sábado, 15 de novembro de 2014

Da Religiosidade à Espiritualidade: um caminho percorrido - Parte VII - Partilhando a experiência


Alguns anos atrás, tive a oportunidade de viver uma das experiências mais fortes no meu caminho de conscientização, e que assinalou o início de um novo ciclo da minha existência.
Nasci e cresci sem uma ligação maior com a religião, porém, educada dentro de certos princípios religiosos. A despeito disso, meu cotidiano era pontuado de uma grande inquietude, um vazio de tal magnitude que eu não conseguia explicar.
Mesmo possuindo tudo aquilo que me parecia essencial para ter uma vida relativamente feliz – família, segurança material, lazer, relacionamentos interpessoais significativos – a vida parecia não fazer muito sentido e eu estava sempre buscando algo maior, mais consistente, capaz de preencher aquele enorme vazio. Tinha dificuldade em compreender isso, talvez, por viver um período em que, hoje reconheço, me encontrava quase inteiramente voltada para as questões imediatas da sobrevivência e do lazer.
Um dia, absorta em minhas inquietações, percebi que uma “voz interna” soava, enunciando coisas inefáveis, que nem mesmo sei expressar. Fazia-me lembrar da minha origem divina, do meu propósito maior, do meu infinito valor, de um plano de amor para me ajudar a realizar, a desfrutar e compartilhar o melhor em mim. Enunciava algo assim: “a vida conforme planejei para ti é valiosa demais para você sair perdendo nela. Há coisa demais para você ser, ter, desfrutar, fazer... Abandonar sua esperança, é pecar, é desistir, é morrer”.
Foi uma experiência súbita, única, que se manifestou com todo seu esplendor, impactando minha vida e operando mudanças significativas na minha forma de pensar e perceber o mundo. Para além da compreensão da vida, essa experiência trouxe consigo um indescritível estado de contentamento e meu coração foi inundado por uma enorme sensação de paz, amor e alegria. Parecia ter encontrado o segredo da felicidade.
Fui envolvida por uma grande luz que resplandeceu ocupando todos os espaços do meu ser, clarificando o entendimento do que a minha alma ansiava. Minha visão se ampliou, trazendo-me, também, uma firme certeza de que não há limites nem barreiras que não possamos transpor. Percebi que se tratava de um chamado – uma porta que se abria diante de mim com um novo caminho a trilhar.
A partir de então, passei a compreender melhor quem realmente sou e a obter respostas para perguntas tais como: “qual é o significado da vida?”, “Por que estou aqui?”, “Tenho alguma missão neste planeta?”. Foi como se despertasse uma parte importante do meu ser que estava adormecida, acomodada em regiões profundas do inconsciente. Acessar essa faceta da minha realidade interior significou uma identificação com a minha verdadeira origem, com a natureza do divino que existe não apenas em mim, mas em todos os seres humanos, e que Jesus ressalta quando afirma: “Vós sois Deuses” (JOÃO 10,34).
Allan Watts, citado por La Sala (2002), falando da “experiência interna do divino”, revela que ela produz alargamento da visão da realidade que nos permite ver todas as coisas “tais como elas realmente são, inseridas numa realidade universal, onde reina total harmonia, justiça e amor”. É um estado de consciência indescritível, diz Watts, permeado de beatitude, não estática, mas dinâmica, que nos faz finalmente vivos e criativos. É o início da verdadeira vida.
Esta experiência foi, para mim, a essência de toda a religião, emergindo da minha própria essência – da dimensão divina do meu ser. A partir desse momento, não me parecia mais coerente subordinar minha busca, o meu crescimento, aos lugares tradicionalmente destinados à espiritualidade, como a igreja e a religião. Minha ideia de espiritualidade evoluía para um processo de tomada de consciência da minha própria divindade – expressão natural da alma humana para a transcendência, capaz de reconhecer o divino em todas as formas de vida.
