias de Newton e o pensamento filosófico de Descartes, o mundo passou a ser encarado como máquina perfeita, desprovido de propósito e espiritualidade, e os recursos naturais tornaram-se vítimas da exploração obsessiva do homem. Cientistas e pensadores, como Newton, Galileu, Bacon e Descartes, procuraram desvincular o desenvolvimento científico dos preceitos religiosos. O corpo, a mente e o espírito foram separados em estruturas independentes, objetivando estudos científicos para melhor compreensão da natureza humana. O grande foco de estudo durante os últimos trezentos anos foi, assim, a matéria, com enorme progresso no desenvolvimento da ciência e da tecnologia. A espiritualidade foi eliminada da concepção científica do mundo e circunscrita ao domínio da religião (CAPRA, 1997).
Nesse contexto, a teoria mecanicista da natureza adquiriu grande prestígio e influenciou todas as áreas do conhecimento, com reflexos importantes sobre o psiquismo humano e a relação do homem com o mundo e com o outro. A ausência dos valores e dos significados espirituais, anteriormente atribuídos à natureza, foi determinante na geração de ações predatórias, na relação do homem com o seu ambiente, com o seu semelhante e com a vida como um todo (CAVALCANTI, 2000; CAPRA, 1997).
A despeito das grandes conquistas científicas e tecnológicas, alcançadas pelo avanço da ciência mecanicista, as consequências da extrapolação dessa abordagem não foram menos importantes, gerando graves problemas para os dias atuais. O psicólogo e escritor Roberto Crema avalia as consequências desse modelo de pensamento para a sociedade contemporânea e para a psique humana:
“As contradições do paradigma cartesiano-newtoniano com seu racionalismo clássico também se acumularam. Suas falhas e anomalias foram progressiva e coerentemente denunciadas por uma vanguarda de pensadores. Sua característica, basicamente reducionista, conduziu a um aprofundamento da referida crise de fragmentação interna (a nível intrapsíquico) e extra (a nível interpessoal, internacional, etc.) que chegou a um grau quase insustentável. O culto do intelecto e o exílio da dimensão do coração e do espírito geraram uma crescente patologia dissociativa” (CREMA 1989, p.38).
Cavalcanti (2000) observa que, em tais condições, o indivíduo encontra-se num estado de inabilidade geral para experimentar afeto e prazer pela vida e, como consequência, desenvolve ansiedade, depressão e desespero. O homem ocidental sente-se tão desconfortavelmente dividido na sua concepção fragmentada do universo e de si mesmo que termina sendo afetado em sua própria integridade psíquica.
No início do século XX, com as pesquisas da física atômica, começa a se estruturar a construção de uma concepção de mundo menos fragmentada. O universo é entendido como uma totalidade e existe uma interconexão entre todas as coisas, ou seja, começa a emergir um novo paradigma – uma concepção holística e espiritual de mundo. É bem verdade que essa é uma visão de mundo ainda restrita a poucos cientistas da atualidade, mas também é verdade que centros de pesquisa do mundo inteiro apontam para um caminho sem volta, no que diz respeito ao surgimento de um novo paradigma em ciência (PAIVA, 2007).
O movimento transpessoal, surgido no início dos anos 60 e baseado nesse paradigma emergente, deu origem a uma nova abordagem psicológica – a Psicologia Transpessoal –, cujo mérito maior é resgatar a dimensão espiritual do ser humano como algo inerente à sua natureza. Dessa forma, a física quântica e a psicologia transpessoal vêm se constituindo um canal de comunicação importante entre as ciências do ocidente e as filosofias místicas do oriente.
Jeruzia Costa de Medeiros
*Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Psicologia Transpessoal.

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