Resumo
do Livro XX – Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade,
Análise Leiga e outros trabalhos (1925-1926)
Um
Estudo Autobiográfico (1925[1924])
Nota
do editor inglês
_ Assim o estudo de Freud é
essencialmente um relato de sua participação pessoal no desenvolvimento da
psicanálise. Como ele próprio ressalta no parágrafo inicial, ele estava
inevitavelmente revendo muito do que já tinha sido tratado em seu artigo ‘A
História do Movimento Psicanalítico’ (1914d), cerca de dez anos antes. Não
obstante, como um confronto entre as duas obras revelará, sua disposição de
ânimo então era bem diferente. As controvérsias que haviam impregnado de
exacerbação o artigo mais antigo tornaram-se agora insignificantes e ele pôde
apresentar um relato frio e inteiramente objetivo da evolução dos seus pontos
de vista científicos. – p. 12/13;
I
_ Apresentei meu primeiro
relato do desenvolvimento e do tema da psicanálise em cinco lições que pronunciei
em 1909 na Clark University, em Worcester, Mass., para onde fora convidado a
fim de assistir às comemorações do vigésimo aniversário de fundação daquela
entidade. – p. 15;
_ Nasci a 6 de maio de 1856,
em Freiberg, na Morávia, pequena cidade situada onde agora é a Tchecoslováquia.
Meus pais eram judeus e eu próprio continuei judeu. Tenho razões para crer que
a família de meu pai residiu por muito tempo no Reno (em Colônia), que ela,
como resultado de uma perseguição aos judeus durante o século XIV ou XV, fugiu
para o leste, e que, no curso do século XIX, migrou de volta da Lituânia,
passando pela Galícia, até a Áustria alemã. Quando eu era uma criança de quatro
anos fui para Viena e ali recebi toda minha educação. No ‘Gymnasium’ [escola
secundária] fui o primeiro de minha turma durante sete anos e desfrutava ali de
privilégios especiais, e quase nunca tive de ser examinado em aula. Embora
vivêssemos em circunstâncias muito limitadas, meu pai insistiu que, na minha
escolha de uma profissão, devia seguir somente minhas próprias inclinações. Nem
naquela época, nem mesmo depois, senti qualquer predileção particular pela
carreira de médico. Fui, antes, levado por uma espécie de curiosidade, que era,
contudo, dirigida mais para as preocupações humanas do que para os objetivos
naturais; eu nem tinha apreendido a importância da observação como um dos
melhores meios de gratificá-la. Meu profundo interesse pela história da Bíblia
(quase logo depois de ter aprendido a arte da leitura) teve, conforme reconheci
muito mais tarde, efeito duradouro sobre a orientação do meu interesse. Sob a
influência de uma amizade formada na escola com um menino mais velho que eu, e
que veio a ser conhecido político, desenvolvi, como ele, o desejo de estudar
direito e de dedicar-me a atividade sociais. Ao mesmo tempo, as teorias de
Darwin, que eram então de interesse atual, atraíram-me fortemente, pois
ofereciam esperanças de extraordinário progresso em nossa compreensão do mundo;
e foi ouvindo o belo ensaio de Goethe sobre a Natureza, lido em voz alta numa
conferência popular pelo professor Carl Brühlpouco antes de eu ter deixado a
escola, que resolvi tornar-me estudante de medicina.
Quando em 1873, ingressei na universidade,
experimentei desapontamentos consideráveis. Antes de tudo, verifiquei que se
esperava que eu me sentisse inferior e estranho porque era judeu. Recusei-me de
maneira absoluta a fazer a primeira dessas coisas. Jamais fui capaz de
compreender por que devo sentir-me envergonhado da minha ascendência ou, como
as pessoas começavam a dizer, da minha ‘raça’. Suportei, sem grande pesar,
minha não aceitação na comunidade, pois parecia-me que apesar dessa exclusão,
um dinâmico companheiro de trabalho não poderia deixar de encontrar algum
recanto no meio da humanidade. Essas primeiras impressões na universidade,
contudo, tiveram uma conseqüência que depois viria a ser importante, porquanto
numa idade prematura familiarizei-me com o destino de estar na Oposição e de
ser posto sob o anátema da ‘maioria compacta’. Estavam assim lançados os
fundamentos para um certo grau de independência de julgamento. – p. 15/17;
_ Os vários ramos da medicina
propriamente dita, afora a psiquiatria, não exerciam qualquer atração sobre
mim. Eu era realmente negligente em meus estudos médicos e somente em 1881, um
tanto tardiamente, recebi o grau de doutor em medicina. – p. 18;
_ No outono de 1886, fixei-me
em Viena como médico e casei-me com a moça que ficara à minha espera numa
distante cidade há mais de quatro anos. Posso agora retornar um pouco ao passado
e explicar como foi a culpa de minha fiancée por eu ainda não ser famoso
naquela jovem idade. – p. 22;
_ Qualquer um que deseje
ganhar para subsistência com o tratamento de pacientes nervosos deve ser
claramente capaz de fazer algo para ajudá-los. Meu arsenal terapêutico continha
apenas duas armas, a eletroterapia e o hipnotismo; receitar uma visita a um estabelecimento
hidropático após uma única consulta era uma fonte insuficiente de renda. Meu
conhecimento de eletroterapia provinha do manual de W. Erb [1882], o qual
proporcionava instruções detalhadas para o tratamento de todos os sintomas de
doenças nervosas. Infelizmente, logo fui impelido a ver que seguir essas
instruções não era absolutamente de qualquer valia e que o que eu tomara por um
compêndio de observações exatas era meramente a construção de fantasia. Foi
penosa a compreensão de que a obra do maior nome da neuropatologia alemã não
tinha maior relação com a realidade do que um livro de sonhos ‘egípcio’ vendido
em livrarias baratas, mas ajudou-me a livrar-me de outro fragmento de inocente
fé na autoridade, da qual eu ainda não estava livre. Assim, pus de lado meu
aparelho elétrico, mesmo antes de Moebius haver salvo a situação, explicando
que os êxitos do tratamento elétrico em distúrbios nervosos (até onde havia
algum) eram o efeito de sugestão por parte do médico. – p. 23;
_ Ocorreu assim, como algo natural, que,
nos primeiros anos de minha atividade como médico, meu principal instrumento de
trabalho, afora os métodos psicoterapêuticos aleatórios e não sistemáticos,
tenha sido a sugestão hipnótica. – p. 24;
_ No momento havia apenas dois
pontos passíveis de queixa: em primeiro lugar, que eu não era capaz de
hipnotizar todos os pacientes, e, em segundo, que fui incapaz de pôr os
pacientes individuais num estado tão profundo de hipnose como teria desejado.
