Avencas, samambaias e
limos adormecidos na penumbra sufocada pela umidade não deixavam dúvidas de que
a floresta, embora silente, pulsava. Eram dias quentes somente amenizados pelas
generosas gotas de orvalho da manhã. Um jatobá centenário, gigantesco e
imponente, era uma das árvores daquela floresta tropical.
Não se ouvia muitas
coisas por aquelas bandas. O silêncio só
era rompido, vez ou outra, pelos sons da floresta que se rendia quando a
majestade, o sabiá, presenteava a natureza com o seu canto, cuja melodia toca a
alma sempre que o ouvido, por um capricho, se disfarça em coração.
Numa manhã de sol que
teimava a todo custo romper as copas das árvores e se mostrar, chegou ali um
lenhador. Trazia nas mãos o machado. O homem por um instante experimentou a paz
daquele lugar que teve o condão de aquietar sua mente em guerra, em uma
dicotomia delirante. Sossegou sua confusão e o homem integrou-se como uma parte
do todo. Ele ali ficou por algum tempo contemplando a floresta, mas a humanidade,
cuja resistência se tinha abalado por tamanha paz, gritou ao silêncio para
chamar o homem à consciência do seu não interior. Era hora de trabalhar e, sem
mais delongas, pôs em punho o seu machado, escolheu, como quem escolhe um
grande amor, aquele jatobá centenário.
O jatobá, embora
sabedor do seu destino, surpreendentemente, não se balou, nada fez, nenhum
esboço de medo ou terror atingiu a velha árvore. O machado pronto para desferir
o primeiro golpe na madeira, em atitude desdenhosa, perguntou à árvore.
_ Não percebes o que
há vir?
O sábio jatobá responde
sem qualquer preocupação:
_ Do que falas
machado? Por acaso, imaginas, tu, que sabes o que há de vir daqui a um segundo?
O machado riu-se do
que pensou ser inocência da árvore.
_ Admitira-me que tu
sendo tão velho não perceba o que represento. Sou o machado, capaz de ferir de
morte qualquer madeira que atravesse meu caminho e logo advirto: não sou piedoso
e pouco me importo com teu destino se serás um móvel que adornará um lugar
qualquer ou uma reles lenha que só serve para ser queimada.
O velho e sábio
Jatobá respondeu passivamente:
_ Não te ocorres que
ao tentar me ferir possa tu ser o ferido?
_ O machado gargalhou
ante a audácia da árvore.
_ Sou de ferro, nada
me fere, estúpido jatobá.
Naquele momento o
lenhador empunhou o machado e, ao se dar conta de que se tratava de uma madeira
de lei, desistiu do seu intento porque sabia que na luta entre o seu machado e
aquela árvore de difícil corte, seu machado, embora de ferro, não tinha a menor
chance, pois também era feito de madeira, porém, não tão nobre e certamente se
quebraria ao primeiro golpe no Jatobá.
O machado compreendeu
que aceitar com resiliência aquilo que não pode ser mudado é que nos torna
fortes. Que certas vezes é preciso recuar ante as circunstâncias adversas e
esperar que o universo conspire a nosso favor.
Naquele momento a majestade,
o sabiá, irrompeu o sagrado silêncio da floresta e com seu canto lembrou ao
homem, ao jatobá e ao machado, que a totalidade nunca é igual à soma das partes
e que somos um todo de fortaleza e fragilidades que devem ser respeitadas e nunca
esquecidas porque como diz o velho ditado: “o risco que corre o pau, corre o
machado”.
Cristiane Caracas
27/06/2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário