Resumo
do Livro XIII – Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914)
Nota do editor inglês
_ no seu Prefácio, Freud conta
que seu primeiro estímulo para escrever estes ensaios veio das obras de Wundt e
Jung. Na realidade, seu interesse pela antropologia social vinha de muito tempo
antes. Na correspondência com Fliess (1950a), além de alusões gerais ao gosto
sempre presente pelo estudo da arqueologia e da pré-história, há um certo
número de referências específicas a temas antropológicos e à luz que a
psicanálise lança sobre eles – p. 14;
_ imortalidade, castigo, vida
após a morte, todos constituem reflexos de nossa própria psique mais profunda
(…) psicomitologia – p. 14;
Prefácio à primeira edição
Prefácio à tradução hebraica
Totem e Tabu
I – O horror ao incesto
_ há homens vivendo em nossa
época que, acreditamos, estão muito próximos do homem primitivo, muito mais do
que nós, e a quem, portanto, consideramos como seus herdeiros e representantes
diretos. Esse é o nosso ponto de vista a respeito daqueles que descrevemos como
selvagens ou semi-selvagens; e sua vida mental deve apresentar um interesse
peculiar para nós, se estamos certos quando vemos nela um retrato bem
conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento. Se essa
suposição for correta, uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos,
como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi
revelada pela psicanálise, está destinada a mostrar numerosos pontos de
concordância e lançará nova luz sobre fatos familiares às duas ciências – p. 21;
_ entre os australianos, o
lugar das instituições religiosas e sociais que eles não têm é ocupado pelo
sistema do ‘totemismo’. As tribos australianas subdividem-se em grupos menores,
ou clãs, cada um dos quais é denominado segundo o seu totem. O que é um totem? Via de regra é um
animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno
natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã.
Em primeiro lugar, o totem é o antepassado comum do clã; ao mesmo tempo, é o
seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos, e embora perigoso
para os outros, reconhece e poupa os seus próprios filhos. Em compensação, os
integrantes do clã estão na obrigação sagrada (sujeita a sanções automáticas)
de não matar nem destruir seu totem e evitar comer sua carne (ou tirar proveito
dele de outras maneiras). O caráter totêmico é inerente, não apenas a algum
animal ou entidade individual, mas a todos os indivíduos de uma determinada
classe. De tempos em tempos, celebram-se festivais em que os integrantes do clã
representam ou imitam os movimentos e atributos de seu totem em danças
cerimoniais – p. 22;
_ e chegamos agora, por fim, à
característica do sistema totêmico que atraiu o interesse dos psicanalistas. Em
quase todos os lugares em que encontramos totens, encontramos também uma lei contra as relações sexuais entre
pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra o seu casamento. Trata-se então da
‘exogamia’, uma instituição relacionada com o totemismo – p. 23;
_ um pouco mais de reflexão,
porém, demonstrará que a exogamia vinculada ao totem realiza mais (e, assim, visa a mais) do que a
prevenção do incesto com a própria mãe e irmãs. Torna impossível ao homem as
relações sexuais com todas as mulheres de seu próprio clã (ou seja, com um
certo número de mulheres que não são suas parentas consangüíneas), tratando-as
como se fossem
parentes pelo sangue – p. 25;
_ a exogamia totêmica, ou
seja, a proibição de relações sexuais entre os membros do mesmo clã, parece ter
constituído o meio apropriado para impedir o incesto grupal; dessa maneira,
estabeleceu-se e persistiu muito tempo após a sua raison d’être haver cessado – p. 27;
_ a psicanálise nos ensinou
que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e
que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira
pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração incestuosa. Um
neurótico, por outro lado, apresenta invariavelmente um certo grau de
infantilismo psíquico; ou falhou em libertar-se das condições psicossexuais que
predominavam em sua infância ou a elas retornou; duas possibilidades que podem
ser resumidas como inibição e regressão no desenvolvimento. Assim, as fixações
incestuosas da libido continuam (ou novamente começam) a desempenhar o papel
principal em sua vida mental inconsciente. Chegamos ao ponto de considerar a
relação de uma criança com os pais, dominada como é por desejos incestuosos,
como o complexo nuclear das neuroses– p. 35/36;
_ somos levados a acreditar
que essa rejeição é, antes de tudo, um produto da aversão que os seres humanos
sentem pelos seus primitivos desejos incestuosos, hoje dominados pela
repressão. Por conseguinte, não é de pouca importância que possamos mostrar que
esses mesmos desejos incestuosos, que estão destinados mais tarde a se tornarem
inconscientes, sejam ainda encarados pelos povos selvagens como perigos
imediatos, contra os quais as mais severas medidas de defesa devem ser
aplicadas – p. 36;
II – Tabu e ambivalência emocional
_ ‘Tabu’ é um termo polinésio.
