Alameda das Acácias, número
27. Esse era o endereço do esgoto onde morava Rafa. Um rato branco, tamanho
gigante que de tão grande por vezes era chamado de Rafão.
O esgoto era seu mundo.
Junto com os demais ratos passava horas a fio se divertindo nos locais mais
fétidos e desprezíveis da cidade.
Certo dia, entretanto,
arriscou dar uma olhadela, ainda que rápida, para o lado de fora do “seu
esgoto”. Era assim que Rafa chamava aquele lugar porque se sentia parte dele. E
foi assim que Rafa, por um canto de olho, viu um coelho branco no parque sendo
acariciado por uma criança. Por um instante sentiu uma ponta de inveja do coelho
e pensou:
_ Eu também poderia ser
acariciado. Ora, me pareço com aquele coelho, sou branco, grande, poderia muito
bem me passar por um deles, aposto que ninguém perceberia a diferença. Rafa queria
mesmo era se sentir acariciado e amado como aquele coelho.
Voltou de mansinho para o
esgoto e enquanto os outros ratos se divertiam, pensava em uma maneira de se
igualar ao coelho.
_ Primeiro preciso de um
banho para realçar meus pelos brancos, pensou, e depois os coelhos não andam
sujos como os ratos. Para finalizar cairia bem uma boa água de colônia para
tirar dele o cheiro do esgoto.
E foi assim que Rafa tomou
um demorado banho e despejou quase o vidro inteiro da colônia francesa que Nina,
uma rata metida a chique, tinha lhe dado no amigo secreto do natal passado.
Naquele domingo ensolarado,
Rafa encheu-se de coragem, deixou seu mundo subterrâneo e foi ao encontro das
crianças que estavam no parque.
E deu-se o ocorrido. Ao
avistarem Rafa, foi aquela confusão: mulheres gritando e subindo nos bancos da
praça com seus filhos no colo, os homens, mais que depressa, pegaram paus e
pedras para expulsarem Rafa dali.
_ Que rato enorme, disse uma.
_ Que nojo, gritou outra.
Rafa, atônito, voltou
rapidamente para o esgoto e ao adentrar encontrou André, um rato idoso, que de longe
assistiu a tudo.
_ Por que, André? Por que me
trataram assim? Eles não veem que estou limpo e cheiroso como o coelho? Até me
pareço com um deles. André respirou fundo e respondeu:
_ Você, Rafa, por mais limpo
e cheiroso jamais deixará de ser um rato e, por isso, para eles, você não vive
no esgoto, é o esgoto que vive em você.
_ Por que você não me disse
isso antes André? Teria evitado meus sofrimento, falou Rafa.
_ Porque de nada adiantaria,
disse André. É que certas realidades para serem compreendidas precisam primeiro
ser vividas e sentidas nas entranhas da própria alma.
Então Rafa voltou para a
casa e quebrou seu vidro de água de colônia francesa porque compreendeu que não
lhe tinha nenhuma serventia enquanto os sentimentos dos homens se deixassem
dominar pelos rótulos do preconceito e não pela generosidade do coração.
Cristiane Caracas
27/09/2014
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