Vivia em um recanto quase
esquecido uma serena e jovem pastora que conduzia o seu rebanho de ovelhas com
paz, rastro de sua caminhada.
Havia naquela moça de andar
calmo, uma timidez recatada e uma certa cumplicidade com a natureza, visível a
qualquer um. Cabelos longos e negros, olhar distante, meiguice percebida ainda
que escondida detrás de tanta reserva. Nathalia era o nome dela e delicada
podia ser seu sobrenome.
Pois bem. Aquela doce
pastorinha guardava um segredo. Em noites de luz cheia, Nathalia metamorfoseava-se
em uma linda fada e no mundo dos seres encantados ela era Naty: a fada do amor.
Os cabelos tornavam-se ainda mais longos e negros, suas costas ganhavam
delineadas asas azuis e seus olhos pareciam duas enormes turmalinas porque o
olhar do amor é assim: tudo vê, mas só enxerga o que quer.
Certa noite de luar, como de
costume, Naty passeava entre as colinas sempre em busca de corações
apaixonados, ouviu um sussurro que vinha do firmamento. De mansinho, aproximou-se
do som que toava ao mesmo tempo com angústia e alívio, difícil mesmo descrever
aquele paradoxo.
Deparou-se com a seguinte
cena: uma bela mulher, na beira do abismo do desespero, chorava compulsivamente
a perda de um amor, suas lágrimas eram tantas que o rio da desilusão, esculpido
em uma fenda do abismo, transbordava sangrando as dores daquela mulher. A fada
paralisou diante de tanto desespero. Não estava acostumada com tudo aquilo,
afinal era a fada do amor, lidava com sorrisos, paixões, corações acelerados,
enfim, com o que há de melhor na humanidade.
Ouviu passos na escuridão,
apressadamente, com um certo medo é bem verdade, virou-se para deparar-se com
um duende. Ainda trêmula, indagou dele quem era e o que fazia ali que respondeu
sem qualquer emoção que se chamava desprezo e que era a causa do desespero da
mulher.
Compadecida pela dor da humana interpelou se
poderia fazer algo em favor. O duende, em desdenho, mostrou um espelho de duas
faces: em uma delas refletia-se o amor, na outra a rejeição. Você não passa de uma de minhas faces, refutou
o duende, não se julgue tão importante, no fundo somos um só.
De início Naty nada compreendeu
daquela conversa esquisita, mas se preocupava com o destino da mulher na beira
do abismo. O duende, percebendo a inquietação, cuidou em desestabilizar a fada.
Você nada pode fazer, minha
doce e inocente fada. Cabe a ela, e somente a ela, desapegar-se de mim. Não
esqueça que o que nos faz sofrer não é o amor e sim a multifacetária dor da
rejeição, a qual nos apegamos como a uma ponte para a desesperança.
Tomada de coragem, resolveu
propor ao duende um acordo: se somos faces distintas de nós mesmos, abro mão de
você e já pode ir embora O duende se riu em gargalhadas e logo revidou: isso não depende de você, depende dela. Não se
apercebe que só a ela cabe alimentar o amor ou o ódio? Não atinas que no caso
estou muito mais forte do que tu, frágil amor?
O amor ajoelhou-se diante da mulher sussurrou
em seu ouvido mudo de ódio como um sopro de esperança embalada pela humildade,
porque não havia muito tempo. O abismo se incorporava de forma tal à mulher que
já não se podia perceber onde um começava e onde o outro terminava e era a
partir daí que mudava de nome e atendia por depressão.
Não te reconheces, mulher? Não
sabes do teu valor? Não será você mais importante do que qualquer outro que
idealizas? És preciosa aos olhos do amor maior, o Deus incondicional. Não te
deixes aprisionar pelo duende, sejas forte como o bambu que enverga mas não
quebra porque conhece a sua maior virtude: a fortaleza.
As águas do rio da desilusão
baixaram, o coração sossegou o abismo do desespero já não parecia tão tenebroso,
fez- se luz onde dantes era treva. A mulher levantou-se, sacudiu a poeira,
trançou os cabelos como em um sinal de recomeço e simplesmente saiu, deixando o
desalento a cargo do duende. Compreendeu que como tranças que prendem os
cabelos, é preciso aprender a trançar as tristezas e dores do coração de modo a
não permitir que invadam a alma.
Quanta à Naty, a fada, enfrentou
talvez o seu maior desafio porque lutou com uma de suas faces até então
desconhecida. Deixou aquele lugar, não estava sozinha, seguia agora de mãos
dadas com o amor próprio, outro rosto seu, outrora esquecido, agora liberto
pelo maior duelo do coração travado que foi entre o amor e a rejeição.
Cristiane Caracas
14/10/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário