segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Resumo do Livro XXII - Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos (1932-1936)


Resumo do Livro XXII – Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos (1932-1936)
Nota do editor inglês
_ Estas conferências diferem da série original em diversos aspectos, e não apenas no fato de que jamais se cogitou em pronunciá-las. Conforme assinala Freud, no prefácio que ele mesmo escreveu, elas não possuem vida própria; são, na sua essência, suplementos. (...) Se o leitor desejar ouvir o que Freud pensa sobre telepatia, educação, religião e comunismo, ou se deseja conhecer os últimos pontos de vista de Freud sobre o superego, sobre a ansiedade, sobre o instinto de morte e sobre a fase pré-edipiana das meninas, certamente encontrará abundante material com que se ocupar nestas conferências. – p. 14;
Prefácio
_ Minhas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise foram proferidas durante os dois períodos de inverno de 1915-16 e 1916-17, em uma sala de conferências da Clínica Psiquiátrica de Viena, perante ouvintes provenientes de todas as faculdades da Universidade. As conferências da primeira metade foram improvisadas, sendo providenciada a sua redação logo após; as da segunda metade foram delineadas num esboço feito durante as férias do verão desse intervalo, em Salzburg, e lidas palavra por palavra no inverno seguinte. Naquela época eu ainda tinha o dom de uma memória fonográfica.
Estas novas conferências, diferentemente das anteriores, nunca foram proferidas. Minha idade, nesse ínterim, havia-me liberado da obrigação de expressar minha condição de membro da Universidade (que, de qualquer modo, era uma condição periférica) fazendo conferências; e uma operação cirúrgica havia-me impossibilitado de falar em público. Se, portanto, mais uma vez tomo o meu lugar na sala de conferências, durante os comentários que se seguem, é somente por um artifício de imaginação; isto pode ajudar-me a não me esquecer de levar em conta o leitor, à medida que me aprofundar mais em meu tema.
As novas conferências de modo algum pretendem ocupar o lugar das anteriores. Em nenhum sentido elas formam uma entidade independente, com a expectativa de encontrar um círculo de leitores apenas seus; são continuações e suplementos que, em relação à série anterior, se dividem em três grupos. – p. 15;
Conferência XXIX – Revisão da Teoria dos Sonhos
_ Depois de um intervalo de mais de quinze anos, se eu os reuni novamente para discutir com os senhores quais novidades, e quais melhoramentos, talvez, o tempo intercorrente possa ter introduzido na psicanálise, é correto e adequado, sob mais de um ponto de vista, que devamos voltar nossa atenção primeiramente para a posição que ocupa a teoria dos sonhos. Esta ocupa um lugar especial na história da psicanálise e assinala um ponto decisivo; foi com ela que a psicanálise progrediu de método psicoterapêutico para psicologia profunda. – p. 17;
_ Como vêem senhoras e senhores, desta vez estou tomando o caminho não de uma exposição genética, mas de uma exposição dogmática. Nosso primeiro passo consiste em estabelecer nossa nova atitude para com o problema dos sonhos, introduzindo dois novos conceitos e nomes. O que tem sido chamado de sonho descrevemos como texto do sonho, ou sonho manifesto, e aquilo que estamos procurando, o que suspeitamos existir, por assim dizer, situado por trás do sonho, descreveremos como pensamentos oníricos latentes. Havendo feito isto, podemos expressar nossas duas tarefas conforme se segue. Temos de transformar o sonho manifesto em sonho latente, e explicar como, na mente do sonhador, o sonho latente se tornou sonho manifesto. A primeira parte é uma tarefa prática, pela qual é responsável a interpretação de sonho; exige uma técnica. A segunda parte é uma tarefa teórica, cuja atribuição é explicar a hipotética elaboração onírica; e só pode ser uma teoria. Ambas, a técnica de interpretação de sonhos e a teoria da elaboração onírica, têm de ser recriadas. – p. 19/20;
_ Este, pois, é o nosso método de interpretar sonhos. Uma primeira questão justificável é a seguinte: ‘Podemos interpretar todos os sonhos por meio desse método? E a resposta é: ‘Não, absolutamente não; mas são tantos os que podemos interpretar, que nos sentimos confiantes na utilidade e na correção do procedimento.’ ‘Mas por que não todos?’ A resposta a isto tem algo importante a nos ensinar, que de imediato nos conduz aos fatores determinantes psíquicos da formação dos sonhos: ‘Porque o trabalho de interpretar é efetuado contra uma resistência, que varia desde dimensões banais até a inexpugnabilidade (pelo menos até onde alcança a eficiência de nossos métodos atuais).’ É impossível, durante o nosso trabalho, desprezar as manifestações dessa resistência. – p. 23;
_ Há muito os senhores estão cientes de que essa censura não é uma instituição exclusiva da vida onírica. Sabem que o conflito entre as duas instâncias psíquicas, que nós – impropriamente – descrevemos como o ‘reprimido inconsciente’ e o ‘consciente’, domina toda a nossa vida mental e que a resistência contra a interpretação dos sonhos, sinal de uma censura onírica, nada mais é que a resistência devida à repressão, pela qual as duas instâncias estão separadas. Os senhores também sabem que o conflito entre essas duas instâncias pode, sob determinadas condições, produzir outras estruturas psíquicas que, assim como os sonhos, são o resultado de conciliações; e os senhores não haverão de esperar que eu lhes repita aqui tudo o que estava contido em minha introdução à teoria das neuroses, a fim de lhes demonstrar o que sabemos acerca dos fatores determinantes da formação de tais conciliações. Os senhores perceberam que o sonho é um produto patológico, o primeiro membro da classe que inclui os sintomas histéricos, as obsessões e os delírios, sendo, contudo, diferenciado dos outros por sua transitoriedade e por sua ocorrência sob condições que fazem parte da vida normal. Pois levemos na devida conta que, conforme já foi assinalado por Aristóteles, a vida onírica é a forma como funciona nossa mente durante o estado de sono. O estado de sono implica um afastamento do mundo externo real, e aí temos a condição necessária para o desenvolvimento de uma psicose. O mais cuidadoso estudo das psicoses graves não nos revelará um único aspecto que seja mais característico desses estados patológicos. Nas psicoses, porém, o apartar-se da realidade é levado a cabo por duas espécies de vias: ou porque o reprimido inconsciente se tornou excessivamente forte, de modo a dominar o consciente, que se liga à realidade; ou porque a realidade se tornou tão intoleravelmente angustiante, que o ego ameaçado se lança nos braços das forças instintuais inconscientes, em uma revolta desesperada. – p. 25;
_ A importância dessa constatação foi ainda acrescida da descoberta de que, na construção dos sintomas neuróticos, estão em atividade os mesmos mecanismos (não nos aventuramos a dizer ‘processos de pensamento’) que aqueles que transformaram os pensamentos oníricos latentes em sonho manifesto. – p. 27;
_ O deslocamento é o meio principal usado na distorção onírica, à qual os pensamentos oníricos devem submeter-se sob a influência da censura.
Após haverem essas influências sido aplicadas sobre os pensamentos oníricos, o sonho está quase completo. Um fator adicional, um tanto variável, também entra em jogo – o fator conhecido como ‘elaboração secundária’ – depois de o sonho ter sido apresentado perante a consciência como objeto da percepção. Neste ponto, tratamo-lo como em geral estamos acostumados a tratar os conteúdos de nossa percepção: preenchemos as lacunas e introduzimos conexões, e, ao fazê-lo, freqüentemente somos culpados de grandes equívocos. – p. 30;
_ O ponto mais controvertido em toda a teoria foi, sem dúvida, a afirmação de que todos os sonhos são realizações de desejos. A objeção inevitável e sempre recorrente, levantada pelos leigos, de que, não obstante, há tantos sonhos de ansiedade, foi, penso que posso dizê-lo, completamente eliminada em minhas conferências anteriores. Com a divisão em sonhos de realização de desejos, sonhos de ansiedade e sonhos de punição, mantivemos intacta nossa teoria.