É difícil para nós encontrar uma tradução para ele, desde que não possuímos
mais o conceito que ele conota. O significado de ‘tabu’, como vemos, diverge em
dois sentidos contrários. Para nós significa, por um lado, ‘sagrado’,
‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, ‘impuro’. O
inverso de ‘tabu’ em polinésio é ‘noa’, que significa ‘comum’ ou
‘geralmente acessível’. Assim, ‘tabu’ traz em si um sentido de algo
inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. Nossa
acepção de ‘temor sagrado’ muitas vezes pode coincidir em significado com
‘tabu’. As restrições do tabu são distintas das proibições religiosas ou
morais. Não se baseiam em nenhuma ordem divina, mas pode-se dizer que se impõem
por sua própria conta. Diferem das proibições morais por não se enquadrarem em
nenhum sistema que declare de maneira bem geral que certas abstinências devem
ser observadas e apresente motivos para essa necessidade. As proibições dos
tabus não têm fundamento e são de origem desconhecida. Embora sejam
ininteligíveis para nós, para aqueles que por elas são dominados são aceitas
como coisa natural – p. 37;
_ o fato mais estranho parece
ser que qualquer um que tenha transgredido uma dessas proibições adquire, ele
mesmo, a característica de ser proibido – como se toda a carga perigosa tivesse
sido transferida para ele. Esse poder está ligado a todos os indivíduos especiais, como reis,
sacerdotes, ou recém-nascidos, a todos os estados excepcionais, como os estados físicos da
menstruação, puberdade ou nascimento, e a todas as coisas misteriosas, como a doença e
a morte o que está associado a elas através do seu poder de infecção ou
contágio – p. 40;
_ é uma lei geral da
mitologia, afirma ele, que uma fase que tenha passado, pelo próprio motivo de
ter sido superada e impelida para baixo por uma fase superior, perdura numa
forma inferior ao lado da posterior, de modo que os objetos de sua veneração se
transmudam em objetos de horror – p. 43/44;
_ quem quer que aborde o
problema do tabu pelo ângulo da psicanálise, isto é, da investigação da porção
inconsciente da mente do indivíduo, reconhecerá, após um momento de reflexão,
que esses fenômenos estão longe de lhe serem estranhos. Ele (Wundt) encontrou
pessoas que criaram para si mesmas proibições de tabus individuais dessa mesma
espécie e que obedecem a elas com tanto rigor quanto os selvagens obedecem aos
tabus comuns a sua tribo ou sociedade. Se já não estivesse habituado a
descrever essas pessoas como pacientes ‘obsessivos’, verificaria que a ‘doença
do tabu’ seria a expressão mais apropriada para a condição deles – p. 44;
_ como no caso do tabu, a
principal proibição, o núcleo da neurose, é contra o tocar e daí ser às vezes
conhecida como ‘fobia do contato’, ou ‘délire
du toucher‘. A proibição não se aplica meramente ao contato físico
imediato mas tem uma extensão tão ampla quanto o emprego metafórico da
expressão ‘entrar em contato com’. Qualquer coisa que dirija os pensamentos do
paciente para o objeto proibido, qualquer coisa que o coloque em contato
intelectual com ele, é tão proibida quanto o contato físico direto. Essa mesma
extensão também ocorre no caso do tabu – p. 45;
_ as proibições obsessivas
estão extremamente sujeitas ao deslocamento (transferência) – p. 45;
_ as proibições obsessivas
envolvem renúncias e restrições tão extensivas na vida dos que a elas estão
sujeitos como as proibições do tabu, mas algumas podem ser suspensas se certas
ações foram realizadas. A partir daí, essas ações devem se realizadas;
elas se tornam atos compulsivos ou obsessivos, não podendo haver dúvida de que
são da mesma natureza da expiação, da penitência, das medidas defensivas e da
purificação. O mais comum desses atos obsessivos é lavar-se com água (‘mania de
lavar-se’). Algumas proibições tabu podem ser substituídas da mesma maneira ou,
antes, sua violação pode ser reparada por uma ‘cerimônia’ semelhante, e mais
uma vez aqui a ilustração com água é o método preferido. Sintetizemos agora os
pontos em que a concordância entre as práticas do tabu e os sintomas obsessivos
é mais claramente mostrada: (1) o ato de faltar às proibições qualquer motivo
atribuível; (2) o fato de serem mantidas por uma necessidade interna; (3) o
fato de serem facilmente deslocáveis e de haver um risco de infecção
proveniente do proibido; e (4) o fato de criarem injunções para a realização de
atos cerimoniais – p. 46;
_ a proibição é ruidosamente
consciente, enquanto o desejo persistente de tocar é inconsciente e o sujeito
nada sabe a respeito dele. Se não fosse esse fator psicológico, uma
ambivalência como esta não poderia durar tanto tempo nem conduzir a tais
consequências – p. 47;
_ a inibição mútua das duas
forças conflitantes produz uma necessidade de descarga, a fim de reduzir a
tensão predominante, e a isto ser atribuída a razão para a realização de atos
obsessivos. No caso de uma neurose, estas são ações nitidamente de concessão,
de um ponto de vista são provas de remorso, tentativas de expiação e assim por
diante, enquanto, por outro lado, são ao mesmo tempo atos substitutivos
destinados a compensar o instinto pelo que foi proibido. Constitui uma lei da
doença neurótica que esses atos obsessivos se enquadrem cada vez mais no
domínio do instinto e aproximem-se mais e mais da atividade originalmente
proibida – p. 48;
_ as mais antigas e
importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totemismo:
não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã
totêmico do sexo oposto – p. 49;
_ resumirei agora os aspectos
da natureza do tabu que foram esclarecidos através da comparação deste com as
proibições obsessivas dos neuróticos. O tabu é uma proibição primeva
forçadamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios
mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de violá-lo
persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude
ambivalente quanto ao que o tabu proíbe. O poder mágico atribuído ao tabu
baseia-se na capacidade de provocar a tentação e atua como um contágio porque
os exemplos são contagiosos e porque o desejo proibido no inconsciente
desloca-se de uma coisa para outra. O fato de a violação de um tabu poder ser
expiada por uma renúncia mostra que esta renúncia se acha na base da obediência
ao tabu – p. 52;
_ o que desejamos descobrir
agora é qual o grau de valor que deve ser atribuído ao paralelo por nós
traçados entre o tabu e a neurose obsessiva e à visão do tabu em que nos
baseamos nesse paralelo – p. 52;
_ através do estudo analítico
de seus sintomas, e particularmente de atos obsessivos, medidas defensivas e
ordens obsessivas. Verificamos que eles apresentavam todos os sinais de serem
derivados de impulsos ambivalentes,
quer correspondendo simultaneamente tanto
a um desejo como a
um contradesejo, quer atuando de forma predominante em nome de uma das tendências opostas.