Com a idéia de aperfeiçoar minha técnica hipnótica, empreendi uma viagem a
Nancy, no verão de 1889, e passei ali várias semanas. Testemunhei o comovente
espetáculo do velho Liébeault trabalhando entre as mulheres e crianças pobres
das classes trabalhadoras. Eu era um espectador dos assombrosos experimentos de
Bernheim em seus pacientes do hospital, e tive a mais profunda impressão da
possibilidade de que poderia haver poderosos processos mentais que, não
obstante, permaneciam escondidos da consciência dos homens. Pensando que seria
instrutivo, persuadi uma de minhas pacientes a acompanhar-me até Nancy. Essa
paciente era uma histérica altamente dotada, uma mulher bem-nascida, que me
fora confiada porque ninguém sabia o que fazer com ela. Pela influência
hipnótica eu lhe tornara possível levar uma existência tolerável, e sempre fui
capaz de tirá-la da miséria de sua condição. Mas ela sempre recaía após breve
tempo, e em minha ignorância eu atribuía isso ao fato de que sua hipnose jamais
alcançara a fase de sonambulismo com amnésia. Bernheim tentou então várias
vezes provocar isso, mas ele também fracassou. Admitiu-me que seus grandes
êxitos terapêuticos por meio da sugestão eram alcançados apenas em sua clínica
hospitalar, e não com seus pacientes particulares. Tive muitas conversas
estimulantes com ele, e comprometi-me a traduzir para o alemão umas duas obras
sobre a sugestão e seus efeitos terapêuticos. –
p. 24/25;
II
_ Devo complementar o que
acabo de dizer, explicando que bem desde o início fiz uso da hipnose de outra
maneira, independentemente da sugestão hipnótica. Empreguei-a para fazer
perguntas ao paciente sobre a origem de seus sintomas, que em seu estado de
vigília ele podia descrever só muito imperfeitamente, ou de modo algum. Não
somente esse método pareceu mais eficaz do que meras ordens ou proibições
sugestivas, como também satisfazia a curiosidade do médico, que, afinal de
contas, tinha o direito de aprender algo sobre a origem da manifestação que ele
vinha lutando para eliminar pelo processo monótono da sugestão. – p. 26;
_ Quando do meu retorno a
Viena, recorri mais uma vez à observação de Breuer e fiz com que ele me
contasse mais alguma coisa sobre o caso. A paciente tinha sido uma jovem de
educação e dons incomuns, que adoecera enquanto cuidava do pai, pelo qual era
devotamente afeiçoada. Quando Breuer se encarregou do caso, este apresentou um
quadro variado de paralisias com contraturas, inibições e estados de confusão
mental. Uma observação fortuita revelou ao médico da paciente que ela podia ser
aliviada desses estados nebulosos de consciência se fosse induzida a expressar
em palavras a fantasia emotiva pela qual se achava no momento dominada. A
partir dessa descoberta, Breuer chegou a um novo método de tratamento. Ele a
levava a uma hipnose profunda e fazia-a dizer-lhe, de cada vez, o que era lhe
oprimia a mente. Depois de os ataques de confusão depressiva terem sido
separados dessa forma, empregou o mesmo processo para eliminar suas inibições e
distúrbios físicos. Em seu estado de vigília a moça não podia descrever mais do
que outros pacientes como seus sintomas haviam surgido, assim como não podia
descobrir ligação alguma entre eles e quaisquer experiências de sua vida. Na
hipnose ela de pronto descobria a ligação que faltava. Aconteceu que todos os
seus sintomas voltavam a fatos comovedores que experimentara enquanto cuidava
do pai; isto é, seus sintomas tinham um significado e eram resíduos ou
reminiscências daquelas situações emocionais. Verificou-se na maioria dos casos
que tinha havido algum pensamento ou impulso que ela tivera de suprimir
enquanto se encontrava à cabeceira de enfermo, e que, em lugar dele, como
substituto do mesmo, surgira depois o sintoma. Mas em geral o sintoma não era o
precipitado de uma única cena ‘traumática’ dessa natureza, mas o resultado de
uma soma de grande número de situações semelhantes. Quando a paciente se
recordava de uma situação dessa espécie de forma alucinatória, sob a hipnose, e
levava até sua conclusão, com uma expressão livre de emoção, o ato mental que
ela havia originalmente suprimido, o sintoma era eliminado e não voltava. Por
esse processo Breuer conseguiu, após longos e penosos esforços, aliviar a
paciente de seus sintomas. – p. 26/27;
_ Breuer referiu-se ao nosso
método como catártico; explicou-se sua finalidade terapêutica como sendo a de
proporcionar que a cota de afeto utilizada para manter o sintoma, que se
desencaminhara e que, por assim dizer, se tinha tornado estrangulada ali, fosse
dirigida para a trilha normal ao longo da qual pudesse obter descarga (ou
ab-reação). Os resultados práticos do processo catártico foram excelentes. Seus
defeitos, que se tornaram evidentes depois, eram os de todas as formas de
tratamento hipnótico. – p. 28/29;
_ Outro resultado de eu haver
empreendido o estudo de perturbações nervosas em geral foi que alterei a
técnica da catarse. Abandonei o hipnotismo e procurei substituí-lo por algum
outro método, porque estava ansioso por não ficar restringido ao tratamento de
condições histeriformes. – p. 33;
_ Assim, abandonei o
hipnotismo, conservando apenas meu hábito de exigir do paciente que ficasse
deitado num sofá enquanto eu ficava sentado ao lado dele, vendo-o, mas sem que
eu fosse visto. – p. 34;
III
_ considerações sobre o
processo e teoria da repressão. – p. 35/36;
_ A teoria da repressão
tornou-se a pedra angular da nossa compreensão das neuroses. Um ponto de vista
diferente teve então de ser adotado no tocante à tarefa da terapia. Seu
objetivo não era mais ‘ab-reagir’ um afeto que se desencaminhara, mas revelar
repressões e substituí-las por atos de julgamento que podiam resultar quer na
aceitação, quer na condenação do que fora anteriormente repudiado. Demonstrei
meu reconhecimento da nova situação não denominando mais meu método de pesquisa
e de tratamento de catarse, mas de psicanálise. –
p. 36;
_ A psicanálise considerava
tudo de ordem mental como sendo, em primeiro lugar, inconsciente; a qualidade
ulterior de ‘consciência’ também pode estar presente ou ainda pode estar
ausente. Isto naturalmente provocou uma negação por parte dos filósofos, para os
quais ‘consciente’ e ‘mental’ eram idênticos, e que protestaram que não podiam
conceber um absurdo como o ‘mental inconsciente’. – p. 37;
_ Já mencionei que minha
investigação das causas precipitantes e subjacentes das neuroses levou-me cada
vez com maior freqüência a conflitos entre os impulsos sexuais do indivíduo e
suas resistências à sexualidade. – p. 38;
_ Quando me havia refeito, fui
capaz de tirar as conclusões certas da minha descoberta: a saber, que os
sintomas neuróticos não estavam diretamente relacionados com fatos reais, mas
com fantasias impregnadas de desejos, e que, no tocante à neurose, a realidade
psíquica era de maior importância que a realidade material. Mesmo agora não
creio que forcei as fantasias de sedução aos meus pacientes, que as ‘sugeri’.