Também os sonhos de punição constituem realizações de desejo, embora não de desejos dos impulsos instintuais, mas de desejos da instância crítica, censora e punidora da mente. Se temos diante de nós um sonho de punição puro, uma operação mental fácil nos possibilitará restaurar o sonho de realização de desejos ao qual o sonho de punição é a resposta correta, e que, devido a esse repúdio, foi substituído como sonho manifesto. Como sabem, senhoras e senhores, o estudo dos sonhos foi o que por primeiro nos auxiliou a compreender as neuroses, e os senhores julgarão natural que nosso conhecimento das neuroses, posteriormente, conseguiu influenciar nossa visão dos sonhos. Conforme os senhores haverão de ouvir, fomos obrigados a postular a existência, na mente, de uma especial instância crítica e proibidora, a qual denominamos de ‘superego’. Embora reconhecendo que a censura dos sonhos é também uma função dessa instância, fomos levados a examinar, com maior cuidado, a parte desempenhada pelo superego na construção dos sonhos.
Contra a teoria da realização de desejos dos sonhos surgiram apenas duas dificuldades sérias. Uma discussão a respeito destas afastar-nos-ia muito do caminho que seguimos e, na verdade, ainda não nos proporcionou qualquer conclusão inteiramente satisfatória. – p. 36;
Conferência XXX – Sonhos e Ocultismo
_ Dificilmente ficarão surpresos com a notícia de que vou falar-lhes sobre a relação entre sonhos e ocultismo. Os sonhos, na verdade, freqüentemente têm sido considerados como o portão de entrada para o mundo do misticismo, e, mesmo hoje em dia, são vistos por muitas pessoas como fenômeno oculto. Até nós próprios, que os transformamos em tema de estudo científico, não impugnamos o fato de que um ou mais fios os vinculam a essas matérias obscuras. Misticismo, ocultismo – que significam essas palavras? Os senhores não devem esperar que eu faça alguma tentativa de abarcar essa mal-circunscrita região com definições. Todos nós sabemos, de um modo genérico e indefinido, o que essas palavras significam para nós. Referem-se a alguma espécie de ‘outro mundo’, situado além deste mundo visível, governado por leis imutáveis, construído para nós pela ciência.
O ocultismo afirma que existem, de fato, ‘mais coisas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia’. Pois bem, não precisamos nos sentir amarrados pela estreiteza de vistas da filosofia acadêmica; estamos prontos a acreditar naquilo que nos é demonstrado de forma a merecer crédito.
Propomos lidar com essas coisas da mesma forma como o fazemos com qualquer outro material científico: antes de mais nada, estabelecer se se pode realmente demonstrar que tais eventos acontecem, e então, e somente então, quando sua natureza factual não pode ser posta em dúvida, dedicar-nos à sua explicação. Não se pode negar, entretanto, que mesmo o colocar em ação essa decisão se faz difícil para nós, devido a fatores intelectuais, psicológicos e históricos. O caso não é o mesmo quando abordamos outras investigações. – p. 39;
_ Percebemos que nem sempre se deve reprovar os preconceitos, mas que, às vezes, eles se justificam e têm utilidade de vez que nos poupam trabalho inútil. De fato, eles são apenas conclusões baseadas em uma analogia com outros juízos bem fundamentados. – p. 40;
_ Desde o início, quando a vida nos submete à sua rígida disciplina, dentro de nós se levanta uma resistência contra a inflexibilidade e monotonia das leis do pensamento e contra as exigências do teste de realidade. A razão se torna o inimigo que nos priva de tantas possibilidades de prazer. Descobrimos quanto prazer nos dá retrair-nos dela, temporariamente ao menos, e nos entregar aos atrativos do absurdo. – p. 41;
_ No decorrer do tratamento psicanalítico de pacientes, formei a concepção de que as atividades dos adivinhos profissionais escondem uma oportunidade de fazer observações especialmente irrefutáveis sobre transmissão de pensamento. Esses indivíduos são pessoas insignificantes, e mesmo inferiores, que se aprofundam em determinado tipo de representação – pôr as cartas, estudar a escrita ou as linhas da palma da mão, ou fazer cálculos astrológicos – e, ao mesmo tempo, após haverem-se mostrado conhecedores de partes do passado ou das circunstâncias presentes do visitante, continuam profetizando seu futuro. Via de regra, seus clientes mostram grande satisfação com esses efeitos e não sentem qualquer ressentimento se, depois, essas profecias não se cumprem. – p. 47;
Conferência XXXI – A Dissecção da Personalidade Psíquica
_ Sei que estão conscientes, no que diz respeito aos seus próprios relacionamentos, seja com pessoas, seja com coisas, da importância do ponto de partida dos senhores. Também foi isto o que se passou com a psicanálise. Não foi uma coisa sem importância, para o curso do seu desenvolvimento ou para a acolhida que ela encontrou, o fato de ela ter começado seu trabalho sobre aquilo que é, dentre todos os conteúdos da mente, o mais estranho ao ego – sobre os sintomas. Os sintomas são derivados do reprimido, são, por assim dizer, seus representantes perante o ego; mas o reprimido é território estrangeiro para o ego – território estrangeiro interno – assim como a realidade (que me perdoem a expressão inusitada) é território estrangeiro externo. A trajetória conduziu dos sintomas ao inconsciente, à vida dos instintos, à sexualidade; e foi então que a psicanálise deparou com a brilhante objeção de que os seres humanos não são simplesmente criaturas sexuais, mas têm, também, impulsos mais nobres e mais elevados. Poder-se-ia acrescentar que, exaltados por sua consciência desses impulsos mais elevados, eles muitas vezes assumem o direito de pensar de modo absurdo e desprezar os fatos. – p. 63;
_ Como seria se essas pessoas insanas estivessem certas, se em cada um de nós estivesse presente no ego uma instância como essa que observa e ameaça punir, e que nos doentes mentais se tornou nitidamente separada de seu ego e erroneamente deslocada para a realidade externa? – p. 65;
_ Seria difícil familiarizarmo-nos com a idéia de um superego como este, que goza de um determinado grau de autonomia, que age segundo suas próprias intenções e que é independente do ego para a obtenção de sua energia; há, porém, um quadro clínico que se impõe à nossa observação e que mostra nitidamente a severidade dessa instância e até mesmo sua crueldade, bem como suas cambiantes relações com o ego. Estou-me referindo à situação da melancolia, ou, mais precisamente, dos surtos melancólicos, dos quais os senhores terão ouvido falar muito, ainda que não sejam psiquiatras. O aspecto mais evidente dessa doença, de cujas causas e de cujo mecanismo conhecemos quase nada, é o modo como o superego – ‘consciência’, podem denominá-la assim, tranqüilamente – trata o ego. – p. 66;
_ Conquanto a consciência seja algo ‘dentro de nós’, ela, mesmo assim, não o é desde o início. Nesse ponto, ela é um contraste real com a vida sexual, que existe de fato desde o início da vida e não é apenas um acréscimo posterior. Pois bem, como todos sabem, as crianças de tenra idade são amorais e não possuem inibições internas contra seus impulsos que buscam o prazer. O papel que mais tarde é assumido pelo superego é desempenhado, no início, por um poder externo, pela autoridade dos pais. A influência dos pais governa a criança, concedendo-lhe provas de amor e ameaçando com castigos, os quais, para a criança, são sinais de perda do amor e se farão temer por essa mesma causa. Essa ansiedade realística é o precursor da ansiedade moral subseqüente. Na medida em que ela é dominante, não há necessidade de falar em superego e consciência. Apenas posteriormente é que se desenvolve a situação secundária (que todos nós com demasiada rapidez havemos de considerar como sendo a situação normal), quando a coerção externa é internalizada, e o superego assume o lugar da instância parental e observa, dirige e ameaça o ego, exatamente da mesma forma como anteriormente os pais faziam com a criança.
