domingo, 31 de agosto de 2014

Fábula - A bromélia e o escaravelho - Cristiane Caracas


Em um restinho de mata atlântica e hospedeira em um ipê amarelo havia uma bromélia. Bia, a joaninha, dividia a bromélia, como habitat, com outros bichinhos tão miúdos quanto ela. Naquela bromélia viviam, além de Bia, Benjamin o gafanhoto cocho, Lígia, a centopeia estrábica e Patrício um escaravelho negro e lustrado que, por ter chegado primeiro, se intitulava o dono do lugar. Viviam em parcial harmonia. É que vez ou outra o escaravelho ralhava com os outros moradores e exigia que fizessem uma limpeza na bromélia, quase sempre depois das chuvas, já que as bromélias acumulam água dentro de si. E lá se iam todos, a contragosto, fazer a tal faxina.
Certa manhã, nem bem os raios de sol se espreguiçavam por entre as árvores, Patrício, aos gritos, acordava a todos para contemplar ao que chamou de maior espetáculo da terra: o florescer de “sua bromélia”. De fato, era um espetáculo! Uma flor vermelha, enorme, forte e delicada ao mesmo tempo e, embora uma, parecia um buquê, ante a sua florescência múltipla.
Bia, estática, fixava o olhar naquela flor exuberante e ficou feliz com a chegada da nova moradora do lugar. E era sempre assim, à tardinha, se reuniam em torno da flor, cuja beleza encantou a todos e teve o condão de suavizar até as resmunguisses de Patrício.
_ A beleza tem disso, dizia Benjamim, é capaz de enfeitiçar e amolecer até os corações mais duros.
É que Patrício, agora, parecia outro, não reclamava mais de ninguém, e, vez ou outra, era flagrado com um sorriso de canto de boca, daqueles que somente os apaixonados reconhecem e que não adianta perguntar a razão, porque nem eles sabem o motivo. Bia assistia a tudo, curiosa por aquele sentimento que embora não fosse seu, causava nela um despertar de possibilidades.

Benjamim, mais experiente, alertava ao amigo que a beleza não é tudo, já que efêmera e fugaz, que a importância dos sentimentos está na permanência, na resiliência e, sobretudo, na capacidade de aceitar que dias virão em que não mais existirá aquilo que encantou aos olhos e só ficará o que se permitiu que fosse impresso na alma de forma a nem o tempo, as rugas e as circunstâncias serem capazes de apagar.
E aconteceu o que era previsto, mas que ninguém ousava sequer cogitar: o tempo da flor não era o mesmo tempo do inseto e ela murchou, perdeu a graça, despedaçou-se de forma lenta, numa luta para permanecer naquele lugar que a acolheu e lhe mostrou o que era paixão, e ela se foi porque era chegado o tempo de ir.
Todos ficaram atônicos à cena e naquele momento tiveram consciência de suas impotências diante do destino. O escaravelho era só desespero. Benjamin, o gafanhoto, lamentava que o amigo tivesse que passar por aquilo que no fundo ele conhecia alhures.
Bia, a mais nova, em busca de consolar o amigo, o fez enxergar que embora a flor se tenha ido, a bromélia permanecia e permaneceria em seu coração para sempre, que era a bromélia que sempre esteve ali, silente, paciente e se fez, sem que ele percebesse e sem nada exigir em troca, abrigo e aconchego nos tempos difíceis, que o amor nos torna belo, mas a essência do ser é que permanece.
Certamente, chegado o tempo, outras flores viriam, mas a bromélia, essa sim, seria sempre a mesma e a razão de existir de todas as outras flores que dela brotassem.
Lígia, a centopeia, lembrou que antes mesmo da existência da flor, Patrício, sem perceber, já zelava pela sua bromélia quando exigia que todos a cuidassem no período de chuva. Que o amor é assim: prende-nos por conexões invisíveis e inconscientes e que o escaravelho era um felizardo em poder viver dentro daquela que ele amava. É que quando se ama é isso que se quer: confundir-se com o outro, entrar dentro dele, desvendar os seus mistérios e apagar seus medos.
Patrício compreendeu que já amava a bromélia antes mesmo da flor e que certos sentimentos ficam intactos dentro de nós. Que a bromélia se fez notar pela beleza, porque aos olhos, daquele que não quer ver, precisa-se do belo para enxergar, mas que depois da beleza e da paixão o que permanecer é o que verdadeiramente se pode chamar de amor.
Cristiane Caracas
31/08/2014

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