Em
um telhado de uma casa de fazenda, daquelas que parece ter se perdido no tempo,
esquecida, com ares de que ainda vive no passado, sem perceber que o presente é
fato e o futuro bate às portas, viviam muitos pássaros, dentre eles uma rolinha
caldo de feijão e um corrupião.
Viviam
de boa, livres, sem grandes dificuldades de sobrevivência e, principalmente,
sem as ameaças do homem, tudo era harmonia naquele lugar.
Pois
bem! A rolinha tinha pelo corrupião uma enorme estima, sempre moraram pertinho,
se ajudando, se respeitando, criaram assim um laço estreito de amizade bonito
de se ver.
O
corrupião era aquilo: bonito, elegante, de um preto brilhante e um vermelho
fabuloso, um canto espetacular de agradar aos ouvidos mais exigentes. Já a
rolinha não tinha a mesma sorte, era sem graça, marrom, seu canto era muitas
vezes confundido com agouro. Tais diferenças, entretanto, nunca sequer foram
notadas, eram o que eram e se gostavam de qualquer jeito.
Chegou
o verão e com ele, inesperadamente e sem precedente, chegou também, àquele telhado,
uma fêmea sabiá, linda, rara e preciosa como uma joia, foi assim que o corrupião
a enxergou e de logo se encantou pela novata.
O
corrupião, vendo aquela beleza toda, de pronto se animou. Foi se chegando, logo
se apresentando, dando ares de dono do lugar.
_
Como vais, nunca a vi antes, de onde vens e o que buscas?
_
Costumas fazer esse interrogatório a todas, perguntou a sabiá.
_
Não, só com para as bonitas, respondeu, em tom simpático, o corrupião.
A
sabiá, nada difícil, ficou logo prosa do pássaro e engataram um romance ali
mesmo. A rolinha não gostou nada do que viu, mordendo-se de ciúmes do amigo,
mas sem querer admitir, reclamava com todos do telhado aquele assanhamento dos
dois.
_
Indecência asse namoro, mal se conhecem, nunca se viram, amor de verão. Não se conformava.
O
fato é que o corrupião era só suspiros para a linda sabiá que não se fazia de
rogada, sabia que causava ciúmes na rolinha e se derretia toda para o corrupião,
só para provocar.
Os
dias passaram, a rolinha foi definhando de tristeza, não conseguia lidar com a situação,
sofria, mas compreendeu que nada podia fazer, a não ser esquecer tantos anos de
estima que tinha devotado ao corrupião, afinal ele tinha feito uma escolha,
cabia a ela respeitar, porque não se implora afeto, sempre ouviu isso de sua
avó. Consciente resolveu partir, porque ali já não tinham paz, restaram a ela o
profundo silêncio e uma solidão lancinante.
Estava
decidida, não o procuraria mais. Encontrou no silenciar a paz esquecida e a
melhor reposta. É que muitas vezes a nossa guerra interior só é dissipada pelo
silêncio pessoal capaz de restabelecer a harmonia sufocada pelos pensamentos
ensurdecedores.
Os
dias passaram e o corrupião nem para lembrar-se da rolinha, levava os dias
alegres ao lado da linda sabiá. Certa manhã, entretanto, por uma fenda do telhado
apareceu uma cobra cascavel, estava faminta e disposta a devorar a primeira
presa que encontrasse e deu de cara com a sabiá que dormia ao lado do corrupião,
a cobra, com ares de psicopata, acordou a sabiá, sorrateiramente e disse com
voz cavernosa:
_Preparada
para morrer mocinha?
_
A sabiá deu um sobressalto e, diante do seu destino inevitável, tentou entrar
em um acordo com a cobra.
_
Estou sim Dona Cobra, mas acho que Vossa Senhoria devia pensar melhor no
assunto. É que estou por demais magrinha, não vês? Só pena e osso. Padeço de
dores forte no peito, desconfio de uma tuberculose. Fosse a Senhora se
assegurava de comer algo mais saudável e robusto, quem sabe o corrupião aqui, é
forte, suculento e tá no ponto não acha?
_
Tuberculose é? E isso pega? Perguntou a cobra,
_
Ah, claro! Uma bactéria poderosíssima capaz de matar em poucas horas.
_
A cobra, que não tinha nada a perder, resolveu não arriscar e partiu para dar o
bote no inocente corrupião que ainda dormia sonhando com a sua sabiá.
Àquela
altura a rolinha vinha chegando, havia esquecido um bebedouro de estimação que
sua avó lhe tinha dado e resolveu buscá-lo exatamente naquela hora. Percebeu a
cena da cobra pronta para dar o bote no corrupião e partiu para cima da cobra,
sem se dar conta que ela era pelo menos cinco vezes o seu tamanho e que não
tinha meios de defesa contra a peçonhenta.
E
deu-se o acontecido, foi aquela zuada, o corrupião acordou assustado, mas a tempo
de ver sua amiga rolinha partir para o sacrifício para defendê-lo. A cobra fez
a rolinha em pedaços, ela, porém, foi guerreira, bicou cabeça da cobra em
tantos lugares que a fez desistir do desiderato, indo-se embora com uma terrível
cefaleia e prometendo voltar para se vingar da rolinha atrevida.
O
corrupião, vendo a amiga destroçada, correu em seu socorro. A sabiá, cara de
pau, sabedora de que viria a ser desmascarada, cuidou em fugir rapidamente dali
para nunca mais voltar.
A
rolinha de certa forma se recuperou, mas o duelo lhe deixou sequelas, uma das
asas ficou irreparável e ela não mais podia voar, ficou presa ao telhando. O corrupião
aprendeu com a rolinha o que se é capaz de enfrentar por uma amizade
verdadeira, cuidou dela para sempre, porque compreendeu que os puros
sentimentos, estes sim, são como joias raras precisam ser lapidados, cuidados e
assumidos, que a preciosidade da joia não está na sua beleza ou raridade, mas
na capacidade que ela tem de nos fazer sentir importantes pelo só fato de
tê-las conosco. Que não vale a pena se iludir com falsos adornos porque no mais
das vezes seu brilho esconde uma reles bijuteria.
Cristiane
Caracas
19/07/2014
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