O superego, que assim assume o poder, a função e até mesmo os métodos da instância parental, é, porém, não simplesmente seu sucessor, mas também, realmente, seu legítimo herdeiro. Procede diretamente dele, e verificaremos agora por que processo. Antes, porém, atentemos para uma discrepância entre os dois. O superego parece ter feito uma escolha unilateral e ter ficado apenas com a rigidez e severidade dos pais, com sua função proibidora e punitiva, ao passo que o cuidado carinhoso deles parece não ter sido assimilado e mantido. Se os pais realmente impuseram sua autoridade com severidade, facilmente podemos compreender que a criança desenvolva, em troca, um superego severo. Contrariando nossas expectativas, porém, a experiência mostra que o superego pode adquirir essas mesmas características de severidade inflexível, ainda que a criança tenha sido educada de forma branda e afetuosa, e se tenham evitado, na medida do possível, ameaças e punições. Mais adiante, retornaremos a essa contradição, quando tratarmos das transformações do instinto durante a formação do superego.
Não posso dizer-lhes tanto quanto gostaria a respeito da metamorfose do relacionamento parental em superego, em parte porque esse processo é tão complexo, que uma exposição dele não cabe dentro do esquema de trabalho de uma série de conferências de introdução, como a que tento dar-lhes, mas em parte, também, porque não nos sentimos seguros de que estejamos compreendendo-a por inteiro. Assim, devem satisfazer-se com o esboço que se segue.
A base do processo é o que se chama ‘identificação’ – isto é, a ação de assemelhar um ego a outro ego, em conseqüência do que o primeiro ego se comporta como o segundo em determinados aspectos, imita-o e, em certo sentido, assimila-o dentro de si. – p. 67/68;
_ Tenho como certo que os senhores já ouviram falar muito no sentimento de inferioridade, que se supõe caracterize especialmente os neuróticos. Ele freqüenta, em particular, as páginas do que se conhece como belles lettres. Um autor, ao usar a expressão ‘complexo de inferioridade’, pensa que com isto satisfez todas as exigências da psicanálise e elevou sua criação literária a um plano mais elevado. De fato, ‘complexo de inferioridade’ é um termo técnico quase nunca usado em psicanálise. Para nós, ele não comporta o significado de algo simples, nem, muito menos, de algo elementar. Atribuí-lo à autopercepção de possíveis defeitos orgânicos, como pretende fazê-lo a escola daqueles que são conhecidos como ‘psicólogos do indivíduo’, parece-nos um erro insensato. O sentimento de inferioridade possui fortes raízes eróticas. Uma criança sente-se inferior quando verifica que não é amada, e o mesmo se passa com o adulto. O único órgão corporal realmente considerado inferior é o pênis atrofiado, o clitóris da menina. A parte principal do sentimento de inferioridade, porém, deriva-se da relação do ego com o superego; assim como o sentimento de culpa, é expressão da tensão entre eles. Em conjunto, é difícil separar o sentimento de inferioridade do sentimento de culpa. Talvez seja correto considerar aquele como o complemento erótico do sentimento moral de inferioridade. Deu-se pouca atenção, na psicanálise, à questão referente à delimitação dos dois conceitos. – p. 70/71;
_ É comum as mães, a quem o destino presenteou com um filho doentio ou portador de alguma outra desvantagem, tentarem compensá-lo de sua injusta desvantagem com uma superabundância de amor. – p. 71;
_ Retornemos, porém, ao superego. Atribuímos-lhe as funções de auto-observação, de consciência e de [manter] o ideal. Daquilo que dissemos sobre sua origem, segue-se que ele pressupõe um fato biológico extremamente importante e um fato psicológico decisivo; ou seja, a prolongada dependência da criança em relação a seus pais e o complexo de Édipo, ambos intimamente inter-relacionados. O superego é para nós o representante de todas as restrições morais, o advogado de um esforço tendente à perfeição – é, em resumo, tudo o que pudemos captar psicologicamente daquilo que é catalogado como o aspecto mais elevado da vida do homem. Como remonta à influência dos pais, educadores, etc., aprendemos mais sobre seu significado se nos voltamos para aqueles que são sua origem. Via de regra, os pais, e as autoridades análogas a eles, seguem os preceitos de seus próprios superegos ao educar as crianças. Seja qual for o entendimento a que possam ter chegado entre si o seu ego e o seu superego, são severos e exigentes ao educar os filhos. Esqueceram as dificuldades de sua própria infância e agora se sentem contentes com identificar-se eles próprios, inteiramente, com seus pais, que no passado impuseram sobre eles restrições tão severas. Assim, o superego de uma criança é, com efeito, construído segundo o modelo não de seus pais, mas do superego de seus pais; os conteúdos que ele encerra são os mesmos, e torna-se veículo da tradição e de todos os duradouros julgamentos de valores que dessa forma se transmitiram de geração em geração. Facilmente podem adivinhar que, quando levamos em conta o superego, estamos dando um passo importante para a nossa compreensão do comportamento social da humanidade – do problema da delinqüência, por exemplo – e, talvez, até mesmo estejamos dando indicações práticas referentes à educação. Parece provável que aquilo que se conhece como visão materialista da história peque por subestimar esse fator. Eles o põem de lado, com o comentário de que as ‘ideologias’ do homem nada mais são do que produto e superestrutura de suas condições econômicas contemporâneas. Isto é verdade, mas muito provavelmente não a verdade inteira. A humanidade nunca vive inteiramente no presente. O passado, a tradição da raça e do povo, vive nas ideologias do superego e só lentamente cede às influências do presente, no sentido de mudanças novas; e, enquanto opera através do superego, desempenha um poderoso papel na vida do homem, independentemente de condições econômicas. – p. 72/73;
_ Toda a teoria da psicanálise, como sabem, é de fato construída sobre a percepção da resistência que o paciente nos oferece, quando tentamos tornar-lhe consciente o seu inconsciente. – p. 73;
_ Retorno, agora, ao nosso tema. Em face da dúvida quanto a saber se o ego e o superego são inconscientes, ou se simplesmente produzem efeitos inconscientes, decidimo-nos, por boas razões, a favor da primeira possibilidade. E é realmente este o caso: grande parte do ego e do superego pode permanecer inconsciente e é normalmente inconsciente. Isto é, a pessoa nada sabe dos conteúdos dos mesmos, e é necessário dispender esforços para torná-los conscientes. É um fato que o ego e o consciente, o reprimido e o inconsciente não coincidem. Sentimos necessidade de proceder a uma revisão fundamental de nossa atitude relativa a esse problema consciente-inconsciente. Em primeiro lugar, sentimo-nos muito inclinados a reduzir o valor do critério do ser consciente, de vez que se mostrou tão pouco digno de fé. Mas estaríamos fazendo-lhe uma injustiça. E como se pode dizer de nossa vida: não tem muito valor, mas é tudo o que temos. Sem a revelação proporcionada pela qualidade da consciência, estaríamos perdidos na obscuridade da psicologia profunda; devemos, contudo, encontrar nosso rumo.