Eu tinha de fato tropeçado pela primeira vez no complexo de Édipo, que depois
iria assumir importância tão esmagadora, mas que eu ainda não reconhecia sob
seu disfarce de fantasia. Além disso, a sedução durante a infância retinha
certa parcela, embora mais humilde, na etiologia das neuroses. Mas os sedutores
vieram a ser, em geral, crianças mais velhas. –
p. 40;
_ considerações sobre a
escolha da neurose. – p. 41;
_ considerações sobre as
formações reativas de moralidade. – p. 42;
_ Encaradas do ponto de vista
psicanalítico, mesmo as perversões mais excêntricas e repelentes são
explicáveis como manifestações da primazia dos órgãos genitais e que se acham
agora em busca do prazer por sua própria conta, como nos primeiros dias do desenvolvimento
da libido. A mais importante dessas perversões, a homossexualidade, quase não
merece esse nome. Ela pode ser remetida à bissexualidade constitucional de
todos os seres humanos e aos efeitos secundários da primazia fálica. A
psicanálise permite-nos apontar para um vestígio ou outro de uma escolha
homossexual em todos os indivíduos. Se eu descrevi as crianças como
‘polimorficamente perversas’ estava apenas empregando uma terminologia que era
geralmente corrente; não estava implícito qualquer julgamento moral. A
psicanálise não se preocupa em absoluto com tais julgamentos de valor. – p. 43;
IV
_ As teorias da resistência e
da repressão, do inconsciente, da significância etiológica da vida sexual e da
importância das experiências infantis – tudo isto forma os principais
constituintes da estrutura teórica da psicanálise. Nestas páginas,
infelizmente, pude apenas descrever os elementos separados e não suas
interligações e sua relação uns com os outros. Mas sou obrigado agora a voltar
às alterações que gradativamente se verificam na técnica do método analítico.
Os meios que primeiramente adotei para superar a
resistência do paciente, pela insistência e pelo estímulo, tiveram de ser
indispensáveis para a finalidade de proporcionar-me um primeiro apanhado geral
que era de se esperar. Mas em última análise veio a ser um esforço demasiado de
ambos os lados, e além disso parecia aberto a certas críticas evidentes. Deu,
portanto, lugar a outro que era, em certo sentido, seu oposto. Em vez de
incitar o paciente a dizer algo sobre algum assunto específico, pedi-lhe então
que se entregasse a um processo de associação livre – isto é, que dissesse o
que lhe viesse à cabeça, enquanto deixasse de dar qualquer orientação
consciente a seus pensamentos. Era essencial, contudo, que ele se obrigasse a
informar literalmente tudo que ocorresse à sua autopercepção, e não desse
margem a objeções críticas que procurassem pôr certas associações de lado, com
base no fundamento de que não eram irrelevantes ou inteiramente destituídas de
sentido. Não houve necessidade de repetir explicitamente a exigência de
franqueza por parte do paciente ao relatar seus pensamentos, pois era
precondição do tratamento analítico inteiro.
Poderá parecer surpreendente que esse método de
associação livre, levado a cabo sob a observação da regra fundamental da
psicanálise, deva ter alcançado o que dele se esperava, a saber, o levar até a
consciência o material reprimido que era retido por resistências. Devemos,
contudo, ter em mente que a associação livre não é realmente livre. O paciente
permanece sob a influência da situação analítica, muito embora não esteja
dirigindo suas atividades mentais para um assunto específico. Seremos
justificados ao presumir que nada lhe ocorrerá que não tenha alguma referência com
essa situação. Sua resistência contra a reprodução do material reprimido será
agora expressa de duas maneiras. Em primeiro lugar, será revelada por objeções
críticas; e foi para lidar com tais objeções que a regra fundamental da
psicanálise foi inventada. – p. 45;
_ considerações sobre a
psicanálise como arte de interpretação e sobre a transferência. – p. 46/47;
_ considerações sobre a
elaboração onírica. – p. 49/50;
V
_ considerações sobre a
história externa da psicanálise. – p. 52/54;
_ Se se deixar de lado o
período catártico preliminar, a história da psicanálise enquadra-se, do meu
ponto de vista, em duas fases. Na primeira dessas fiquei sozinho e tive de
fazer eu mesmo todo trabalho: isso ocorreu de 1895-6 até 1906 ou 1907. Na segunda
fase, que durou desde então até o presente momento, quando uma grave doença me
adverte do fim que se aproxima, posso pensar com espírito tranqüilo na cessação
de meus próprios labores. Por esse mesmo motivo, contudo, é-me impossível neste
Estudo Autobiográfico tratar tão plenamente do progresso da psicanálise durante
a segunda fase como o fiz com sua gradativa ascensão durante a primeira, que
dizia respeito apenas à minha própria atividade. Julgo que devo apenas ter a
justificativa de mencionar aqui essas novas descobertas nas quais ainda
desempenhei um papel proeminente, em particular, portanto, aquelas feitas na
esfera do narcisismo, da teoria dos instintos, e da aplicação da psicanálise às
psicoses.
Devo começar dizendo que a crescente experiência
revelava cada vez mais claramente que o complexo edipiano era o núcleo da
neurose. Era ao mesmo tempo o clímax da vida sexual infantil e o ponto de
junção do qual todos os seus desenvolvimentos ulteriores provieram. Mas em caso
afirmativo, não era mais possível esperar que a análise descobrisse um fator
que era específico na etiologia das neuroses. Deve ser verdade, como Jung
expressou tão bem nos primeiros dias em que ainda era analista, que as neuroses
não possuem conteúdo peculiar algum que pertença exclusivamente a elas, mas que
os neuróticos sucumbem às mesmas dificuldades que são superadas com êxito por
pessoas normais. Essa descoberta estava muito longe de ser um desapontamento.