Se agora conseguirmos demonstrar que a ambivalência, isto é, a dominância de
tendências opostas, pode também ser encontrada nas observâncias do tabu, ou se
pudermos apontar algumas delas que, como atos obsessivos, dão expressão
simultânea a ambas as correntes, teremos estabelecido a concordância
psicológica entre o tabu e a neurose obsessiva naquilo que talvez seja sua
característica mais importante – p. 52/53;
_ até agora, tudo muito bem;
mas a técnica da psicanálise permite ir mais adiante na questão e penetrar mais
ainda nos pormenores desses diversos impulsos. Se submetermos os fatos
registrados à análise, como se fizessem parte dos sintomas apresentados por uma
neurose, nosso ponto de partida deve ser a excessiva apreensibilidade e
solicitude que é apresentada como razão para os cerimoniais do tabu. A
ocorrência de uma solicitude excessiva desta espécie é muito comum nas neuroses
e especialmente nas neuroses obsessivas, com as quais a nossa comparação é
principalmente traçada. Chegamos a compreender sua origem bastante claramente.
Ela aparece onde quer que, além de um sentimento predominante de afeição,
exista também uma corrente de hostilidade contrária, mas inconsciente – estado
de coisas que representa um exemplo típico de uma atitude emocional
ambivalente. A hostilidade é então feita calar no grito, por assim dizer, por
uma intensificação excessiva da afeição, que se expressa em solicitude e se
torna compulsiva, porque de outro modo seria inadequada para desempenhar a
missão de manter sob repressão a corrente de sentimento contrária e
inconsciente. Todo psicanalista sabe por experiência com que segurança esta
explicação da superafeição solícita é aplicável mesmo nas circunstâncias mais
improváveis – em casos, por exemplo, de ligações entre mãe e filho ou entre um
casal devotado. Se agora aplicarmos ao caso das pessoas privilegiadas,
compreenderemos que juntamente com a veneração e, na verdade, idolatrização sentidas
por elas, existe no inconsciente uma corrente oposta de hostilidade intensa;
que, na realidade, como esperávamos, defrontamo-nos com uma situação de
ambivalência emocional – p. 65;
_ o modelo no qual os
paranóicos baseiam seus delírios de perseguição é a relação de uma criança com
o pai. A imagem que um filho faz do pai é habitualmente investida de poderes
excessivos desta espécie e descobre-se que a desconfiança do pai está
intimamente ligada à admiração por ele. Quando um paranóico transforma a figura
de um de seus associados num “perseguidor”, está elevando-o à categoria de pai;
está colocando-o numa posição em que possa culpá-lo por todos os seus
infortúnios. Assim esta segunda analogia entre selvagens e neuróticos nos dá um
vislumbre de que grande parte da atitude de um selvagem para com seu governante
provém da atitude infantil de uma criança para com o pai – p. 66;
_ aqui, então, temos uma
contrapartida exata do ato obsessivo na neurose, no qual o impulso suprimido e
o impulso que o suprime encontram satisfação simultânea e comum. O ato
obsessivo é ostensivamente
uma proteção contra o ato proibido, mas, na realidade,
a nosso ver, trata-se de uma repetição dele – p. 66;
_ Somente nos neuróticos o
luto pela perda dos que lhes eram caros é ainda perturbado por autocensuras
obsessivas, cujo segredo é revelado pela psicanálise como sendo a velha
ambivalência emocional – p. 81;
_ Sim, porque o que é a
consciência? Segundo as provas da linguagem, ela está relacionada com aquilo de
que se está ‘consciente com mais certeza’. Na verdade, em algumas línguas, as
palavras para designar ‘consciência’ (no sentido moral, conscience, N.
