Cecília era o nome de uma lagarta feia, desajeitada e desbotada que morava em um jardim florido de uma casa lá do alto da serra.
Ainda que não admitisse a si
mesma, Cecília não se achava parte daquele jardim. É que tudo ali parecia ser
tão perfeito, bonito, colorido e Cecília era aquilo: Um tanto “sem graça”, como
diziam as outras lagartas.
A dona do jardim cuidava de
suas rosas, antúrios, margaridas e copos de leite com tanta dedicação que
emocionava Cecília.
Embora não fosse flores,
Cecília se sentia cuidada como elas e isso lhe fazia bem.
Ter importância para alguém
e ser única era a grande magia que unia Cecília, o jardim, e a dona.
Certo dia, em uma manhã
ensolarada, como de costume, a dona do jardim regava e podava suas plantas,
trazendo consigo aquele carinho e dedicação já conhecidos das flores.
Cecília aproximou-se de um
cravo amarelo, elegante, que tinha um certo ar arrogante,o qual vinha, talvez,
do alto de sua beleza.
- Muito bonito o carinho que
ela tem por nós, não acha?
-Por nós? Debochou o cravo.
Por nós flores você quer dizer. Você não passa de uma lagarta nojenta,
certamente ela não tem carinho nenhum por você!
Pela primeira vez Cecília se
deu conta de como era vista naquele jardim: Uma lagarta nojenta. Saiu, se foi...
Poucos dias depois houve um
reboliço no jardim, alguém deu a notícia de que a dona do jardim havia
falecido.
Quanta tristeza entre as
rosas, antúrios e margaridas. Quem iria cativá-los e cuidá-los agora?
Cecília não se conteve de
dor e a sua dor era só dela, pessoal, intransferível, misturava-se nas
entranhas de forma tão intensa, profunda e íntima, que, embora dor, Cecília não
queria de forma nenhuma dividi-la com ninguém. E foi aí que a tal dor pessoal
foi capaz de transformar Cecília em uma borboleta linda, colorida e brilhante.
É que certos sofrimentos são
capazes de causar metamorfoses interiores tão intensas a ponto de o ser não mais
se reconhecer no que era, mas só se enxergar naquilo que se transformou em razão
da sua dor.
Por ironia do destino foram
colhidas as últimas flores daquele jardim e os cravos foram os escolhidos para
compor a coroa fúnebre de flores.
Pobre cravo, pensou Cecília,
não sabia que o tempo, e somente ele, é capaz de tirar a importância das repostas
e revelar a magnitude das perguntas.
É que agora, linda,
compreendeu que mesmo invisível aos olhos sua ligação com o jardim sempre
esteve ali dentro dela, e isso é que a fazia se sentir parte do todo.
O cravo, que se achava tão importante,
serviu à dona no seu momento mais triste, ou talvez não...Pensou de novo
Cecília no tempo, quem sabe não seja esse o desabrochar de um novo jardim? Com
novas flores, lagartas, borboletas e desafios. Cumpre a nós esperar pelo tempo
das coisas e entender que só termina quando saram as feridas e nos sentimos
capazes de recomeçar.
Fortaleza/CE, 10/1/2014.
Cristiane Caracas
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