Não há necessidade de discutir o que se deva denominar consciente: não pairam dúvidas sobre isto. O mais antigo e o melhor significado da palavra ‘inconsciente’ é o significado descritivo. Denominamos inconsciente um processo psíquico cuja existência somos obrigados a supor – devido a algum motivo tal que o inferimos a partir de seus efeitos -, mas do qual nada sabemos. Nesse caso, temos para tal processo a mesma relação que temos com um processo psíquico de uma outra pessoa, exceto que, de fato, se trata de um processo nosso, mesmo. Se quisermos ser ainda mais corretos, modificaremos nossa assertiva dizendo que denominamos inconsciente um processo se somos obrigados a supor que ele está sendo ativado no momento, embora no momento não saibamos nada a seu respeito. Essa restrição faz-nos raciocinar que a maioria dos processos conscientes são conscientes apenas num curto espaço de tempo; muito em breve se tornam latentes, podendo, contudo, facilmente tornar-se de novo conscientes. Também poderíamos dizer que se tornaram inconscientes, se fosse absolutamente certo que, na condição de latência, ainda constituem algo de psíquico. – p. 74/75;
_ Com a finalidade de evitar a ambigüidade no sentido de estarmo-nos referindo, a um ou a outro inconsciente, de estarmos usando a palavra no sentido descritivo ou no sentido dinâmico, utilizamo-nos de um expediente permissível e simples. O inconsciente que está apenas latente, e portanto facilmente se torna consciente, denominamo-lo ‘pré-consciente’, e reservamos o termo ‘inconsciente’ para o outro. Temos, agora, três termos, ‘consciente’, ‘pré-consciente’ e ‘inconsciente’, com os quais podemos ser bem-sucedidos em nossa descrição dos fenômenos mentais. Repetindo: o pré-consciente também é inconsciente no sentido puramente descritivo, mas não lhe atribuímos esse nome, exceto quando falamos sem a preocupação de conferir-lhe precisão, ou quando temos de fazer a defesa da existência, na vida mental, de processos inconscientes em geral. – p. 76;
_ Assim sendo, não usaremos mais o termo ‘inconsciente’ no sentido sistemático e daremos àquilo que até agora temos assim descrito um nome melhor, um nome que não seja mais passível de equívocos. Aceitando uma palavra empregada por Nietzsche e acolhendo uma sugestão de George Groddeck [1923], de ora em diante chama-lo-emos de ‘id’. Esse pronome impessoal parece especialmente bem talhado para expressar a principal característica dessa região da mente – o fato de ser alheia ao ego. O superego, o ego e o id – estes são, pois, os três reinos, regiões, províncias em que dividimos o aparelho mental de um indivíduo, e é das suas relações mútuas que nos ocuparemos a seguir. – p. 77;
_ Os senhores não haverão de esperar que eu tenha muita coisa nova a dizer-lhes acerca do id, exceto o seu nome novo. É a parte obscura, a parte inacessível de nossa personalidade; o pouco que sabemos a seu respeito, aprendemo-lo de nosso estudo da elaboração onírica e da formação dos sintomas neuróticos, e a maior parte disso é de caráter negativo e pode ser descrita somente como um contraste com o ego. Abordamos o id com analogias; denominamo-lo caos, caldeirão cheio de agitação fervilhante. Descrevemo-lo como estando aberto, no seu extremo, a influências somáticas e como contendo dentro de si necessidades instintuais que nele encontram expressão psíquica; não sabemos dizer, contudo, em que substrato. Está repleto de energias que a ele chegam dos instintos, porém não possui organização, não expressa uma vontade coletiva, mas somente uma luta pela consecução da satisfação das necessidades instintuais, sujeita à observância do princípio de prazer. As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id, e isto é verdadeiro, acima de tudo, quanto à lei da contradição. Impulsos contrários existem lado a lado, sem que um anule o outro, ou sem que um diminua o outro: quando muito, podem convergir para formar conciliações, sob a pressão econômica dominante, com vistas à descarga da energia. No id não há nada que se possa comparar à negativa e é com surpresa que percebemos uma exceção ao teorema filosófico segundo o qual espaço e tempo são formas necessárias de nossos atos mentais. No id, não existe nada que corresponda à idéia de tempo; não há reconhecimento da passagem do tempo, e – coisa muito notável e merecedora de estudo no pensamento filosófico nenhuma alteração em seus processos mentais é produzida pela passagem do tempo. Impulsos plenos de desejos, que jamais passaram além do id, e também impressões, que foram mergulhadas no id pelas repressões, são virtualmente imortais; depois de se passarem décadas, comportam-se como se tivessem ocorrido há pouco. Só podem ser reconhecidos como pertencentes ao passado, só podem perder sua importância e ser destituídos de sua catexia de energia, quando tornados conscientes pelo trabalho da análise, e é nisto que, em grande parte, se baseia o efeito terapêutico do tratamento analítico.
Muitíssimas vezes, tive a impressão de que temos feito muito pouco uso teórico desse fato, estabelecido além de qualquer dúvida, da inalterabilidade do reprimido com o passar do tempo. Isto parece oferecer um acesso às mais profundas descobertas. E, infelizmente, eu próprio não fiz qualquer progresso nessa parte.
Naturalmente, o id não conhece nenhum julgamento de valores: não conhece o bem, nem o mal, nem moralidade. Domina todos os seus processos o fator econômico ou, se preferirem, o fator quantitativo, que está intimamente vinculado ao princípio de prazer. Catexias instintuais que procuram a descarga – isto, em nossa opinião, é tudo o que existe no id. ­– p. 78/79;
_ A relação com o tempo, tão difícil de descrever, também é introduzida no ego pelo sistema perceptual; dificilmente pode-se duvidar de que o modo de atuação desse sistema é o que dá origem à idéia de tempo. O que, contudo, muito particularmente distingue o ego do id é uma tendência à síntese de seu conteúdo, à combinação e à unificação nos seus processos mentais, o que está totalmente ausente no id. Quando, agora, abordarmos os instintos na vida mental, conseguiremos, segundo espero, reconstituir essa característica essencial do ego em sua origem. Somente ela produz o alto grau de organização que o ego requer para suas melhores realizações. O ego evolui da percepção dos instintos para o controle destes; esse controle, porém, apenas é realizado pelo representante [psíquico] do instinto quando tal representante se situa no lugar que lhe é próprio, num amplo conjunto de elementos, quando tomado em um contexto coerente. Para adotar um modo popular de falar, poderíamos dizer que o ego significa razão e bom senso, ao passo que o id significa as paixões indomadas. – p. 80/81;
_ A relação do ego para com o id poderia ser comparada com a de um cavaleiro para com seu cavalo. – p. 81;
_ Há uma parte do id da qual o ego separou-se por meio de resistências devidas à repressão. A repressão, contudo, não se estende para dentro do id: o reprimido funde-se no restante do id.