do Trad.) e ‘consciência’ (no sentido de percepção do que se passa em nós ou ao
redor de nós, consciousness, N. do Trad.) mal podem ser distinguidas. A
consciência (conscience, N. do Trad.) é a percepção interna da rejeição
de um deteminado desejo a influir dentro de nós. (...) Dessa maneira parece
provável que também a consciência tenha surgido, numa base de ambivalência
emocional, de relações humanas bastante específicas, às quais essa ambivalência
estava ligada e que surgiu sob as condições que demonstramos se aplicarem ao
caso do tabu e da neurose obsessiva, a saber: que um dos sentimentos opostos
envolvidos seja inconsciente e mantido sob repressão pela dominação compulsiva
do outro. Esta conclusão é apoiada por várias coisas que aprendemos da análise
das neuroses. Em primeiro lugar, descobrimos que um dos aspectos do caráter dos
neuróticos obsessivos é uma escrupulosa conscienciosidade que é um sintoma
reagindo contra a tentação a espreitar no inconsciente. (...) Em segundo lugar,
não podemos deixar de nos impressionar com o fato de uma sensação de culpa ter
em si muito da natureza da ansiedade; podemos descrevê-la, sem nenhum receio,
como um ‘pavor da consciência’. Mas a ansiedade aponta para fontes
inconscientes. A psicologia das neuroses nos fez ver que, se impulsos cheios de
desejo forem reprimidos, sua libido se transformará em ansiedade. E isto nos
faz lembrar que há algo de desconhecido e inconsciente em conexão com a
sensação de culpa, a saber, as razões para o ato de repúdio. O caráter de
ansiedade que é inerente à sensação de culpa corresponde ao fator desconhecido –
p. 82/83;
_ em nosso exame analítico dos
problemas do tabu, consideramos até aqui os pontos de concordância que podemos
demonstrar existir entre ele e a neurose obsessiva. Mas, em última análise, o
tabu não é uma neurose e sim uma instituição social. Por conseguinte, devemos
explicar que diferença existe, em princípio, entre uma neurose e uma criação
cultural como é o tabu. Mais uma vez tomarei um fato isolado como ponto de
partida. Existe, entre os povos primitivos, o temor de que a violação de um
tabu seja seguida de uma punição, em geral alguma doença grave ou a morte. A
punição ameaça cair sobre quem quer que tenha sido responsável pela violação do
tabu. Nas neuroses obsessivas, o caso é diferente. O que o paciente teme, se
efetuar alguma ação proibida, é que o castigo caia não sobre si próprio, mas
sobre alguma outra pessoa – p. 85;
_ as neuroses, por um lado,
apresentam pontos de concordância notáveis e de longo alcance com as grandes
instituições sociais, a arte, a religião e a filosofia. Mas, por outro lado,
parecem como se fossem distorções delas. Poder-se-ia sustentar que um caso de
histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a
caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a caricatura de um
sistema filosófico – p. 87;
_ a natureza associal das
neuroses tem sua origem genética em seu propósito mais fundamental, que é fugir
de uma realidade insatisfatória para um mundo mais agradável de fantasia. O
mundo real, que é assim evitado pelos neuróticos, acha-se sob a influência da
sociedade humana e das instituições coletivamente criadas por ela. Voltar as
costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens – p. 88;
III – Animismo, magia e a
onipotência de pensamentos
_ o animismo, em seu sentido
mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres
espirituais em real. O termo ‘animatismo’ também foi usado para indicar a
teoria do caráter vivo daquelas coisas que nos parecem ser objetos inanimados e
as expressões ‘animalismo’ e ‘hominismo’ também são empregadas em relação a
isto – p. 89;
_ o animismo é um sistema de
pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um fenômeno
específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade isolada
de um ponto de vista único. A raça humana, se seguirmos as autoridades no assunto,
desenvolveu, no decurso das eras, três desses sistemas de pensamento – três
grandes representações do universo: animista (ou mitológica), religiosa e
científica – p. 91;
_ adotei a expressão
‘onipotência de pensamentos’ de um homem altamente inteligente que sofria de
ideias obsessivas e que depois de curado pelo tratamento psicanalítico, pôde
dar provas de sua eficiência e bom senso. (Cf. Freud, 1909d). Ele criou a
expressão como explicação para todos os estranhos e misteriosos acontecimentos
pelos quais, como outras vítimas da mesma doença, parecia ser perseguido. Se
pensava em alguém, tinha certeza de encontrar essa pessoa logo depois, como se
fosse por mágica. Se de repente perguntava pela saúde de um conhecido a quem há
muito tempo não via, escutava que este tinha acabado de morrer, de maneira a
parecer que uma linguagem telepática lhe houvesse chegado dele. (...) É nas
neuroses obsessivas que a sobrevivência da onipotência dos pensamentos é mais
claramente visível e que as consequências desse modo primitivo de pensar mais
se aproximam da consciência. Mas não devemos nos iludir supondo que se trata de
uma característica distintiva dessa neurose específica, porque a investigação
analítica revela a mesma coisa também nas outras neuroses. Em todas elas, o que
determina a formação dos sintomas é a realidade, não da experiência, mas do
pensamento. Os neuróticos vivem um mundo à parte, onde, como já disse antes,
somente a ‘moeda neurótica’ é moeda corrente, isto é, eles são afetados apenas
pelo que é pensado com intensidade e imaginado com emoção, ao passo que a
concordância com a realidade externa não tem importância – p. 99;
_ assim, vê-se que a
onipotência de pensamentos, a supervalorização dos processos mentais em
comparação com a realidade, desempenha um papel irrestrito na vida emocional
dos pacientes neuróticos e em tudo que dela se deriva. Se um deles submeter-se
ao tratamento psicanalítico, que torna consciente o que nele era inconsciente,
será incapaz de acreditar que os pensamentos são livres e constantemente terá
medo de expressar desejos malignos, como se sua expressão conduzisse
inevitavelmente à sua realização. Essa conduta, bem como as superstições que
pratica na vida comum, revela a semelhança dele com os selvagens que acreditam
poderem alterar o mundo externo pelo simples pensamento – p. 100;
_ os homens primitivos e os
neuróticos, como já vimos, atribuem uma alta valorização – a nossos olhos, uma supervalorização – aos atos
psíquicos. Essa atitude pode perfeitamente ser relacionada com o narcisismo e
encarada como um componente essencial deste. Pode-se dizer que, no homem
primitivo, o processo de pensar ainda é, em grande parte, sexualizado. Esta é a
origem de sua fé na onipotência dos pensamentos, de sua inabalável confiança na
possibilidade de controlar o mundo e de sua inacessibilidade às experiências,
tão facilmente obteníveis, que poderiam ensinar-lhe a verdadeira posição do
homem no universo. Com relação aos neuróticos, encontramos que, por um lado,
uma parte considerável desta atitude primitiva sobreviveu em sua constituição
e, por outro, que a repressão sexual que neles ocorreu ocasionou uma maior
sexualização de seus processos de pensamento. Os resultados psicológicos devem
ser os mesmos em ambos os casos, quer a hipercatexia libidinal do pensamento
seja original, quer tenha sido produzida pela regressão: narcisismo intelectual
e onipotência de pensamentos– p. 102;
_ se podemos considerar a
existência da onipotência de pensamentos entre os povos primitivos como uma
prova em favor do narcisismo, somos incentivados a fazer uma comparação entre
as fases do desenvolvimento da visão humana do universo e as fases do
desenvolvimento libidinal do indivíduo. A fase animista corresponderia à
narcisista, tanto cronologicamente quanto em seu conteúdo; a fase religiosa
corresponderia à fase da escolha de objeto, cuja característica é a ligação da
criança com os pais; enquanto que a fase científica encontraria uma
contrapartida exata na fase em que o indivíduo alcança a maturidade, renuncia
ao princípio de prazer, ajusta-se à realidade e volta-se para o mundo externo
em busca do objeto de seus desejos – p. 103;
_ em resumo, estamos
reconhecendo a coexistência da percepção e da memória, ou, em termos mais
gerais, a existência de processos mentais inconscientes
ao lado dos conscientes.