Estava em completa harmonia com outra: que a psicologia profunda revelada pela psicanálise
era de fato a psicologia da mente normal. Nosso caminho tinha sido como o da
química: as grandes diferenças qualitativas entre substâncias eram remetidas a
variações quantitativas nas proporções em que os mesmos elementos eram
combinados.
No complexo edipiano viu-se que a libido estava
ligada à imagem das figuras dos pais. – p. 58/59;
_ considerações sobre a
compulsão de repetição. – p. 60;
_ Eu já fizera tentativas, em
fases mais antigas do meu trabalho, para chegar a alguns pontos de vista mais
gerais com base na observação psicanalítica. Em um curto ensaio, ‘Formulações
sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental’[1911b], chamei a atenção (e
não havia, naturalmente, nada de original nisso) para o domínio do princípio de
prazer-desprazer na vida mental e para o seu deslocamento pelo que é denominado
de princípio de realidade. Posteriormente [em 1915] fiz uma tentativa para
produzir uma ‘Metapsicologia’. Com isso eu queria dizer um método de abordagem
de acordo com o qual todo processo mental é considerado em relação com três
coordenadas, as quais eu descrevi como dinâmica, topográfica e econômica,
respectivamente; e isso me pareceu representar a maior meta que a psicologia
poderia alcançar. A tentativa não passou de uma obra incompleta; após escrever
dois ou três artigos – ‘Os Instintos e suas Vicissitudes’ [1915c], ‘Repressão’
[1915d], ‘O Inconsciente’ [1915e], ‘Luto e Melancolia’ [1917e] etc. – fiz uma
interrupção, talvez acertadamente, visto que o tempo para afirmações dessa
espécie ainda não havia chegado. Em meus mais recentes trabalhos especulativos
entreguei-me à tarefa de dissecar nosso aparelho mental, com base no ponto de
vista analítico dos fatos patológicos, e o dividi em um ego, um id e um
superego. O superego é o herdeiro do complexo edipiano e representa os padrões
éticos da humanidade.
Não gostaria de dar a impressão de que durante esse
último período de meu trabalho voltei as costas à observação de pacientes e me
entreguei inteiramente à especulação. Ao contrário, sempre fiquei no mais
íntimo contato com o material analítico e jamais deixei de trabalhar em pontos
detalhados de importância clínica ou técnica. Mesmo quando me afastei da
observação, evitei cuidadosamente qualquer contato com a filosofia propriamente
dita. Essa evitação foi grandemente facilitada pela incapacidade
constitucional. Sempre me mostrei receptivo às idéias de G. T. Fechner e segui
esse pensador em muitos pontos importantes. O alto grau em que a psicanálise
coincide com a filosofia de Schopenhauer – ele não somente afirma o domínio das
emoções e a suprema importância da sexualidade, mas também estava até mesmo
cônscio do mecanismo da repressão – não deve ser remetida à minha familiaridade
com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida. Nietzsche,
outro filósofo cujas conjecturas e intuições amiúde concordam, da forma mais
surpreendente, com os laboriosos achados da psicanálise, por muito tempo foi
evitado por mim, justamente por isso mesmo; eu estava menos preocupado com a
questão da prioridade do que em manter minha mente desimpedida. – p. 62/63;
_ Os pacientes mentais, em
geral, não têm a capacidade de formar um transferência positiva, de modo que o
principal instrumento da técnica analítica é inaplicável aos mesmos. – p. 63;
_ Mas a principal consideração
nesse sentido é que muitas coisas que nas neuroses tiveram de ser buscadas nas
profundidades são encontradas nas psicoses da superfície, visíveis a todos. – p. 63;
VI
_ Era tentador prosseguir dali
uma tentativa de análise da criação poética e artística em geral. O domínio da
imaginação logo foi visto como uma ‘reserva’ feita durante a penosa transição
do princípio de prazer para o princípio de realidade a fim de proporcionar um
substituto para as satisfações instintuais que tinham de ser abandonadas na
vida real. O artista, como o neurótico, se afastara de uma realidade
insatisfatória para esse mundo da imaginação; mas, diferentemente do neurótico,
sabia encontrar o caminho de volta daquela e mais uma vez conseguir um firme
apoio na realidade. – p. 67;
_ Eu próprio atribuí um valor
mais elevado a minhas contribuições à psicologia da religião, que começaram com
o estabelecimento de marcante similitude entre as práticas religiosas ou ritual
(1907b). Sem ainda compreender as ligações mais profundas, descrevi a neurose
obsessiva como uma religião particular distorcida e a religião como uma espécie
de neurose obsessiva universal. Posteriormente, em 1912, a indicação
convincente de Jung das analogias de amplas conseqüências entre os produtos
mentais dos neuróticos e dos povos primitivos levou-me a voltar minha atenção
para aquele assunto. Em quatro ensaios, enfeixados num livro com o título de
Totem e tabu [1912-13], mostrei que o horror do incesto era ainda mais
acentuado entre as raças primitivas do que entre as civilizadas e dera lugar a
medidas muito especiais de defesa contra ele. Examinei as relações entre as
proibições tabus (a forma mais antiga na qual as restrições morais fazem seu
surgimento) e a ambivalência emocional, e descobri sob o esquema primitivo do
universo conhecido como ‘animismo’ o princípio da superestimativa da
importância da realidade psíquica – a crença ‘na onipotência dos pensamentos’ –
que está na raiz da magia também. Desenvolvi a comparação com a neurose
obsessiva em todos os pontos, e mostrei quantos dos postulados da vida mental
primitiva ainda estão em vigor nessa notável doença. Antes de tudo, todavia,
vi-me atraído pelo totemismo, o primeiro sistema de organização nas tribos
primitivas, um sistema no qual os inícios da ordem social estão unidos com uma
religião rudimentar e com o domínio implacável de um pequeno número de
proibições tabus. O ser reverenciado é, em última análise, sempre um animal, do
qual o clã também pode reivindicar ser descendente. Muito indícios apontavam
para a conclusão de que toda raça, mesmo a mais altamente desenvolvida, havia
outrora passado pela fase do totemismo.
As principais fontes literárias de meus estudos
nesse campo foram as conhecidas obras de J. G. Frazer (Totemism and Exogamy e
The Golden Bough), um filão de valiosos fatos e opiniões. Mas Frazer pouco
realizou no sentido de elucidar os problemas do totemismo: ele várias vezes
alterara fundamentalmente seus pontos de vista sobre o assunto, e os outros
etnólogos e pré-historiadores parecem estar em igual incerteza e discordância.