Adverte-nos um provérbio de que não sirvamos a dois senhores ao mesmo tempo. O pobre do ego passa por coisas ainda piores: ele serve a três severos senhores e faz o que pode para harmonizar entre si seus reclamos e exigências. Esses reclamos são sempre divergentes e freqüentemente parecem incompatíveis. Não é para admirar se o ego tantas vezes falha em sua tarefa. Seus três tirânicos senhores são o mundo externo, o superego e o id. Quando acompanhamos os esforços do ego para satisfazê-los simultaneamente – ou antes, para obedecer-lhes simultaneamente -, não podemos nos arrepender por termo-lo personificado ou por termo-lo erigido em um organismo separado. Ele se sente cercado por três lados, ameaçado por três tipos de perigo, aos quais reage, quando duramente pressionado, gerando ansiedade. – p. 82;
_ Assim, o ego, pressionado pelo id, confinado pelo superego, repelido pela realidade, luta por exercer eficientemente sua incumbência econômica de instituir a harmonia entre as forças e as influências que atuam nele e sobre ele; e podemos compreender como é que com tanta freqüência não podemos reprimir uma exclamação: ‘A vida não é fácil!’. Se o ego é obrigado a admitir sua fraqueza, ele irrompe em ansiedade – ansiedade realística referente ao mundo externo, ansiedade moral referente ao superego e ansiedade neurótica referente à força das paixões do id. – p. 82;
_ Também é fácil imaginar que determinadas práticas místicas possam conseguir perturbar as relações normais entre as diferentes regiões da mente, de modo que, por exemplo, a percepção pode ser capaz de captar acontecimentos, nas profundezas do ego e no id, os quais de outro modo lhe seriam inacessíveis. Pode-se, porém, com segurança, duvidar se a esse caminho nos levará às últimas verdades das quais é de se esperar a salvação. Não obstante, pode-se admitir que os intentos terapêuticos da psicanálise têm escolhido uma linha de abordagem semelhante. Seu propósito é, na verdade, fortalecer o ego, fazê-lo mais independente do superego, ampliar seu campo de percepção e expandir sua organização, de maneira a poder assenhorear-se de novas partes do id. Onde estava o id, ali estará o ego. – p. 84;
Conferência XXXII – Ansiedade e Vida Instintual
_ Não se surpreenderão se saberem que tenho muitas novidades a relatar-lhes a respeito de nossa concepção [Auffassung] da ansiedade e dos instintos básicos da vida mental; e não se surpreenderão ao verificar que nenhuma dessas novidades pode pretender oferecer uma solução definitiva para esses problemas não solucionados. Tenho um motivo especial para usar a palavra ‘concepção’, aqui. Estes são os problemas mais difíceis que se nos apresentam, mas sua dificuldade não está em alguma insuficiência de observações; o que nos propõem esses enigmas são realmente os fenômenos mais comuns e mais conhecidos. Nem a dificuldade se situa na natureza recôndita das especulações a que eles dão origem; a reflexão especulativa desempenha uma parte insignificante nessa esfera. É, contudo, verdadeiramente uma questão de concepções – isto é, de introduzir as idéias abstratas corretas, cuja aplicação ao material bruto da observação nele produzirá ordem e clareza.
Dediquei uma conferência (a vigésima quinta), em minha série anterior, à ansiedade; e preciso recapitular rapidamente o que ali disse. Descrevemos a ansiedade como um estado afetivo – isto é, uma combinação de determinados sentimentos da série prazer-desprazer, com as correspondentes inervações de descarga, e uma percepção dos mesmos, mas, provavelmente, também como um precipitado de um determinado evento importante, incorporado por herança – algo que pode, por conseguinte, ser assemelhado a um ataque histérico individualmente adquirido. – p. 85;
_ Por outro lado, temos verificado de bom grado um desejável elemento de correspondência no fato de que as três principais espécies de ansiedade, a realística, a neurótica e a moral, podem com tanta facilidade ser correlacionadas com as três relações dependentes que o ego mantém – com o mundo externo, com o id e com o superego. – p. 89;
_ O temor de castração não é, naturalmente, o único motivo para repressão: na verdade, não sucede nas mulheres, pois, embora tenham elas um complexo de castração, não podem ter medo de serem castradas. Em seu sexo, o que sucede é o temor à perda do amor, o que é, evidentemente, um prolongamento posterior de ansiedade da criança quando constata a ausência da mãe. – p. 90;
_ Otto Rank, a quem a psicanálise deve muitas contribuições excelentes, também tem o mérito de haver expressamente acentuado a importância do ato do nascimento e da separação da mãe [Rank, 1924]. Todavia, achamos de todo impossível aceitar as conclusões extremas que extraiu desse fator, com relação à teoria das neuroses e, mesmo, ao tratamento analítico. O cerne dessa teoria – de que a experiência de ansiedade no nascimento é o modelo de todas as subseqüentes situações de perigo -, ele já o encontrou pronto. Se nos detivermos um pouco nessas situações de perigo, podemos dizer que, de fato, para cada estádio do desenvolvimento está reservado, como sendo adequado para esse desenvolvimento, um especial fator determinante de ansiedade. O perigo de desamparo psíquico ajusta-se ao estádio da imaturidade inicial do ego; o perigo de perda de um objeto (ou perda do amor) ajusta-se à falta de auto-suficiência dos primeiros anos da infância; o perigo de ser castrado ajusta-se à fase fálica; e, finalmente, o temor ao superego, que assume uma posição especial, ajusta-se ao período de latência. No decorrer do desenvolvimento, os antigos fatores determinantes de ansiedade deveriam sumir, pois as situações de perigo correspondentes a eles perderam sua importância devido ao fortalecimento do ego. Isto, contudo, só ocorre de forma muito incompleta. Muitas pessoas são incapazes de superar o temor da perda do amor; nunca se tornam suficientemente independentes do amor de outras pessoas e, nesse aspecto, comportam-se como crianças. O temor ao superego normalmente jamais deve cessar, pois, sob a forma de ansiedade moral, é indispensável nas relações sociais, e somente em casos muito raros pode um indivíduo tornar-se independente da sociedade humana. Algumas das antigas situações de perigo também conseguem sobreviver em períodos posteriores, fazendo modificações concomitantes nos fatores determinantes de ansiedade. Assim, por exemplo, o perigo de castração persiste sob a marca da fobia à sífilis. É verdade que, como adulto, se sabe que a castração não mais faz parte do costume de punir excessos de desejos sexuais, mas, por outro lado, verifica-se que a liberdade instintual desse tipo é ameaçada por graves doenças. Não há dúvida de que as pessoas que qualificamos como neuróticas, permanecem infantis em sua atitude relativa ao perigo e não venceram as obsoletas causas determinantes de ansiedade. Podemos tomar isto como contribuição concreta para a caracterização dos neuróticos; não é muito fácil dizer por que isto tem de ser assim. (...) E nisto aprendemos duas coisas novas: primeiro, que a ansiedade faz a repressão e não, conforme costumávamos pensar, o oposto; e [segundo], que a situação instintual temida remonta basicamente a uma situação de perigo externa. – p. 91/92;
_ A teoria dos instintos é, por assim dizer, nossa mitologia. Os instintos são entidades míticas, magníficos em sua imprecisão. Em nosso trabalho, não podemos desprezá-los, nem por um só momento, de vez que nunca estamos seguros de os estarmos vendo claramente. Os senhores sabem como o pensamento popular lida com os instintos. As pessoas supõem existirem tantos e tão diversos instintos quantos aqueles de que elas necessitam no momento – um instinto de auto-afirmação, um instinto de imitação, um instinto lúdico, um instinto gregário e muitos outros semelhantes. – p. 98;