Poder-se-ia dizer que, em última análise, o ‘espírito’ das pessoas ou das
coisas reduz-se à sua capacidade de serem lembradas e imaginadas após a
percepção delas haver cessado – p. 106;
O retorno do totemismo na
infância
a) a origem do totemismo
a.1) teorias nominalistas;
a.2) teorias sociológicas;
a.3) teorias psicológicas
b) e c) A origem da exogamia e
sua relação com o totemismo
_ a psicanálise revelou que o
animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo
com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra
proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva – com o fato de que
ele é morto e, entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que até
hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta frequência
persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua
capacidade de substituto do pai – p. 147;
_ a refeição totêmica, que é
talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição, e uma
comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas:
da organização social, das restrições morais e da religião – p. 150;
_ a doutrina do pecado
original era de origem órfica. Constituía parte dos mistérios e deles
propagou-se para as escolas de filosofia da antiga Grécia. (Reinach, 1905-12,
2, 75 e segs.) A humanidade, dizia-se, descendia dos Titãs, que haviam matado o
jovem Dioniso-Zagreus e o despedaçado. A carga desse crime pesava sobre eles.
Um fragmento de Anaximandro conta como a unidade do mundo foi rompida por um
pecado primevo e que tudo dele surgido devia sofrer o castigo. A malta
tumultuosa, a matança e o despedaçamento pelos Titãs fazem-nos recordar com
bastante clareza o sacrifício totêmico descrito por São Nilo [Ibid., 2, 93] –
bem como, a propósito, também muitos outros mitos antigos, inclusive, por
exemplo, o da morte do próprio Orfeu. Não obstante, existe uma diferença
perturbadora no fato de o assassinato ter sido cometido contra um deus jovem’ – p. 160;
_ ao concluir, então, esta
investigação excepcionalmente condensada, gostaria de insistir em que o
resultado dela mostra que os começos da religião, da moral, da sociedade e da
arte convergem para o complexo de Édipo. Isso entra em completo acordo com a descoberta
psicanalítica de que o mesmo complexo constitui o núcleo de todas as neuroses,
pelo menos até onde vai nosso conhecimento atual. Parece-me ser uma descoberta
muito supreendente que também os problemas da psicologia social se mostrem
solúveis com base num único ponto concreto: – a relação do homem com o pai. É
mesmo possível que ainda outro problema psicológico se encaixe nesta mesma
conexão. Muitas vezes tive ocasião de assinalar que a ambivalência emocional,
no sentido próprio da expressão – ou seja, a existência simultânea de amor e
ódio para os mesmos objetos – jaz na raiz de muitas instituições culturais
importantes. Não sabemos nada da origem dessa ambivalência. Uma das
pressuposições possíveis é que ela seja um fenômeno fundamental de nossa vida
emocional. Mas parece-me bastante válido considerar outra possibilidade, ou
seja, que originalmente ela não fazia parte de nossa vida emocional, mas foi
adquirida pela raça humana em conexão com o complexo-pai, precisamente onde o
exame psicanalítico de indivíduos modernos ainda a encontra revelada em toda a
sua força – p. 163/164;
_ mesmo a mais implacável
repressão tem de deixar lugar para impulsos substitutos deformados e para as
reações que deles resultem. Se assim for, portanto, podemos presumir com segurança
que nenhuma geração pode ocultar, à geração que a sucede, nada de seus
processos mentais mais importantes, pois a psicanálise nos mostrou que todos
possuem, na atividade mental inconsciente, um apparatus que os capacita a interpretar as
reações de outras pessoas, isto é, a desfazer as deformações que os outros
impuseram à expressão de seus próprios sentimentos. Uma tal compreensão
inconsciente de todos os costumes, cerimônias e dogmas que restaram da relação
original com o pai pode ter possibilitado às gerações posteriores receberem sua
herança de emoção – p. 165;
_ o que jaz por trás do
sentimento de culpa dos neuróticos são sempre realidades psíquicas, nunca realidades concretas. O que caracteriza
os neuróticos é preferirem a realidade psíquica à concreta, reagindo tão
seriamente a pensamentos como as pessoas normais às realidades – p. 166;
_ não é exato dizer que os
neuróticos obsessivos, curvados sob o peso de uma moralidade excessiva,
estão-se defendendo apenas da realidade psíquica
e se punindo através de impulsos que foram simplesmente sentidos. A realidade histórica também tem a sua
parte na questão. Na infância, eles tiveram esses impulsos malignos de modo
puro e simples e transformaram-nos em atos até onde a impotência da infância
permitia. Cada um desses indivíduos excessivamente virtuosos passou por um
período de maldade na infância – uma fase de perversão que foi precursora e
pré-condição do período posterior de moralidade excessiva. A analogia entre os
homens primitivos e os neuróticos será estabelecida assim de modo muito mais
completo, se supusermos que também no primeiro caso a realidade psíquica – a
respeito da qual não temos dúvida quanto à forma que tomou – coincidiu no
princípio com a realidade concreta, ou seja, que os homens primitivos realmente
fizeram aquilo que
todas as provas mostram que pretendiam fazer – p. 167;
O interesse científico da
psicanálise (1913)
Parte I – O interesse
psicológico da psicanálise
_ a psicanálise é um
procedimento médico que visa à cura de certas formas de doenças nervosas (as
neuroses) através de uma técnica psicológica. Num pequeno volume publicado em
1910, descrevi a evolução da psicanálise a partir do procedimento catártico de
Josef Breuer e de sua relação com as teorias de Charcot e Pierre Janet – p. 175;
_ o motivo mais comum para
reprimir uma intenção, que daí em diante tem de contentar-se em encontrar
expressão numa parapraxia, resulta ser a necessidade de evitar o desprazer – p.
