Alguns anos atrás, tive a oportunidade de viver
uma das experiências mais fortes no meu caminho de conscientização, e que
assinalou o início de um novo ciclo da minha existência.
Nasci e cresci sem uma ligação maior com a religião,
porém, educada dentro de certos princípios religiosos. A despeito disso, meu
cotidiano era pontuado de uma grande inquietude, um
vazio de tal magnitude que eu não conseguia explicar.
Mesmo possuindo tudo aquilo que me
parecia essencial para ter uma vida relativamente feliz – família, segurança
material, lazer, relacionamentos interpessoais significativos – a vida parecia
não fazer muito sentido e eu estava sempre buscando algo maior, mais
consistente, capaz de preencher aquele enorme vazio. Tinha dificuldade em
compreender isso, talvez, por viver um período em que, hoje reconheço, me
encontrava quase inteiramente voltada para as questões imediatas da
sobrevivência e do lazer.
Um dia, absorta em minhas inquietações, percebi
que uma “voz interna” soava, enunciando coisas inefáveis,
que nem mesmo sei expressar. Fazia-me lembrar da minha origem divina, do meu
propósito maior, do meu infinito valor, de um plano de amor para me ajudar a
realizar, a desfrutar e compartilhar o melhor em mim. Enunciava algo assim: “a
vida conforme planejei para ti é valiosa demais para você sair perdendo nela. Há
coisa demais para você ser, ter, desfrutar, fazer... Abandonar sua esperança, é
pecar, é desistir, é morrer”.
Foi uma experiência súbita, única, que se manifestou
com todo seu esplendor, impactando minha vida e operando mudanças
significativas na minha forma de pensar e perceber o mundo. Para além da
compreensão da vida, essa experiência trouxe consigo um indescritível estado de
contentamento e meu coração foi inundado por uma enorme sensação de paz, amor e
alegria. Parecia ter encontrado o segredo da felicidade.
Fui envolvida por uma grande luz que resplandeceu
ocupando todos os espaços do meu ser, clarificando o entendimento do que a
minha alma ansiava. Minha visão se ampliou, trazendo-me, também, uma firme
certeza de que não há limites nem barreiras que não possamos transpor. Percebi
que se tratava de um chamado – uma porta que se abria diante de mim com um novo
caminho a trilhar.
A partir de então, passei a compreender melhor
quem realmente sou e a obter respostas para perguntas tais como: “qual é o
significado da vida?”, “Por que estou aqui?”, “Tenho alguma missão neste
planeta?”. Foi como se despertasse uma parte importante do meu ser que estava adormecida,
acomodada em regiões profundas do inconsciente. Acessar essa faceta da minha
realidade interior significou uma identificação com a minha verdadeira origem,
com a natureza do divino que existe não apenas em mim, mas em todos os seres
humanos, e que Jesus ressalta quando afirma: “Vós sois Deuses” (JOÃO 10,34).
Allan Watts, citado por La Sala (2002), falando
da “experiência interna do divino”, revela que ela produz alargamento da visão
da realidade que nos permite ver todas as coisas “tais como elas realmente são,
inseridas numa realidade universal, onde reina total harmonia, justiça e amor”.
É um estado de consciência indescritível, diz Watts, permeado de beatitude, não
estática, mas dinâmica, que nos faz finalmente vivos e criativos. É o início da
verdadeira vida.
Esta experiência foi, para mim, a essência de
toda a religião, emergindo da minha própria essência – da dimensão divina do
meu ser. A partir desse momento, não me parecia mais coerente subordinar minha
busca, o meu crescimento, aos lugares tradicionalmente destinados à
espiritualidade, como a igreja e a religião. Minha ideia de espiritualidade evoluía para um processo de tomada de consciência da minha própria
divindade – expressão natural da alma humana para a transcendência, capaz de
reconhecer o divino em todas as formas de vida.