Meu ponto de partida foi a impressionante correspondência entre as duas
ordenações tabus do totemismo (não matar o totem e não ter relações sexuais com
qualquer mulher do mesmo clã do totem) e os dois elementos do complexo de Édipo
(livrar-se do pai e tomar a mãe como esposa). Vi-me, portanto, tentado a
equacionar o animal-totem com o pai; e, de fato, os próprios povos primitivos
fazem isso explicitamente honrando-o como o ancestral do clã. – p. 68/69;
_ considerações sobre o sentimento
de culpa inconsciente. – p. 71;
_ Não é mais possível
restringir a pratica da psicanálise a médicos e dela excluir os leigos. De
fato, um médico que não tenha passado por uma formação especial é, apesar do
seu diploma, um leigo em análise, e alguém que não seja médico mas que tenha
sido adequadamente formado pode, com referência ocasional a um médico, levar a
efeito o tratamento analítico não somente de crianças mas também de neuróticos.
Por um processo de desenvolvimento contra o qual
teria sido inútil lutar, o próprio termo ‘psicanálise’ tornou-se ambíguo.
Embora fosse originalmente o nome de um método terapêutico específico, agora
também se tornou a denominação de uma ciência – a ciência dos processos mentais
inconscientes. Por si só, essa ciência é poucas vezes capaz de lidar com um
problema de maneira completa, mas parece fadada a prestar valiosa ajuda nos
mais variados campos do conhecimento. A esfera de aplicação da psicanálise
estende-se até a da psicologia, com a qual forma um complemento do maior
significado.
Lançando um olhar retrospectivo, portanto, ao
mosaico que são labores da minha vida, posso dizer que comecei muitas vezes e
joguei fora muitas sugestões. Algo surgirá deles no futuro, embora eu mesmo não
possa dizer se será muito ou pouco. Posso, contudo, expressar a esperança de
que abri um caminho para importante progresso em nossos conhecimentos. – p. 72;
Pós-escrito (1935)
_ Dois temas ocupam essas
páginas: a história da minha vida e a história da psicanálise. Elas se acham
intimamente entrelaçadas. Esse Estudo Autobiográfico mostra como a psicanálise
veio a ser todo o conteúdo de minha vida e com razão presume que minhas experiências
pessoais não são de qualquer interesse ao se traçar um paralelo de minhas
relações com aquela ciência. – p. 75;
_ Percebi ainda mais
claramente que os fatos da história, as interações entre a natureza humana, o
desenvolvimento cultural e os precipitados das experiências primitivas (cujo
exemplo mais proeminente é a religião) não passam de um reflexo dos conflitos
dinâmicos entre o ego, o id e o superego que a psicanálise estuda no indivíduo
– são os mesmíssimos processos repetidos numa fase mais ampla. Em O Futuro de
uma Ilusão exprimi uma avaliação essencialmente negativa da religião. Depois,
encontrei uma fórmula que lhe fazia melhor justiça: embora admitindo que sua
força reside na verdade que ela contém, mostrei que a verdade não era uma verdade
material mas histórica. – p. 76;
Inibições, sintomas e
ansiedade (1926[1925])
Introdução do editor inglês
(a) A ansiedade como libido
transformada
_ considerações sobre o
princípio da constância. – p. 82;
_ ‘Um dos resultados mais
importantes da pesquisa psicanalítica é essa descoberta de que a ansiedade
neurótica se origina da libido, que é produto de uma transformação desta e que,
assim, se relaciona com ela da mesma forma que o vinagre com o vinho’. (Edição
Standard Brasileira, Vol. VIII, p. 231, IMAGO Editora, 1972.) É curioso
observar, contudo, que numa fase bem inicial Freud parece haver sido assaltado
por dúvidas sobre o assunto. Numa carta a Fliess de 14 de novembro de 1897
(Freud, 1950a, carta 75), ele observa, sem qualquer conexão aparente com o
restante do que vem escrevendo: ‘Resolvi, então, de agora por diante considerar
como fatores separados o que causa a libido e o que causa ansiedade’. Não se
encontra em parte alguma qualquer outra prova dessa retratação isolada. Na obra
que temos diante de nós Freud desiste da teoria que sustentara por tanto tempo.
Ele não considerava mais a ansiedade como libido transformada, mas como uma
reação sobre um modelo específico a situações de perigo. Mas mesmo aqui ainda
sustentava [1] que era bem possível que no caso da neurose de angústia ‘o que
encontra descarga na geração da ansiedade é precisamente o excedente da libido
não utilizada’. Essa última relíquia da antiga teoria iria ser abandonada
poucos anos depois. Num trecho perto do final de seu exame sobre ansiedade, na
Conferência XXXII de suas New Introductory Lectures (1933a), escreveu que
também na neurose de angústia o surgimento de ansiedade era uma reação a uma
situação traumática: ‘não sustentaremos mais que é a própria libido que se
transformou em ansiedade em tais casos.’ – p. 83;
(b) A ansiedade realística e
neurótica
_ ‘A psique é dominada pelo
afeto de ansiedade se sentir que é incapaz de lidar por meio de uma reação
apropriada com uma tarefa (um perigo) que se aproxima de fora. Nas neuroses é
dominada pela ansiedade se notar que é incapaz de atenuar uma excitação
(sexual) que tenha surgido de dentro. Assim se comporta, como se estivesse
projetando essa excitação para fora. O fato [ansiedade normal] e a neurose
correspondente se acham em firme relação um com a outra: o primeiro é a reação
a uma excitação exógena e a segunda a uma reação endógena análoga.’. – p. 84;
(c) A situação traumática e as
situações de perigo
_ O determinante fundamental
da ansiedade automática é a ocorrência de uma situação traumática; e a essência
disto é uma experiência de desamparo por parte do ego face de um acúmulo de
excitação, quer de origem externa quer interna, com que não se pode lidar. A
ansiedade ‘como um sinal’ é a resposta do ego à ameaça da ocorrência de uma
situação traumática. Tal ameaça constitui uma situação de perigo. Os perigos
internos modificam-se com o período de vida, mas possuem uma característica
comum, a saber, envolver a separação ou perda de um objeto amado, ou uma perda
de seu amor – uma perda ou separação que poderá de várias maneiras conduzir a
um acúmulo de desejos insatisfatórios e dessa maneira a uma situação de
desamparo. Embora Freud não houvesse reunido antes todos esses fatores, cada um
deles tem uma longa história prévia. – p. 85;
(d) A ansiedade como um sinal
(e) A ansiedade e o nascimento
Inibições, sintomas e
ansiedade
_ As principais
características dos sintomas já foram estudadas há muito e, espero,
estabelecidas sem discussão. Um sintoma é um sinal e um substituto de uma
satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma conseqüência do
processo de repressão. A repressão se processa a partir do ego quando este –
pode ser por ordem do superego – se recusa a associar-se com uma catexia
instintual que foi provocada no id. O ego é capaz, por meio de repressão, de
conservar a idéia que é o veículo do impulso repreensível a partir do tornar-se
consciente. A análise revela que a idéia amiúde persiste como uma formação
inconsciente. – p. 95;
_ Voltando ao problema do ego.
