Raquel era uma coruja
esperta que como todas as corujas adorava a vida noturna. Era livre e costumava
gabar-se de nunca se ter deixado apaixonar.
_ Paixão é coisa para
os tolos, dizia.
_ Amar só se eu ficar
louca, disparava em gargalhadas.
Em uma noite quente
de verão, como outra qualquer sem nada diferente ou especial, Raquel foi a uma
festa na mata vizinha, foram muitas aves noturnas, todas já conhecidas da coruja
e sabedoras da fama de coração duro que ela tinha.
No meio do caminho,
entretanto, pararam para uma prosa e foi aí que puderam ouvir um doce e suave
canto que vinha da escuridão. Raquel jamais ouvira tão bela música e se
emocionou com aquela melodia de tal forma que se sentia mexida, encantada por
aquele som.
Quis saber de onde
vinha, o porquê de todas as emoções que o canto lhe causava. As outras aves insistiram
com Raquel a respeito da hora de partir, mas, a coruja, àquela altura pouco se
importava com qualquer festa ou diversão, queria mesmo era encontrar aquele canto
que como encanto encheu sua alma de luz, embora ela estivesse na mais absoluta escuridão.
E foi ao seu encontro
de forma apressada, ansiosa, com medo da luz de sua alma se apagar. O canto ia
se tornando cada vez mais próximo e Raquel pode ver ao longe, em cima de um
arbusto de amoras, um pequeno rouxinol de calda vermelha que cantava para a escuridão
em doces e suaves poesias, pretendendo esquecer sua solidão.
Raquel,
descuidadamente, deixou-se apaixonar pelo canto do rouxinol de calda vermelha.
Lembrou-se de suas palavras quanto aos tolos apaixonados e teve vergonha de
seus sentimentos. Deu-se conta do estigma de feiura das corujas e aí teve medo.
Um medo jamais experimentado dantes, medo de ser rejeitada, ridicularizada até.
_ O que diriam as
outras aves de uma coruja feia se apaixonar por um lindo rouxinol? Ou pior, e
essa ideia lhe era insuportável, aquele rouxinol rir dela e de seus
sentimentos.
Recordou de quando
falava que o amor somente lhe caberia quando estivesse insana. Indagou a si
mesma se tudo não passava de um delírio, mas ao ouvi-lo novamente convenceu-se
de que era amor.
Quis aproximar-se,
recuou diante de sua covardia, pensou no que tinha a oferecer, teve consciência
de sua insignificância. Não tinha atrativos físicos, muito menos um belo canto.
Revoltou-se com sua própria condição, amaldiçoou o céu por tê–la feito coruja.
E todas as noites
daquele verão vinha de mansinho, escondia-se entres os galhos de uma árvore
qualquer e ficava horas ouvindo aquele lindo canto que lhe trazia paz, mas
também era o causador de sua insônia. Os sentimentos se misturam assim para
Raquel ora como luz, ora como trevas, era doce e ao mesmo tempo amargo, sofria,
mas seus olhos grandes davam uma festa todas as vezes que ele chegava, seu
coração se alegrava só de pensar que à noite iria poder ver e ouvir seu amado.
E foram várias noites
em que a coruja silente amava sozinha aquele rouxinol. Nunca se fez perceber,
jamais ousou encará-lo, não teve coragem de enfrentar seus medos e confiava que
o tempo fosse lhe dar as respostas de que tanto precisava.
O que Raquel não
sabia é que os rouxinóis, da mesma forma que chegam se vão, porque aves
migratórias não se deixam aprisionar por lugar nenhum e, por isso, ele se foi
sem dizer adeus. A ave não podia acreditar na partida de seu rouxinol que,
embora nem desconfiasse, era a razão de sua existência.
Percebeu que até
então não tinha vivido, apenas existido e que o amor, que iluminou à sua alma,
é que ascende os corações, nos faz melhor e nos torna capaz de aceitar a ambiguidade
dos seres, porque somos muitos quando amamos e não somos nada, além de fragmentos
de existência, quando incapazes de amar.
Raquel compreendeu,
em sua solidão, o quão tolos são os mudos apaixonados, quão insanos são os silentes
amantes que confiam no tempo e esquecem que esse mesmo tempo tripudia daqueles
que não têm a coragem de enfrentar suas próprias vozes e medos.
E até o último dia de
sua vida Raquel, por se ter calado, teve que ouvir, nas noites escuras, não
mais o lindo canto do seu amado rouxinol, mas o sussurro da solidão e o grito
de dor da sua saudade chamando por ele.
Diz a lenda que nas
noites de lua minguante, quando a escuridão vira dona do firmamento, todos os
que amam em segredo, se ficarem em
profundo silêncio, serão capazes de ouvir o lamento de Raquel que ecoa em um
choro triste, por não poder voltar o tempo e dizer ao seu rouxinol tudo aquilo
que ficou preso em sua garganta muda.
CRISTIANE CARACAS
09/05/2014
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