_ considerações sobre os dois estágios da fase sádico-anal. – p. 101/102;
_ a defecação é o modelo do ato do nascimento. – p. 103;
_ considerações sobre o erotismo uretral. – p. 104;
_ considerações sobre a agressividade tolhida. – p. 107;
_ considerações sobre a compulsão à repetição. – p. 108/109;
_ considerações sobre a origem da necessidade inconsciente de punição e do sentimento de culpa.  – p. 111;
Conferência XXXIII - Feminilidade
_ considerações sobre as conferências anteriores. – p. 113;
_ considerações sobre as fases iniciais do desenvolvimento libidinal. – p. 118/120;
_ considerações sobre a fase pré-edipiana nas meninas. – p. 120/121;
_ A descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possíveis: uma conduz à inibição sexual ou à neurose, outra, à modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade, a terceira, finalmente, à feminilidade normal. Temos aprendido uma quantidade considerável, embora não tudo, a respeito das três. – p. 126;
_ O complexo de castração prepara para o complexo de Édipo, em vez de destruí-lo; a menina é forçada a abandonar a ligação com sua mãe através da influência de sua inveja do pênis, e entra na situação edipiana como se esta fora um refúgio. Na ausência do temor de castração, falta o motivo principal que leva o menino a superar o complexo de Édipo. As meninas permanecem nele por um tempo indeterminado; destroem-no tardiamente e, ainda assim, de modo incompleto. Nessas circunstâncias, a formação do superego deve sofrer um prejuízo; não consegue atingir a intensidade e a independência, as quais lhe conferem sua importância cultural, e as feministas não gostam quando lhes assinalamos os efeitos desse fator sobre o caráter feminino em geral. – p. 129;
_ A identificação de uma mulher com sua mãe permite-nos distinguir duas camadas: a pré-edipiana, sobre a qual se apóia a vinculação afetuosa com a mãe e esta é tomada como modelo, e a camada subseqüente, advinda do complexo de Édipo, que procura eliminar a mãe e tomar-lhe o lugar junto ao pai. Sem dúvida justifica-se dizermos que muita coisa de ambas subsiste no futuro e que nenhuma das duas é adequadamente superada no curso do desenvolvimento. A fase da ligação afetuosa pré-edipiana, contudo, é decisiva para o futuro de uma mulher: durante essa fase são feitos os preparativos para a aquisição das características com que mais tarde exercerá seu papel na função sexual e realizará suas inestimáveis tarefas sociais. É também nessa identificação que ela adquire aquilo que constitui motivo de atração para um homem; a ligação edipiana deste à sua mãe transfigura a atração da mulher em paixão. No entanto, com quanta freqüência sucede que apenas o filho obtém aquilo a que o homem aspirava! Tem-se a impressão de que o amor do homem e o amor da mulher psicologicamente sofrem de uma diferença de fase. – p. 133;
Conferência XXXIV – Explicações, aplicações e orientações
_ considerações como se comportar em relação à psicanálise. – p. 135/137;
_ Há um ditado corrente segundo o qual nós deveríamos aprender com os nossos inimigos. Confesso que nunca consegui fazer isso; mas pensei que, de qualquer modo, seria instrutivo para os senhores se eu empreendesse um estudo de todas as acusações e objeções que os adversários da psicanálise levantaram contra ela, e se também assinalasse as injustiças e ofensas contra a lógica que tão facilmente nelas poderiam ser reveladas. – p. 138;
_ Bem, procurarei fazê-lo; só que com brevidade, pois contribuem menos para uma compreensão da análise do que os senhores poderiam esperar. Estou certo de que os senhores estarão pensando, em primeiro lugar, na ‘Individual Psychology’, de Adler, que, na América, por exemplo, é considerada uma linha de pensamento colateral com a nossa psicanálise e no mesmo nível desta, sendo regularmente mencionada ao lado da psicanálise. Na realidade, a psicologia do indivíduo muito pouco tem a ver com a psicanálise, mas, como decorrência de determinadas circunstâncias históricas, leva, em relação a esta e às suas custas, uma espécie de existência parasita. – p. 139;
_ críticas a Adler. – p. 139/141;
_ considerações sobre a compulsão à repetição da psicologia do indivíduo de Adler. – p. 141;
_ Uma das primeiras aplicações da psicanálise consistiu em nos ensinar a compreender a oposição que os nossos contemporâneos nos movem pelo fato de exercermos a psicanálise. Outras aplicações, de natureza objetiva, podem reivindicar um interesse mais geral. Nosso primeiro propósito, naturalmente, foi o de compreender os distúrbios da mente humana, porque uma notável experiência mostrara que, aqui, a compreensão e a cura quase coincidem, que existe reciprocidade entre uma e outra. E por muito tempo este foi nosso único propósito. Depois, no entanto, percebemos as estreitas relações, a própria identidade interna entre processos patológicos e aquilo que se conhece como processos normais. A psicanálise tornou-se psicologia profunda; e, de vez que nada daquilo que o homem cria ou faz, é compreensível sem a cooperação da psicologia, as aplicações da psicanálise a numerosas áreas do conhecimento, em especial àquelas das ciências mentais, ocorreram espontaneamente, entraram em cena e requereram debate. – p. 143;
_ considerações sobre a aplicação da psicanálise à educação. – p. 145;
_ Portanto, víamo-nos compelidos a conhecer as peculiaridades da infância; aprendemos uma grande quantidade de coisas, que não poderíamos aprender senão por meio da análise, e pudemos corrigir muitas opiniões, geralmente aceitas, acerca da infância. Reconhecemos que os primeiros anos da infância possuíam uma importância especial – até a idade de cinco anos, possivelmente – por diversos motivos. Em primeiro lugar, porque esses anos incluíam o primeiro surgimento da sexualidade, que deixa após si fatores causais decisivos para a vida sexual da maturidade. Em segundo lugar, porque as impressões desse período incidem sobre um ego imaturo e débil e atuam sobre este como traumas. O ego não consegue desviar as tempestades emocionais que esses traumas de algum modo provocam, exceto por meio da repressão, e assim adquire na infância todas as disposições para uma doença ulterior e para distúrbios funcionais. Percebemos que a dificuldade da infância reside no fato de que, num curto espaço de tempo, uma criança tem de assimilar os resultados de uma evolução cultural que se estende por milhares de anos, incluindo-se aí a aquisição do controle de seus instintos e a adaptação à sociedade – ou, pelo menos, um começo dessas duas coisas. Só pode efetuar uma parte dessa modificação através do seu desenvolvimento; muitas coisas devem ser impostas à criança pela educação. – p. 145;
_ Proponho-me, ainda, senhoras e senhores, dizer-lhes algumas palavras a respeito da psicanálise como forma de terapia. Discuti o lado teórico da questão, há quinze anos atrás, e não consigo formulá-lo de nenhuma outra maneira, hoje; agora, tenho de contar-lhes a nossa experiência durante esse intervalo. Como sabem, a psicanálise originou-se como método de tratamento; ela o desenvolveu muito, mas não abandonou seu chão de origem e ainda está vinculada ao seu contato com os pacientes para aumentar sua profundidade e se desenvolver mais. As informações acumuladas, de que derivamos nossas teorias, não poderiam ser obtidas de outra maneira. As falhas que nós, na qualidade de terapeutas, encontramos, constantemente nos propõem novas tarefas, e as exigências da vida real estão efetivamente em guarda contra um exagero da especulação, da qual não podemos, afinal, prescindir em nosso trabalho. Já faz muito tempo, debati os meios usados pela psicanálise para auxiliar os pacientes, quando os auxilia, e o método pelo qual o faz; hoje perguntarei sobre quanto ela realiza.