A contradição aparente deve-se ao fato de termos considerado as abstrações de
maneira por demais rígida e de termos atendido exclusivamente ora a um lado,
ora a outro daquilo que é de fato um complicado estado de coisas. Estávamos
justificados, penso eu, em separar o ego do id, pois há certas considerações
que necessitam dessa medida. Por outro lado, o ego é idêntico ao id, sendo
apenas uma parte especialmente diferenciada do mesmo. Se considerarmos essa
parte em si mesma em contraposição ao todo, ou se houver ocorrido uma
verdadeira divisão entre os dois, a fragilidade do ego se torna evidente. Mas se
o ego permanecer vinculado ao id e indistinguível dele, então ele exibe a sua
força. O mesmo se aplica à relação entre o ego e o superego. Em muitas
situações os dois se acham fundidos; e em geral só podemos distinguir um do
outro quando há uma tensão ou conflito entre eles. Na repressão, o fato
decisivo é que o ego é uma organização e o id não. O ego é, na realidade, a
parte organizada do id. Estaríamos inteiramente errados se figurássemos o ego e
o id como dois campos opostos e se supuséssemos que, quando o ego tenta
suprimir uma parte do id por meio de repressão, o restante do id vai em socorro
da parte que se acha em perigo e mede sua força com o ego. Isto poderá amiúde
ser o que acontece, mas por certo não é a situação inicial na repressão. Em
geral, o impulso inicial que irá ser reprimido permanece isolado. Embora o ato
de repressão demonstre a força do ego, em um ponto específico ele revela a
impotência do ego e quão impenetráveis à influência são os impulsos instintuais
do id, pois o processo mental que se transformou em um sintoma devido à
repressão mantém agora sua existência fora da organização do ego e
independentemente dele. Na realidade, não é somente aquele processo, mas todos
os seus derivados que usufruem, por assim dizer; desse mesmo privilégio de
extraterritorialidade; e sempre que entram em contato associativo com uma parte
da organização do ego, não é de modo algum certo que não atraiam essa parte
para si próprio e assim se ampliem às expensas do ego. – p. 101;
_ considerações sobre o ganho
secundário proveniente da doença. – p. 103;
_ A um primeiro vislumbre,
somos tentados a responder que o caso não é assim tão obscuro. O inexplicável
medo de ‘Little Hans’ por cavalos era o sintoma e sua incapacidade de sair à
rua era uma inibição, uma restrição que o ego do menino impusera a si mesmo a
fim de não despertar o sintoma de ansiedade. O segundo ponto é claramente
correto e no exame que se segue não me preocuparei mais com essa inibição. Mas
no tocante ao sintoma alegado, um conhecimento superficial do caso nem sequer
revela sua verdadeira formulação, pois uma investigação posterior indica que
aquilo de que o menino sofria não era um medo vago de cavalos, mas apreensão
bem definida de que um cavalo ia mordê-lo. Essa idéia, na realidade,
esforçava-se por retirar-se da consciência e ser substituída por uma fobia
indefinida, na qual somente a ansiedade e seu objeto ainda apareciam. Talvez
tenha sido essa idéia que tenha constituído o núcleo do sintoma do ‘Little
Hans’?
Não faremos qualquer progresso enquanto não
tivermos passado em revista a situação psíquica do menino como um todo, quando
ela veio à luz no curso do tratamento analítico. Ele se encontrava, à época, na
atitude edipiana ciumenta e hostil em relação ao pai, a quem, não obstante –
salvo até onde a mãe dele era a causa de desavença -, amava ternamente. Aqui,
então, temos um conflito devido à ambivalência: um amor bem fundamentado e um
ódio não menos justificável dirigidos para a mesmíssima pessoa. A fobia de
‘Little Hans’ deve ter sido uma tentativa de solucionar esse conflito. Conflitos
dessa natureza devidos à ambivalência são muito freqüentes e podem ter outro
resultado típico, no qual um dos dois sentimentos conflitantes (em geral o da
afeição) se torna imensamente intensificado e o outro desaparece. – p. 105;
_ Aqui, então, está o nosso
inesperado achado: em ambos os pacientes a força motriz da repressão era o medo
da castração. As idéias contidas na ansiedade deles – a de ser mordido por um
cavalo e a de ser devorado por um lobo – eram substitutos, por distorção, da
idéia de serem castrados pelo pai. Esta foi a idéia que sofreu repressão. – p.