De repente, a questão fundamental já não era
ter uma religião, mas compreender e amadurecer a minha espiritualidade, porque
ela caracterizava a minha intimidade com Deus e me permitia encontrar uma
comunhão diferente comigo mesma e com tudo o mais. Contemplar a singularidade dessa
experiência me fez ver e sentir a vida como um dom. Orava com alegria até que a
visão espiritual se abria; mas não entendia, ainda, o significado maior dessa
experiência. Junto com esse despertar espiritual veio um imenso desejo de
compreender e decodificar essa experiência – estudar, procurar, conhecer,
perscrutar: quem é Deus, qual é a sua visão e qual o seu propósito?
Buscando atender a esse anseio, adotei uma
religião, busquei uma Igreja e nela me consagrei,
acreditando que ali poderia ter um conhecimento melhor de Deus. Minha prática,
assim como a de todos os outros fiéis, consistia em cultuar o invisível
de forma aparente e exterior, oferecendo-lhe ofertas e sacrifícios, costumes e
regras – obras mortas, hoje reconheço, sem nenhum teor. Dessa forma, pensava
estar agradando a Deus; clamava e rogava a meu favor, desviando o foco do
trabalho que deveria ser feito no meu interior.
Num rasgo de lucidez, comecei a me dar conta
que a religião, ao invés de me libertar, estava me aprisionando. Tudo isso me
pesava, porque não nutria minha alma sedenta de justiça, paz e amor. Eu
continuava sem o amadurecimento interior, tão almejado durante toda minha vida.
Durante a permanência na religião, entrava em
confusão com o Deus que me apresentavam. Para alguns, um Deus de amor, para outros,
um Deus vingador, que pune, subjuga e exclui, ou seja, um Deus criado à
semelhança do homem, ao invés de homens criados à semelhança de Deus.
Desapontada, divorciei-me da religião e,
determinadamente, mergulhei na reflexão, oração – no exame interior. Sonhos, insights e revelações emergiam e eu a
tudo isso enxergava com uma visão elevada, sem nenhum temor.
No ímpeto de aprender, sujeitava-me ao processo
da disciplina. Tornei-me uma aluna aplicada, que aprendia com humildade e
paciência as lições que – imaginava – eram para a minha edificação e
aperfeiçoamento. Nessa fé, a luz resplandecia e eu compreendia que tudo
dependia de uma postura mental íntima, do trabalho interior constante, aparando
arestas, burilando o espírito.
Fui buscando, porfiando, pedindo, pelejando e
perseverando, com a força de vontade de quem deseja encontrar a verdade de quem
sou. Assim, minha experiência foi se revelando um contexto privilegiado para o
desenvolvimento do meu autoconhecimento, produzindo mudanças desejadas no meu
comportamento, levando-me a encontrar recursos que me permitiram alargar os
limites do mundo estreito e limitado em que vivia. Hoje acredito ter descoberto
grande parte de mim mesma e, por consequência, o verdadeiro valor de cada ser
humano. Nesse percurso, abri minhas portas, meu coração e meus ouvidos aos
outros; o divino em mim compartilha seu modo de vida com outras pessoas; eu
aprendo quando decido ensinar, ganho por meio do dar, colho no ato de plantar e
recebo quando quero ofertar. Fui erguida para erguer os outros.
Tempos depois, através de um sonho, fui
informada de que seria agraciada por uma ciência da psicologia. Logo depois, de
forma surpreendente, surgiu na minha vida a psicologia transpessoal. Com ela tive
a oportunidade de compreender que a busca espiritual e científica são caminhos
complementares, e não antagônicos, rumo à realidade – as duas podem andar “de
mãos dadas”. Então, aquele forte sentimento de religiosidade pôde, finalmente,
comungar-se com a razão, integrando mente e coração, promovendo a fusão,
desenvolvendo a inteireza do meu ser, conectando-me com a totalidade da qual sou
parte.
Jeruzia Costa de Medeiros
*Artigo científico apresentado ao Curso de Pós-graduação (Lato
Senso) em Psicologia Transpessoal da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro em
parceria com o Instituto Celta, como requisito parcial para obtenção do Título
de Especialista em Psicologia Transpessoal.
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