Talvez os senhores saibam que nunca fui um terapeuta entusiasta; não há o perigo de eu fazer mau uso desta conferência excedendo-me em elogios. De preferência, diria antes pouco do que muito. Durante o período em que eu era o único analista, as pessoas ostensivamente amáveis para com minhas idéias costumavam dizer-me: ‘Tudo isto é muito bonito e inteligente, mas me mostre um caso que o senhor tenha curado pela análise.’ – p. 149;
_ A radical inacessibilidade das psicoses ao tratamento analítico, tendo em vista a estreita relação delas com as neuroses, deveria limitar nossas pretensões com referência às últimas. A eficácia terapêutica da psicanálise permanece tolhida por numerosos fatores de peso e dificilmente abordáveis. Quanto ao caso das crianças, em que se pode contar com os maiores êxitos, as dificuldades são externas, influenciadas pelo relacionamento com os pais, embora tais dificuldades, afinal, necessariamente façam parte da condição da criança. Quanto aos adultos, as dificuldades surgem, em primeiro lugar, de dois fatores: o montante da rigidez psíquica presente e a forma da doença, com tudo o que isto abrange em termos de fatores determinantes mais profundos. – p. 151;
Conferência XXXV – A questão de uma Weltanschauung
_ considerações sobre a relação da psicanálise com a filosofia, a ciência e em especial com a religião. – p. 155/177;
A aquisição e o controle do fogo (1932[1931])
_ A correlação entre fogo e micção, que é o aspecto central deste estudo sobre o mito de Prometeu, há muito tempo era assunto familiar a Freud. Proporciona a chave para a análise do primeiro sonho no caso clínico de ‘Dora’ (1905e [1901]), Edição Standard Brasileira, Vol. VII, pág. 61 e segs., IMAGO Editora, 1972, e reaparece, mais uma vez, na análise bem posterior do ‘Homem dos Lobos’ (1918b) [1914]), ibid., Vol. XVII, pág. 116, IMAGO Editora, 1976. Em ambos esses casos, o tópico enurese está envolvido, e este se liga a uma linha principal do presente artigo – a estreita associação, fisiológica e psicológica, entre as duas funções do pênis. Esse aspecto também possui uma longa história, que se encontra nos escritos anteriores de Freud, de vez que igualmente está comentado, de forma explícita, na análise de ‘Dora’ (ibid., Vol. VII, pág. 29). E já anteriormente, em uma carta a Fliess, em 27 de setembro de 1898, Freud declarara que ‘uma criança que regularmente urina na cama até os sete anos…, deve ter experimentado excitação sexual na infância’ (Freud, 1950a, Carta 97). Repetidamente insistiu, em diversas ocasiões, na equivalência entre enurese e masturbação, assim por exemplo: no caso ‘Dora’, Edição Standard Brasileira, Vol. VII, págs. 76-7, IMAGO Editora, 1972; nos Três Ensaios (1905d), ibid., pág. 195; no artigo sobre os ataques histéricos (1909a), Standard Ed., 9, 233, e, bem posteriormente, em ‘A Dissolução do Complexo de Édipo’ (1924d), Edição Standard Brasileira, Vol. XIX, pág. 219, IMAGO Editora, 1976, e no artigo sobre a diferença anatômica entre os sexos (1925j), ibid., Vol. XIX, pág. 311. – p. 181/182;
_ Em meu trabalho O Mal-Estar na Civilização [1930a], em nota de rodapé, mencionei, embora apenas de passagem, uma conjetura que se poderia formular, com base em material psicanalítico, a respeito da fundamental aquisição humana do controle sobre o fogo. Sou levado a mais uma vez retomar o tema em virtude da contestação feita por Albrecht Schaeffer (1930) e da surpreendente referência de Erlenmeyer, no artigo precedente, à lei mongol contra ‘mijar nas cinzas’.
Pois eu penso que a minha hipótese – de que, com a finalidade de conseguir controle sobre o fogo, os homens tiveram de renunciar ao desejo, mesclado de homossexualismo, de apagá-lo com um jato de urina – pode ser confirmada mediante uma interpretação do mito grego de Prometeu, contanto que tenhamos em mente as distorções que se deve esperar ocorram na transição dos fatos ao conteúdo de um mito. Essas distorções são da mesma espécie, e não piores, que aquelas que reconhecemos diariamente, quando reconstruímos a partir dos sonhos dos pacientes as experiências de sua infância reprimidas, porém extremamente importantes. Os mecanismos utilizados nas distorções a que me refiro são a representação simbólica e a transformação no oposto. – p. 183;
_ A transformação no oposto está mais radicalmente representada num terceiro aspecto da lenda, na punição do Portador do Fogo. Prometeu foi acorrentado a um rochedo, e todos os dias um abutre vinha comer-lhe uma parte do fígado. Também nas lendas referentes ao fogo, em outros povos, entra em cena um pássaro, que deve ter algo a ver com o assunto; mas, por enquanto, não tentarei uma interpretação. Por outro lado, sentimo-nos em chão firme quando se trata de explicar por que o fígado foi escolhido como o local do castigo. Em épocas primitivas, o fígado era considerado a sede de todas as paixões e desejos; daí, uma punição como a de Prometeu ter sido a correta para um criminoso que se deixara arrastar pelo instinto, que havia cometido uma ofensa sob a instigação de maus desejos. – p. 185;
_ O órgão sexual masculino tem duas funções; e existem pessoas para as quais essa duplicidade constitui motivo de desagrado. Serve para o esvaziamento da bexiga e realiza o ato de amor que satisfaz o desejo da libido genital. A criança ainda acredita que pode unir as duas funções. Segundo uma teoria infantil, as crianças são feitas quando o homem urina dentro do corpo da mulher. Entretanto, o adulto sabe que, na realidade, esses atos são mutuamente inconciliáveis – como são incompatíveis o fogo e a água. Quando o pênis se encontra no estado de excitação, que o levou a ser comparado a um pássaro, e enquanto estão sendo experimentadas sensações que sugerem o calor do fogo, a micção é impossível; e, ao contrário, quando o órgão está servindo para eliminar urina (a água do corpo), toda as suas conexões com a função genital parecem ter-se extinguido. A antítese entre as duas funções poderia levar-nos a dizer que o homem apaga o seu próprio fogo com sua própria água. E o homem primitivo, que tinha de compreender o mundo externo com ajuda de suas próprias sensações e estados corporais, certamente não teria deixado de perceber e utilizar as analogias que lhe foram mostradas mediante o comportamento do fogo. – p. 188;
Por que a guerra? (1933[1932])
_ correspondência trocada entre Freud e Einstein. – p. 193/208;
_ De acordo com nossa hipótese, os instintos humanos são de apenas dois tipos: aqueles que tendem a preservar e a unir – que denominamos ‘eróticos’, exatamente no mesmo sentido em que Platão usa a palavra ‘Eros’ em seu Symposium, ou ‘sexuais’, com uma deliberada ampliação da concepção popular de ‘sexualidade’ -; e aqueles que tendem a destruir e matar, os quais agrupamos como instinto agressivo ou destrutivo. Como o senhor vê, isto não é senão uma formulação teórica da universalmente conhecida oposição entre amor e ódio, que talvez possa ter alguma relação básica com a polaridade entre atração e repulsão, que desempenha um papel na sua área de conhecimentos. Entretanto, não devemos ser demasiado apressados em introduzir juízos éticos de bem e de mal. Nenhum desses dois instintos é menos essencial do que o outro; os fenômenos da vida surgem da ação confluente ou mutuamente contrária de ambos. – p. 202/203;