111;
_ No momento estamos tratando
do início do período de latência, um período que se caracteriza pela dissolução
do complexo de Édipo, pela criação ou consolidação do superego e pela edificação
de barreiras éticas e estéticas no ego. Nas neuroses obsessivas esses processos
são levados mais longe do que o normal. Além da destruição do complexo de Édipo
verifica-se uma degradação regressiva da libido, o superego torna-se
excepcionalmente severo e rude, e o ego, em obediência ao superego, produz
fortes formações reativas de consciência, piedade e asseio. – p. 117;
_ Mas nesse esforço para
impedir associações e ligações de pensamento, o ego está obedecendo a uma das
ordens mais antigas e fundamentais da neurose obsessiva, o tabu de tocar. Se
perguntarmos a nós mesmos por que a evitação do tocar, do contato ou do
contágio deve desempenhar papel relevante nessa neurose e deve tornar-se o tema
de complicados sistemas, a resposta é que o toque e o contato físico são a
finalidade imediata da catexias objetais agressivas e amorosas. Eros deseja o
contato porque se esforça por tornar o ego e o objeto amado um só, por abrir
todas as barreiras espaciais entre eles. Mas também a destrutividade, que
(antes da invenção de armas de longo alcance) só poderia efetivar-se de perto,
deve pressupor contato físico, em engalfinhamento. ‘Tocar’ uma mulher tornou-se
um eufemismo para utilizá-la como um objeto sexual. Não ‘tocar’ os órgãos
genitais é a expressão empregada para proibir a satisfação auto-erótica. Visto
que a neurose obsessiva começa por perseguir o toque erótico e depois, após
ter-se verificado a regressão, passa a perseguir o toque erótico à guisa de
agressividade, depreende-se que nada é tão fortemente proscrito nessa doença
como o tocar, nem tão bem adequado para tornar-se o ponto central de um sistema
de proibições. Mas isolar é remover a possibilidade de contato; é um método de
evitar que uma coisa seja tocada de qualquer maneira. E quando um neurótico isola
uma impressão ou uma atividade interpolando um intervalo, ele está deixando que
se compreenda simbolicamente que ele não permitirá que seus pensamentos sobre
aquela impressão ou atividade entrem em contato associativo com outros
pensamentos. –
p. 123;
_ Em ocasião anterior declarei
que as fobias têm a natureza de uma projeção devido ao fato de que substituem
um perigo interno instintual por outro externo e perceptual. – p. 127;
_ A ansiedade sentida nas
fobias de animais é, portanto, uma reação afetiva por parte do ego ao perigo; e
o perigo que está sendo assinalado dessa forma é o perigo de castração. Essa
ansiedade não difere em aspecto algum da ansiedade realística que o ego
normalmente sente em situações de perigo, salvo que seu conteúdo permanece inconsciente
e apenas se forma consciente sob a forma de uma distorção. – p. 127;
_ A primeira experiência de
ansiedade pela qual passa um indivíduo (no caso de seres humanos, seja como
for) é o nascimento, e, objetivamente falando, o nascimento é uma separação da
mãe. Poderia ser comparado a uma castração da mãe (equiparando a criança a um
pênis). Ora, seria muito satisfatório se a ansiedade, como símbolo de uma
separação, devesse ser repetida em toda ocasião subseqüente na qual uma
separação ocorresse. – p. 131;
_ Visto não haver qualquer
dúvida de que a histeria tem forte afinidade com a feminilidade, da mesma forma
que a neurose obsessiva com a masculinidade, afigura-se provável que, como um
determinante da ansiedade, a perda do amor desempenha o mesmíssimo papel na
histeria que a ameaça da castração nas fobias e o medo do superego na neurose
obsessiva. –
p. 143;
Adendos
A – Modificações de pontos de
vista anteriores
(a) Resistência a anticatexia
(b) Ansiedade a partir da
transformação da libido
(c) Repressão e defesa
B – Observações suplementares
sobre a ansiedade
C – Ansiedade, dor e luto
Apêndice A – Repressão e
defesa
Apêndice B – Lista de escritos
de Freud que tratam da ansiedade
A Questão da análise leiga –
conversações com uma pessoa imparcial (1926)
_ O título deste pequeno
trabalho não é de pronto inteligível. Portanto, eu o explicarei. ‘Leigo’ =
‘Não-médico’; e a questão é se os não-médicos bem como os médicos devem ter
permissão para praticar a análise. Essa questão tem suas limitações tanto no tempo
como no espaço. – p. 181;
_ Nada, contudo, merece mais
atenção do que o fato de as crianças regularmente dirigirem seus desejos
sexuais para os seus parentes mais próximos – em primeiro lugar, portanto, para
o pai e a mãe, e depois para seus irmãos e irmãs. O primeiro objeto do amor de
um menino é sua mãe, e de uma menina seu pai (exceto até onde uma disposição
bissexual inata favorece a presença simultânea da atitude contrária). Sente-se
o outro genitor como um rival perturbador, e não infreqüentemente é encarado
com forte hostilidade. – p. 209;
_ Prometo-lhe recuperação ou
melhoria se ele seguir minhas instruções. Estimulo-o a dizer-me com toda
franqueza tudo que ele sabe e que lhe ocorre, e que não se desvie dessa
intenção mesmo se algumas coisas lhe sejam desagradáveis de dizer. Assimilei a
regra de maneira apropriada?’
Assimilou. O senhor deve acrescentar: ‘mesmo se o
que lhe ocorrer lhe parecer destituído de importância ou de sentido.’
‘Acrescentarei isso. Logo ele começa a falar e eu a
ouvir. E então? Infiro do que ele me diz a espécie de impressões, experiências
e desejos que reprimiu porque se defrontou com eles numa época em que seu ego
ainda estava fraco e tinha medo deles em vez de enfrentá-los. Quando ele tiver
aprendido isso de mim, voltará às antigas situações e com minha ajuda ele se
sai melhor. As limitações às quais seu ego estava vinculado então desaparecem,
e ele fica curado. Está certo?’ – p. 215;
_ O senhor já terá adivinhado
que o superego é o veículo do fenômeno que chamamos de consciência. A saúde mental
muito depende de o superego ser normalmente desenvolvido – isto é, de haver-se
tornado suficientemente impessoal. E é isso precisamente o que não ocorre nos
neuróticos cujo complexo de Édipo não passou pelo processo correto de transformação.
O superego deles ainda se confronta com seu ego como um pai rigoroso se
defronta com um filho: e sua moralidade atua de maneira primitiva devido ao ego
ser punido pelo superego. A doença é empregada como um instrumento para essa
‘autopunição’, e os neuróticos têm de comportar-se como se fossem governados
por um sentimento de culpa que, a fim de ser satisfeito, precisa ser punido
pela doença. – p. 220;
_ O paciente está repetindo
com o analista, sob a forma de apaixonar-se, experiências mentais pelas quais
já passou antes; ele transferiu para o analista atitudes mentais que estavam
prontas nele e intimamente associadas com sua neurose. – p.
223;
_ Ceder às exigências da
transferência, atender aos desejos do paciente no sentido de satisfação afetuosa
e sensual, é não só com justiça proibido por considerações morais como também é
inteiramente ineficaz como um método técnico para alcançar a finalidade da
análise. Um neurótico não pode ser curado por lhe ser permitido reproduzir
estereótipos incorretos e inconscientes que nele estão à mão. Se nos
empenharmos em conciliações com ele mediante a oferta de satisfações parciais
em troca de sua colaboração ulterior na análise, devemos ter cuidado para não
incidirmos na situação ridícula do clérigo que devia converter um agente de
seguros enfermo. O doente continuou não convertido mas o clérigo despediu-se
segurado. A única saída possível da situação de transferência é remontá-la ao
passado do paciente, como ele realmente a experimentou ou como ele a imaginou
através da atividade realizadora de desejos de sua imaginação. E isto exige do
analista muita habilidade, paciência, calma e abnegação própria.