177;
_ a intenção de evitar o
desprazer não é a única que pode encontrar seu escoadouro nas parapraxias. Em
muitos casos a análise revela outros propósitos que foram reprimidos numa
situação específica e que só se podem fazer sentir, por assim dizer, como
perturbações secundárias. Assim, um lapso de linguagem frequentemente servirá
para trair as opiniões que a pessoa que fala deseja ocultar de seu
interlocutor. Os lapsos de linguagem foram entendidos nesse sentido por vários
grandes escritores e com esse intuito empregados em suas obras. A perda de
objetos preciosos com frequência mostra ser um ato de sacrifício destinado a
impedir algum mal esperado; muitas outras superstições também sobrevivem sob a
forma de parapraxias em pessoas instruídas– p. 178;
_ nossos enganos com
frequência resultam ser um disfarce para nossas intenções secretas – p. 178;
_ a psicanálise eleva a
condição dos sonhos à de atos psíquicos possuidores de sentido e intenção e com
um lugar na vida mental do indivíduo, apesar de sua estranheza, incoerência e
absurdo. Segundo esse ponto de vista, os estímulos somáticos simplesmente
desempenham o papel de material que é elaborado no decurso da construção do
sonho – p. 179;
_ a elaboração onírica é um
processo psicológico que até hoje não encontrou similar na psicologia,
reclamando o nosso interesse em dois sentidos principais. Em primeiro lugar,
traz ao nosso conhecimento processos novos como a ‘condensação’ (de ideias) e o
‘deslocamento’ (da ênfase psíquica de uma ideia para outra), processos com os
quais nunca, de forma nenhuma, nos deparamos em nossa vida desperta, a não ser
como base daquilo que é conhecido como ‘erros de pensamento’. Em segundo lugar,
nos permite detectar no funcionamento da mente um jogo de forças que estava
escondido de nossa percepção consciente. Descobrimos que há uma ‘censura’, um
órgão de verificação a funcionar em nós, que decide se uma ideia que surge na
mente deve ter ou não permissão de chegar à consciência e que, até onde está em
seu poder, exclui implacavelmente qualquer coisa que possa produzir ou reviver
um desprazer. Aqui lembramos que na análise das parapraxias encontramos traços
dessa mesma intenção de evitar desprazer na recordação de coisas, e de
conflitos similares entre os impulsos mentais – p. 180;
_ quem compreender os sonhos
pode também apreender o mecanismo psíquico das neuroses e psicoses – p. 181;
_ e isso se aplica igualmente
àqueles atos que são descritos como sintomas ‘crônicos’ de pacientes
histéricos. Todos são representações miméticas ou alucinatórias de fantasias
que dominam inconscientemente a vida emocional do indivíduo e que têm o sentido
de realizações de desejos secretos e reprimidos. O caráter atormentador desses
sintomas se deve ao conflito interno a que a mente do paciente é levada, pela
necessidade de combater esses desejos inconscientes – p. 182;
_ noutro distúrbio neurótico,
a neurose obsessiva, os pacientes se tornam vítimas de cerimoniais aflitivos e
aparentemente insensatos, que assumem a forma de uma repetição rítmica dos atos
mais triviais (tais como lavar-se ou vestir-se) ou de executar injunções sem
sentido ou obedecer a proibições misteriosas. Foi nada menos que um triunfo da
pesquisa psicanalítica conseguir demonstrar que todos esses atos obsessivos,
mesmo os mais insignificantes e triviais, têm um sentido e são reflexos,
traduzidos em termos indiferenciados, dos conflitos da vida dos pacientes, da
luta entre tentações e restrições morais – reflexos do próprio desejo proscrito
e da punição e expiação em que esse desejo incorre. Noutra forma da mesma
perturbação, a vítima sofre de ideias atormentadoras (obsessões) que a ela se
impõem, sendo acompanhadas por emoções cujo caráter e intensidade são muitas
vezes explicados apenas de maneira muito inadequada pelos termos das próprias
ideias obsessivas. A investigação analítica demonstrou, nesse caso, que as
emoções são plenamente justificadas, visto corresponderem a autocensuras que se
baseiam em algo que é, pelo menos, psiquicamente
real. Mas as ideias a que essas emoções estão ligadas não são as originais,
tendo chegado à posição presente por um processo de deslocamento – substituindo
algo que foi reprimido. Se esses deslocamentos puderem ser invertidos, estará
aberto o caminho para a descoberta das idéias reprimidas, e se descobrirá que a
relação entre a emoção e a idéia é perfeitamente apropriada – p. 182/183;
_ a psicanálise mostra à
psicologia a solução de metade dos problemas da psiquiatria. Não obstante,
seria um erro grave supor que a análise favorece ou pretende uma visão puramente
psicológica das perturbações mentais. Não se pode menosprezar o fato de que
a outra metade dos problemas da psiquiatria relaciona-se com a influência de
fatores orgânicos (mecânicos, tóxicos ou infecciosos) sobre o mecanismo mental.
