sábado, 19 de julho de 2014

Fábula - Preciosas Amizades - Cristiane Caracas


Em um telhado de uma casa de fazenda, daquelas que parece ter se perdido no tempo, esquecida, com ares de que ainda vive no passado, sem perceber que o presente é fato e o futuro bate às portas, viviam muitos pássaros, dentre eles uma rolinha caldo de feijão e um corrupião.
Viviam de boa, livres, sem grandes dificuldades de sobrevivência e, principalmente, sem as ameaças do homem, tudo era harmonia naquele lugar.
Pois bem! A rolinha tinha pelo corrupião uma enorme estima, sempre moraram pertinho, se ajudando, se respeitando, criaram assim um laço estreito de amizade bonito de se ver.
O corrupião era aquilo: bonito, elegante, de um preto brilhante e um vermelho fabuloso, um canto espetacular de agradar aos ouvidos mais exigentes. Já a rolinha não tinha a mesma sorte, era sem graça, marrom, seu canto era muitas vezes confundido com agouro. Tais diferenças, entretanto, nunca sequer foram notadas, eram o que eram e se gostavam de qualquer jeito.
Chegou o verão e com ele, inesperadamente e sem precedente, chegou também, àquele telhado, uma fêmea sabiá, linda, rara e preciosa como uma joia, foi assim que o corrupião a enxergou e de logo se encantou pela novata.
O corrupião, vendo aquela beleza toda, de pronto se animou. Foi se chegando, logo se apresentando, dando ares de dono do lugar.
_ Como vais, nunca a vi antes, de onde vens e o que buscas?
_ Costumas fazer esse interrogatório a todas, perguntou a sabiá.
_ Não, só com para as bonitas, respondeu, em tom simpático, o corrupião.
A sabiá, nada difícil, ficou logo prosa do pássaro e engataram um romance ali mesmo. A rolinha não gostou nada do que viu, mordendo-se de ciúmes do amigo, mas sem querer admitir, reclamava com todos do telhado aquele assanhamento dos dois.
_ Indecência asse namoro, mal se conhecem, nunca se viram, amor de verão. Não se conformava.
O fato é que o corrupião era só suspiros para a linda sabiá que não se fazia de rogada, sabia que causava ciúmes na rolinha e se derretia toda para o corrupião, só para provocar.
Os dias passaram, a rolinha foi definhando de tristeza, não conseguia lidar com a situação, sofria, mas compreendeu que nada podia fazer, a não ser esquecer tantos anos de estima que tinha devotado ao corrupião, afinal ele tinha feito uma escolha, cabia a ela respeitar, porque não se implora afeto, sempre ouviu isso de sua avó. Consciente resolveu partir, porque ali já não tinham paz, restaram a ela o profundo silêncio e uma solidão lancinante.
Estava decidida, não o procuraria mais. Encontrou no silenciar a paz esquecida e a melhor reposta. É que muitas vezes a nossa guerra interior só é dissipada pelo silêncio pessoal capaz de restabelecer a harmonia sufocada pelos pensamentos ensurdecedores.
Os dias passaram e o corrupião nem para lembrar-se da rolinha, levava os dias alegres ao lado da linda sabiá. Certa manhã, entretanto, por uma fenda do telhado apareceu uma cobra cascavel, estava faminta e disposta a devorar a primeira presa que encontrasse e deu de cara com a sabiá que dormia ao lado do corrupião, a cobra, com ares de psicopata, acordou a sabiá, sorrateiramente e disse com voz cavernosa:
_Preparada para morrer mocinha? 
_ A sabiá deu um sobressalto e, diante do seu destino inevitável, tentou entrar em um acordo com a cobra.
_ Estou sim Dona Cobra, mas acho que Vossa Senhoria devia pensar melhor no assunto. É que estou por demais magrinha, não vês? Só pena e osso. Padeço de dores forte no peito, desconfio de uma tuberculose. Fosse a Senhora se assegurava de comer algo mais saudável e robusto, quem sabe o corrupião aqui, é forte, suculento e tá no ponto não acha?
_ Tuberculose é? E isso pega? Perguntou a cobra,
_ Ah, claro! Uma bactéria poderosíssima capaz de matar em poucas horas.
_ A cobra, que não tinha nada a perder, resolveu não arriscar e partiu para dar o bote no inocente corrupião que ainda dormia sonhando com a sua sabiá.

Àquela altura a rolinha vinha chegando, havia esquecido um bebedouro de estimação que sua avó lhe tinha dado e resolveu buscá-lo exatamente naquela hora. Percebeu a cena da cobra pronta para dar o bote no corrupião e partiu para cima da cobra, sem se dar conta que ela era pelo menos cinco vezes o seu tamanho e que não tinha meios de defesa contra a peçonhenta.
E deu-se o acontecido, foi aquela zuada, o corrupião acordou assustado, mas a tempo de ver sua amiga rolinha partir para o sacrifício para defendê-lo. A cobra fez a rolinha em pedaços, ela, porém, foi guerreira, bicou cabeça da cobra em tantos lugares que a fez desistir do desiderato, indo-se embora com uma terrível cefaleia e prometendo voltar para se vingar da rolinha atrevida.
O corrupião, vendo a amiga destroçada, correu em seu socorro. A sabiá, cara de pau, sabedora de que viria a ser desmascarada, cuidou em fugir rapidamente dali para nunca mais voltar.
A rolinha de certa forma se recuperou, mas o duelo lhe deixou sequelas, uma das asas ficou irreparável e ela não mais podia voar, ficou presa ao telhando. O corrupião aprendeu com a rolinha o que se é capaz de enfrentar por uma amizade verdadeira, cuidou dela para sempre, porque compreendeu que os puros sentimentos, estes sim, são como joias raras precisam ser lapidados, cuidados e assumidos, que a preciosidade da joia não está na sua beleza ou raridade, mas na capacidade que ela tem de nos fazer sentir importantes pelo só fato de tê-las conosco. Que não vale a pena se iludir com falsos adornos porque no mais das vezes seu brilho esconde uma reles bijuteria.
Cristiane Caracas
19/07/2014

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