‘E onde o senhor supõe que o neurótico experimentou
o protótipo do seu amor transferencial?’
Em sua infância: em geral, em sua relação com um
dos seus pais. O senhor deve lembrar-se da importância que tivemos de atribuir
a esses primeiros laços emocionais. Assim, aqui o círculo se fecha. – p.
223/224;
_ Uma debilidade do ego dessa
espécie é encontrada em todos nós na infância e eis por que as experiências dos
primeiros anos da infância são de importância tão grande para a vida ulterior.
Sob o fardo extraordinário desse período da infância – temos em poucos anos de
abarcar a enorme distância de desenvolvimento entre os homens primitivos da
idade da pedra e os participantes da civilização contemporânea, e, ao mesmo
tempo e em particular, temos de desviar os impulsos instituais do período
sexual inicial -, sob esse fardo, portanto, nosso ego procura refúgio na
repressão e fica exposto a uma neurose da infância, cujo precipitado ele
carrega consigo até a maturidade como uma disposição a uma doença nervosa
ulterior. Tudo agora depende de como o organismo em crescimento é tratado pelo
destino. Se a vida tornar-se muito árdua, se o abismo entre reivindicações
instituais e as exigências da realidade tornar-se grande demais, o ego poderá
falhar em seus esforços para reconciliar os dois, e mais prontamente, quanto mais
for inibido pela disposição trazida por ele na infância. O processo de
repressão é então repetido, os instintos separam-se violentamente do domínio do
ego, encontram suas satisfações substitutivas pelos caminhos da regressão e o
pobre ego tornou-se desamparadamente neurótico.
Apeguemo-nos firmemente apenas a isto: o ponto
nodal e o pivô de toda a situação é a força relativa da organização do ego. – p.
237;
_ O emprego da análise para o
tratamento das neuroses é somente uma das suas aplicações; o futuro talvez
demonstre que não é o mais importante. – p. 243;
_ Um tratamento que combine a
influência analítica com medidas educacionais, levado a efeito por pessoas que
não se envergonhem de interessar-se pelos assuntos próprios do mundo da
criança, e que compreendam como orientar-se na vida mental de uma criança, pode
ocasionar duas coisas ao mesmo tempo: a eliminação dos sintomas neuróticos e a
reversão da mudança de caráter que havia começado. Nosso reconhecimento da
importância dessas neuroses obscuras das crianças, como sendo o que alicerça a
disposição para graves doenças mais adiante na vida, ressalta essas análises
infantis como excelente método de profilaxia. A análise indubitavelmente ainda
tem seus inimigos. Não sei se estes dispõem de meios ao seu alcance para
paralisar as atividades desses analistas educacionais ou educadores analíticos.
Não penso que seja muito provável; mas nunca se pode estar muito certo. – p. 244/245;
Pós-escrito (1927)
_ Não terá escapado aos meus
leitores que naquilo que afirmei presumi como axiomático algo que é ainda
violentamente debatido no exame. Presumi, vale dizer, que a psicanálise não é
um ramo especializado da medicina. Não vejo como é possível discutir isso. A
psicanálise é uma parte da psicologia; não da psicologia médica no velho
sentido, não da psicologia de processos mórbidos, mas simplesmente da
psicologia. – p. 248;
_ Após quarenta e um anos de
atividade médica, meu autoconhecimento me diz que nunca fui realmente médico no
sentido adequado. Tornei-me médico por ter sido compelido a desviar-me do meu
propósito original; e o triunfo da minha vida está em eu haver, após uma viagem
longa e indireta, encontrado meu caminho de volta à minha senda mais antiga.
Não tenho conhecimento algum de haver tido qualquer anseio, na minha primeira
infância, de ajudar a humanidade sofredora. Minha disposição sádica inata não
foi muito forte, de modo que não tive qualquer necessidade de desenvolver essa
disposição dos seus derivados. Nem jamais ‘brinquei de médico’; minha
curiosidade infantil evidentemente escolheu outros caminhos. Em minha juventude
senti uma necessidade absorvente de compreender algo dos enigmas do mundo em
que vivemos e talvez mesmo de contribuir com alguma coisa para a solução dos
mesmos. – p. 249;
_ Não procuramos levar-lhe
alívio recebendo-o na comunidade católica, protestante ou socialista. Antes
procuramos enriquecê-lo a partir de suas próprias fontes internas, colocando à
disposição do seu ego aquelas energias que, devido à repressão, se acham
inacessivelmente confinadas em seu inconsciente, bem como aquelas que seu ego é
obrigado a desperdiçar na tarefa infrutífera de manter essas repressões. Uma
atividade como essa é trabalho pastoral no melhor sentido da palavra. – p. 252;
Psicanálise (1926)
Pré-história
_ considerações sobre a teoria
da catarse, a conversão e ab-reação. – p. 259/260;
Tema da Psicanálise
_ A influência terapêutica da
psicanálise depende da substituição de atos mentais inconscientes por
conscientes e vigora dentro dos limites desse fator. A substituição é efetivada
superando-se as resistências internas na mente do paciente. O futuro
provavelmente atribuirá muito maior importância à psicanálise como a ciência do
inconsciente do que como um procedimento terapêutico. A psicanálise, no seu
caráter de psicologia profunda, considera a vida mental de três pontos de
vista: o dinâmico, o econômico e o topográfico. – p. 260/261;
_ A primeira tarefa da
psicanálise foi a elucidação dos distúrbios neuróticos. A teoria analítica
baseia-se em três pedras angulares: o reconhecimento da (1) ‘repressão‘, da (2)
importância do instinto sexual e da (3) ‘transferência‘. – p. 262;
A história externa da
Psicanálise
Bibliografia
Discurso perante a Sociedade
dos B’nai B’rith (1941[1926])
_ O fato de vós serdes judeus
só me poderia ser agradável, pois eu próprio sou judeu, e sempre me parecera
não somente indigno como positivamente insensato negar esse fato. O que me
ligava ao povo judeu não era (envergonho-me de admitir) nem a fé nem o orgulho
nacional, pois sempre fui um descrente e fui educado sem nenhuma religião,
embora não sem respeito pelo que se denomina de padrões ‘éticos’ da civilização
humana. – p. 271;
Breves Escritos (1926)
Karl Abraham 1926
A Romain Rolland (1926)
Nota preambular a um artigo de
E. Pickworth Farrow (1926)
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