_ Nossa teoria mitológica dos instintos facilita-nos encontrar a fórmula para métodos indiretos de combater a guerra. Se o desejo de aderir à guerra é um efeito do instinto destrutivo, a recomendação mais evidente será contrapor-lhe o seu antagonista, Eros. Tudo o que favorece o estreitamento dos vínculos emocionais entre os homens deve atuar contra a guerra. Esses vínculos podem ser de dois tipos. Em primeiro lugar, podem ser relações semelhantes àquelas relativas a um objeto amado, embora não tenham uma finalidade sexual. A psicanálise não tem motivo porque se envergonhar se nesse ponto fala de amor, pois a própria religião emprega as mesmas palavras: ‘Ama a teu próximo como a ti mesmo.’ Isto, todavia, é mais facilmente dito do que praticado. O segundo vínculo emocional é o que utiliza a identificação. Tudo o que leva os homens a compartilhar de interesses importantes produz essa comunhão de sentimento, essas identificações. E a estrutura da sociedade humana se baseia nelas, em grande escala. – p. 205;
Meu contato com Josef Popper-Lynkeus (1932)
_ Devo pedir desculpas se até aqui falei tanto a respeito de mim mesmo e de meu trabalho relativo aos problemas do sonho; mas isto foi um preliminar necessário para o que vem a seguir. Minha explicação da distorção onírica parecia-me nova: em parte alguma eu encontrara qualquer coisa parecida. Anos depois (já não consigo lembrar quando), encontrei o livro de Josef Popper-Lynkeus Phantasien eines Realisten. Uma das histórias deste livro tinha como título ‘Träumen wie Wachen’ [‘Sonhar Acordado’], e não podia deixar de suscitar meu mais profundo interesse. Havia nele a descrição de um homem que podia gabar-se de jamais ter sonhado qualquer coisa absurda. Seus sonhos podiam ser fantásticos, como contos de fadas, mas não eram tão desprovidos de concordância com o mundo desperto, que fosse possível dizer terminantemente que ‘eram impossíveis ou absurdos em si mesmos’. Traduzindo para a minha forma de expressar, isto significa que, no caso desse homem, não ocorria distorção onírica; o motivo apresentado para a ausência desta explicava ao mesmo tempo o motivo de sua ocorrência. Popper deu ao homem uma compreensão interna (insight) completa dos motivos de sua peculiaridade. Fê-lo dizer: ‘A ordem e a harmonia reinam tanto em meus pensamentos como em meus sentimentos, e esses dois não lutam entre si… Eu sou um só e indiviso. Outras pessoas estão divididas e suas duas partes – vigília e sonho – estão quase permanentemente em guerra uma com a outra.’ E ainda, quanto à interpretação dos sonhos: ‘Certamente que essa não é uma fácil tarefa; mas com um pouco de atenção por parte daquele que sonha, deve sem dúvida alcançar êxito. – Você pergunta por que é que na sua maioria não alcança êxito? Em outros como você, sempre parece haver algo que jaz oculto em seus sonhos, algo de impuro num sentido especial e mais elevado, uma certa qualidade secreta em seu ser que é difícil de acompanhar. E eis por que seus sonhos, tão amiúde, parecem estar destituídos de significado ou mesmo ser absurdos. Mas no sentido mais profundo não é isso de modo algum o que ocorre; realmente, não pode ser assim absolutamente – pois é sempre o mesmo homem, quer esteja acordado, quer sonhando.’ – p. 216;
_ Onde não houvesse um conflito desse tipo e não fosse necessária a repressão, os sonhos não poderiam ser estranhos nem absurdos. O homem que sonhasse de modo não diverso do modo como pensa quando acordado, teria garantido para si, segundo Popper, a própria condição de harmonia interna que, na qualidade de reformador social, almejava na formação do corpo político. E se a ciência nos informa que um homem assim, inteiramente isento de maldade e falsidade, isento de repressões, não existe e não poderia sobreviver, podemos, não obstante, suspeitar que, na medida em que é possível uma aproximação a semelhante ideal, este encontrou sua concretização na pessoa do mesmo Popper. – p. 217;
Sándor Ferenczi (1933)
_ comentários póstumos à vida e obra de Ferenczi. – p. 223/225;
As sutilezas de um ato falho (1935)
Um distúrbio de memória na Acrópole (1936)
_ Geralmente as pessoas adoecem de frustração, da não-realização de alguma necessidade vital ou de um desejo. A estas pessoas, contudo, sucede o contrário; adoecem, ou, até mesmo, ficam aniquiladas, porque um desejo seu, excepcionalmente intenso, realizou-se. O contraste entre as duas situações não é tão grande como parece à primeira vista. O que acontece no caso paradoxal é simplesmente que o lugar da frustração externa é assumido por uma frustração interna. O sofredor não se permite a felicidade: a frustração interna ordena-lhe que se aferre à frustração externa. Mas por quê? Porque – esta é a resposta, em muitos casos – a pessoa não pode esperar que o Destino lhe proporcione algo tão bom. De fato, é outro exemplo de ‘bom demais para ser verdade’, é a expressão de um pessimismo do qual uma grande parte parece estar presente em muitos dentre nós. Em um outro grupo de casos, como naqueles que se arruinam com o êxito, encontramos um sentimento de culpa ou de inferioridade que pode ser traduzido assim: ‘Não mereço tanta felicidade, não mereço.’ Mas esses dois motivos são, em essência, o mesmo, por ser um apenas uma projeção do outro. Conforme há muito já se sabe, o Destino, que esperamos nos trate tão mal, é materialização de nossa consciência, do severo superego que há dentro de nós, sendo ele próprio um remanescente da instância primitiva de nossa infância. – p. 240;
_ considerações sobre o fenômeno ‘deja vu’. – p. 242/243;
_ Nesse ponto, porém, deparamos com a solução do pequeno problema da causa pela qual, já em Trieste, interferíamos em nosso regozijo pela viagem a Atenas. Pode ser que um sentimento de culpa estivesse vinculado à satisfação de havermos realizado tanto: havia nessa conexão algo de errado, que desde os primeiros tempos tinha sido proibido. Era alguma coisa relacionada com as críticas da criança ao pai, com a desvalorização que tomou o lugar da supervalorização do início da infância. Parece como se a essência do êxito consistisse em ter realizado mais do que o pai realizou, e como se ainda fosse proibido ultrapassar o pai.
Como acréscimo a esse motivo, cuja validade é geral, estava presente um fator especial, em nosso caso particular. O próprio tema referente a Atenas e à Acrópole continha provas da superioridade do filho. Nosso pai se dedicara ao comércio, não tinha tido instrução secundária, e Atenas podia não ter significado muito para ele. Assim, o que interferia em nossa satisfação de viajar a Atenas era um sentimento de respeito filial. E agora o senhor não mais haverá de se admirar de que a lembrança desse incidente na Acrópole me tenha perturbado tantas vezes, depois que envelheci, agora que tenho de ter paciência e não posso mais viajar. – p. 245;
Breves escritos (1931-1936)
Carta a Georg Fuchs (1931)
Prefácio ao Dicionário de Psicanálise, de Richard Sterba (1936[1932])
Prefácio a A Vida e as Obras de Edgar Allan Poe: Uma Interpretação Psicanalítica, de Marie Bonaparte (1933)
A Thomas Mann, no seu Sexagésimo Aniversário (1935) 

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