Mesmo no caso da mais leve dessas perturbações, a neurose, não se pretende que
sua origem seja puramente psicogênica, mas remonta-se sua etiologia à
influência sobre a vida mental de um fator indiscutivelmente orgânico, ao qual
me referirei posteriormente. O número de descobertas psicanalíticas
pormenorizadas que não podem deixar de ser importantes para a psicologia geral
é grande demais para que as enumere aqui. Farei referência apenas a dois outros
pontos: a psicanálise não hesita em atribuir aos processos emocionais a primazia
na vida mental, e revela nas pessoas normais uma inesperada quantidade de
perturbações afetivas e de ofuscamento do intelecto numa frequência que não é
inferior à verificada em pessoas doentes – p. 183/184;
Parte II – O interesse da
psicanálise para as ciências não-psicológicas
A) O interesse filológico da
psicanálise
_ a linguagem dos sonhos pode
ser encarada como o método pelo qual a atividade mental inconsciente se
expressa. Mas o inconsciente fala mais de um dialeto. De acordo com as
diferentes condições psicológicas que orientam e distinguem as diversas formas
de neurose, encontramos modificações regulares na maneira pela qual os impulsos
mentais inconscientes se expressam – p. 186;
B) O interesse filosófico da
psicanálise
C) O interesse biológico da
psicanálise
_ a fórmula final a que a
psicanálise chegou quanto à natureza das neuroses é a seguinte: o conflito
primário que leva às neuroses é um conflito entre os instintos sexuais e os
instintos que sustentam o ego. As neuroses representam uma dominação mais ou
menos parcial do ego pela sexualidade, depois de terem falhado os esforços do
ego para reprimi-la – p. 190;
D) O interesse da psicanálise
de um ponto de vista de desenvolvimento
_ o procedimento médico
psicanalítico não pode eliminar um sintoma até haver traçado a origem e a
evolução desse sintoma. Assim, desde o início, a psicanálise dirigiu-se no
sentido de delinear processos de desenvolvimento. Começou por descobrir a
gênese dos sintomas neuróticos e foi levada, à medida que o tempo passava, a
voltar sua atenção para outras estruturas psíquicas e a construir uma
psicologia genética que também se lhe aplicasse. A psicanálise foi obrigada a
atribuir a origem da vida mental dos adultos à vida das crianças e teve de
levar a sério o velho ditado que diz que a criança é o pai do homem – p. 191;
_ outra descoberta muito mais
surpreendente foi que, a despeito de toda a evolução posterior que ocorre no
adulto, nenhuma das formações mentais infantis perece. Todos os desejos,
impulsos instintivos, modalidades de reação e atitudes da infância acham-se
ainda demonstravelmente presentes na maturidade e, em circunstância apropriada,
podem mais uma vez surgir. Elas não são destruídas, mas simplesmente se
sobrepõem – para empregar o modo espacial de descrição que a psicologia
psicanalítica foi obrigada a adotar. Assim, faz parte da natureza do passado
mental diferentemente do passado histórico, não ser absorvido pelos seus
derivados; persiste (seja na realidade ou apenas potencialmente) juntamente com
o que se originou dele. A prova desta afirmação reside no fato de os sonhos das
pessoas normais reviverem seus caracteres de infância a cada noite e reduzirem
toda a sua vida mental a um nível infantil. Esse mesmo retorno ao infantilismo
psíquico (‘regressão’) ocorre nas neuroses e psicoses, cujas peculiaridades
podem, em grande parte, ser descritas como arcaísmos psíquicos. A intensidade
com que os resíduos da infância ainda se acham presentes na mente nos é
mostrada pelo grau de disposição para a doença; essa disposição pode, por
conseguinte, ser encarada como expressão de uma inibição do desenvolvimento. A
parte do material psíquico de uma pessoa que permaneceu infantil e foi
reprimida como imprestável constitui o cerne de seu inconsciente. E acreditamos
que podemos seguir nas histórias de nossos pacientes a maneira pela qual esse
inconsciente subjugado como é pelas forças de repressão, fica à espera de uma
possibilidade de tornar-se ativo e fazer uso de suas oportunidades, se as
estruturas psíquicas posteriores e mais elevadas fracassarem no domínio das
dificuldades da vida real – p. 192;
E) O interesse da psicanálise
de um ponto de vista da história da civilização
_ a psicanálise estabeleceu
uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas de indivíduos, por um
lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única fonte dinâmica
para ambas. Ela parte da idéia básica de que a principal função do mecanismo
mental é aliviar o indivíduo das tensões nele criadas por suas necessidades.