De repente, a questão fundamental já não era ter uma religião, mas compreender e amadurecer a minha espiritualidade, porque ela caracterizava a minha intimidade com Deus e me permitia encontrar uma comunhão diferente comigo mesma e com tudo o mais. Contemplar a singularidade dessa experiência me fez ver e sentir a vida como um dom. Orava com alegria até que a visão espiritual se abria; mas não entendia, ainda, o significado maior dessa experiência. Junto com esse despertar espiritual veio um imenso desejo de compreender e decodificar essa experiência – estudar, procurar, conhecer, perscrutar: quem é Deus, qual é a sua visão e qual o seu propósito?
Buscando atender a esse anseio, adotei uma religião, busquei uma Igreja e nela me consagrei, acreditando que ali poderia ter um conhecimento melhor de Deus. Minha prática, assim como a de todos os outros fiéis, consistia em cultuar o invisível de forma aparente e exterior, oferecendo-lhe ofertas e sacrifícios, costumes e regras – obras mortas, hoje reconheço, sem nenhum teor. Dessa forma, pensava estar agradando a Deus; clamava e rogava a meu favor, desviando o foco do trabalho que deveria ser feito no meu interior.
Num rasgo de lucidez, comecei a me dar conta que a religião, ao invés de me libertar, estava me aprisionando. Tudo isso me pesava, porque não nutria minha alma sedenta de justiça, paz e amor. Eu continuava sem o amadurecimento interior, tão almejado durante toda minha vida.
Durante a permanência na religião, entrava em confusão com o Deus que me apresentavam. Para alguns, um Deus de amor, para outros, um Deus vingador, que pune, subjuga e exclui, ou seja, um Deus criado à semelhança do homem, ao invés de homens criados à semelhança de Deus. 
Desapontada, divorciei-me da religião e, determinadamente, mergulhei na reflexão, oração – no exame interior. Sonhos, insights e revelações emergiam e eu a tudo isso enxergava com uma visão elevada, sem nenhum temor.
No ímpeto de aprender, sujeitava-me ao processo da disciplina. Tornei-me uma aluna aplicada, que aprendia com humildade e paciência as lições que – imaginava – eram para a minha edificação e aperfeiçoamento. Nessa fé, a luz resplandecia e eu compreendia que tudo dependia de uma postura mental íntima, do trabalho interior constante, aparando arestas, burilando o espírito.
Fui buscando, porfiando, pedindo, pelejando e perseverando, com a força de vontade de quem deseja encontrar a verdade de quem sou. Assim, minha experiência foi se revelando um contexto privilegiado para o desenvolvimento do meu autoconhecimento, produzindo mudanças desejadas no meu comportamento, levando-me a encontrar recursos que me permitiram alargar os limites do mundo estreito e limitado em que vivia. Hoje acredito ter descoberto grande parte de mim mesma e, por consequência, o verdadeiro valor de cada ser humano. Nesse percurso, abri minhas portas, meu coração e meus ouvidos aos outros; o divino em mim compartilha seu modo de vida com outras pessoas; eu aprendo quando decido ensinar, ganho por meio do dar, colho no ato de plantar e recebo quando quero ofertar. Fui erguida para erguer os outros.
Tempos depois, através de um sonho, fui informada de que seria agraciada por uma ciência da psicologia. Logo depois, de forma surpreendente, surgiu na minha vida a psicologia transpessoal. Com ela tive a oportunidade de compreender que a busca espiritual e científica são caminhos complementares, e não antagônicos, rumo à realidade – as duas podem andar “de mãos dadas”. Então, aquele forte sentimento de religiosidade pôde, finalmente, comungar-se com a razão, integrando mente e coração, promovendo a fusão, desenvolvendo a inteireza do meu ser, conectando-me com a totalidade da qual sou parte.
Jeruzia Costa de Medeiros
*Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título de Especialista em Psicologia Transpessoal. 

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