Pedro, um jovem pastor de
ovelhas, vivia em um vale que ficava entre duas colinas Todas as tardes, na
mesma hora, Pedro levava suas ovelhas para pastar na beira de um rio. Eram
exatas duas horas de contemplação defronte ao rio, horas rigorosamente marcadas
pelos ponteiros do seu relógio de algibeira.
Aquele rio de águas límpidas corria tão
lentamente que o apelidaram de Rio Preguiça. Águas claras, serenas e mansas que
estavam alheias a tudo que as rodeava, apenas seguiam. O seu leito não era
uniforme, muito menos harmonioso. É que vez ou outra surgiam pedras que, quando
não vencidas, eram contornadas e tais contornos lhe modificava a silhueta, mas
não a sua essência, não deixava de ser rio.
Certo dia Pedro deixou cair
no leito do rio seu relógio e, naquele momento, uniram-se o tempo e o rio. Não
havia qualquer ligação entre os dois, o tempo angustiando por se achar escravo
dos ponteiros, agitado, querendo passar, o rio desacelerado, sossegado,
querendo ficar.
Começaram uma inimaginável
discussão de águas e ponteiros. O relógio sussurrava para o rio que era hora de
acordar e o rio respondia que não era preciso porque jamais adormeceu que suas
águas eram passageiras, como o tempo, mas, diferente dele, não arrastavam
mágoas, desilusões ou dores (coisas do tempo, dizia o rio), tudo isso era
desaguado na foz, abandonados na imensidão dos mares e que diante do imenso não
há lugar para coisas pequenas como os ressentimentos.
O tempo fazia inveja ao rio,
dizia que marcava os nascimentos e o rio se ria do tempo, recordou que era ele
também quem marcava a hora da despedida. O rio ensinava ao tempo que tudo passa
e que ele também se ressentia de ter que deixar no mar as coisas boas que
fizeram parte de sua vida de rio. Ensinou que o abandono é a parte do tempo não
cativado entre pessoas que se querem bem.
O tempo falou dos amores
perdidos. O rio mencionou as aluviões que lhe destroçavam as margens e que,
assim como os amores perdidos, arrancavam pedaços, porém, teve que aprender a
açoreá-los em outros lugares seus, tendo que esquecer que um dia foram margens,
mas que, embora adormecidos no fundo das águas, não deixavam de ser parte dele.
O relógio pediu ao rio que
também lhe ensinasse a passar e o rio replicou que não dependia do relógio,
pois o tempo é quem decidia tudo.
O rio suplicou ao tempo que jamais o deixasse
esquecer sua nascente, o quanto foi pequeno e tudo o que teve que suportar e
todos os obstáculos que venceu para deixar de ser olho d’ água, tornar-se rio
e, no tempo certo, se confundir com o oceano. O relógio ressentido, metendo-se
na conversa, mencionou que o tempo e o rio nunca mais seriam os mesmos porque
assim como as águas se vão o tempo também não volta, ele sim seria sempre o
relógio de algibeira. Em silencioso revide, por um instante, o rio refletiu em
seu espelho d’ água a inutilidade do relógio sem o tempo, assim como as pessoas
sem amores. Nesse ponto, o rio concordou com o tempo: Somos a memória viva
daqueles que amo hoje e que amei outrora e depois perdi. Somos, assim, o
resultado das marcas que nos foram impressas aqueles que no passado amamos
intensamente e, por algum motivo, se perdeu de nós.
Passados alguns dias Pedro
reencontrou seu relógio, estranhou, não parecia o mesmo, as horas já não
passavam de forma angustiada, o despertador tocava sem compromisso com qualquer
hora, minuto ou segundo, somente para lembrar ao rio, que era tempo de seguir
em frente, não importando o que havia deixado pra trás e tão pouco o que
haveria de encontrar pela frente porque, independente das pedras, ele era o rio
que aprendeu e ensinou ao tempo a ser o dono de si e a se portar como mais
importante que os ponteiros e as engrenagens de qualquer relógio.
CRISTIANE CARACAS
16/04/2014
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