Uma parte desta tarefa pode ser realizada extraindo-se satisfação do mundo
externo e, para esse fim, é essencial possuir controle sobre o mundo real. Mas
a satisfação de outra parte dessas necessidades – entre elas, certos impulsos
afetivos – é regularmente frustrada pela realidade. Isto conduz a uma nova
tarefa de encontrar algum outro meio de manejar os impulsos insatisfeitos. Todo
o curso da história da civilização nada mais é que um relato dos diversos
métodos adotados pela humanidade para ‘sujeitar’ seus desejos insatisfeitos,
que, de acordo com as condições cambiantes (modificadas, ademais, pelos
progressos tecnológicos) defrontaram-se com a realidade, às vezes
favoravelmente e outras com frustração. Uma investigação dos povos primitivos
mostra a humanidade de inicialmente aprisionada pela crença infantil em sua
própria onipotência. Toda uma gama de estruturas mentais pode ser então
compreendida como tentativas de negar tudo o que pudesse perturbar esse sentimento
de onipotência e impedir assim que a vida emocional fosse afetada pela
realidade, até que esta pôde ser mais bem controlada e utilizada para
propósitos de satisfação. O princípio de evitar o desprazer domina as ações
humanas até ser substituído pelo princípio melhor de adaptação ao mundo
externo. Pari passu com o controle progressivo dos homens sobre o mundo
segue uma evolução de sua Weltanschauung, sua visão do universo como um
todo. Cada vez eles se afastam mais de sua crença original na própria onipotência,
elevando-se da fase animista para a religiosa e desta para a científica. Os
mitos, a religião e a moralidade podem ser situados nesse esquema como
tentativas de busca de compensação da falta de satisfação dos desejos humanos.
Nosso conhecimento das doenças neuróticas dos indivíduos foi de grande auxílio
para a compreensão das grandes instituições sociais, porque as neuroses
mostraram ser tentativas de encontrar soluções individuais para o
problema de compensar os desejos insatisfeitos, enquanto que as instituições
buscam proporcionar soluções sociais para esses mesmos problemas. A
recessão do fator social e a predominância do sexual transforma essas soluções
neuróticas do problema psicológico em caricaturas que de nada servem, a não ser
para ajudar-nos a explicar essas importantes questões – p. 194;
F) O interesse da psicanálise
de um ponto de vista da ciência da estética
_ as forças motivadoras dos
artistas são os mesmos conflitos que impulsionam outras pessoas à neurose e
incentivaram a sociedade a construir suas instituições. De onde o artista
retira sua capacidade criadora não constitui questão para a psicologia. O objetivo
primário do artista é libertar-se e, através da comunicação de sua obra a
outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma
libertação – p. 195;
F) O interesse sociológico da
psicanálise
G) O interesse educacional da
psicanálise
_ Quando os educadores se
familiarizarem com as descobertas da psicanálise, será mais fácil se
reconciliarem com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras
coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos
instintivos socialmente imprestáveis ou perversos que surgem nas crianças. Pelo
contrário, vão se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela
força, quando aprenderem que esforços desse tipo com frequência produzem
resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos
educadores, de dar livre trânsito às travessuras das crianças. A supressão
forçada de fortes instintos por meios externos nunca produz, numa criança, o
efeito de esses instintos se extinguirem ou ficarem sob controle; conduz à
repressão, que cria uma predisposição a doenças nervosas no futuro. A
psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela
severidade inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses,
ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer, que tem de ser pago
pela normalidade na qual o educador insiste. E a psicanálise pode também
demonstrar que preciosas contribuições para a formação do caráter são
realizadas por esses instintos associais e perversos na criança, se não forem
submetidos à repressão, e sim desviados de seus objetivos originais para outros
mais valiosos, através do processo conhecido como ‘sublimação’. Nossas mais
elevadas virtudes desenvolveram-se, como formações reativas e sublimações, de
nossas piores disposições. A educação deve escrupulosamente abster-se de
soterrar essas preciosas fontes de ação e restringir-se a incentivar os
processos pelos quais essas energias são conduzidas ao longo de trilhas
seguras. Tudo o que podemos esperar a título de profilaxia das neuroses no
indivíduo se encontra nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida –
p. 197;
Observações e exemplos da
prática psicanalítica (1913)
1 – Sonhos com uma causa
precipitante não identificada
2 – A hora do dia em sonhos
3 – A representações de idade
nos sonhos
4 – Posição ao despertar de um
sonho
9 – Dois quartos e um quarto
10 – Sobretudo como símbolo
13 – Pés (sapatos) vergonhosos
15 – Autocrítica nos
neuróticos
19 – Considerações
representabilidade
20 – Sonhos com pessoas mortas
21 – Sonhos fragmentários
22 – Aparecimento no sonho dos
sintomas da doença
Fausse
Reconnaissance (Déjá
raconté) no tratamento psicanalítico (1914)
_ acontece com frequência
durante o tratamento analítico que o paciente, após relatar algum fato de que
se lembrou, prossiga dizendo: ‘Mas
eu já lhe contei isso’ – enquanto o analista tem certeza de ser
essa a primeira vez que escutou a história – p. 213;
O Moisés de Michelangelo (1914)
_ não obstante, as obras de
arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a
escultura e, com menos frequência, a pintura. Isto já me levou a passar longo
tempo contemplando-as, tentando apreendê-las à minha própria maneira, isto é, explicar
a mim mesmo a que se deve o seu efeito. Onde não consigo fazer isso, como, por
exemplo, com a música, sou quase incapaz de obter qualquer prazer. Uma
inclinação mental em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o
fato de comover-me com uma coisa sem saber porque sou assim afetado e o que é
que me afeta – p. 223;
_ Mas Michelangelo colocou um
Moisés diferente na tumba do Papa, um Moisés superior ao histórico ou
tradicional. Modificou o tema das Tábuas quebradas; não permite que Moisés as
quebre em sua ira, mas faz que ele seja influenciado pelo perigo de que se
quebrem e o faz acalmar essa ira, ou, pelo menos, impedi-la de transformar-se
em ato. Dessa maneira, acrescentou algo de novo e mais humano à figura de
Moisés; de modo que a estrutura gigantesca, com a sua tremenda força física,
torna-se apenas uma expressão concreta da mais alta realização mental que é
possível a um homem, ou seja, combater com êxito uma paixão interior pelo amor
de uma causa a que se devotou – p. 244;
Algumas reflexões sobre a
psicologia do escolar (1914)
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