sexta-feira, 27 de junho de 2014

Fábula - O Jatobá e o Machado - Cristiane Caracas


Avencas, samambaias e limos adormecidos na penumbra sufocada pela umidade não deixavam dúvidas de que a floresta, embora silente, pulsava. Eram dias quentes somente amenizados pelas generosas gotas de orvalho da manhã. Um jatobá centenário, gigantesco e imponente, era uma das árvores daquela floresta tropical.
Não se ouvia muitas coisas por aquelas bandas.  O silêncio só era rompido, vez ou outra, pelos sons da floresta que se rendia quando a majestade, o sabiá, presenteava a natureza com o seu canto, cuja melodia toca a alma sempre que o ouvido, por um capricho, se disfarça em coração.
Numa manhã de sol que teimava a todo custo romper as copas das árvores e se mostrar, chegou ali um lenhador. Trazia nas mãos o machado. O homem por um instante experimentou a paz daquele lugar que teve o condão de aquietar sua mente em guerra, em uma dicotomia delirante. Sossegou sua confusão e o homem integrou-se como uma parte do todo. Ele ali ficou por algum tempo contemplando a floresta, mas a humanidade, cuja resistência se tinha abalado por tamanha paz, gritou ao silêncio para chamar o homem à consciência do seu não interior. Era hora de trabalhar e, sem mais delongas, pôs em punho o seu machado, escolheu, como quem escolhe um grande amor, aquele jatobá centenário.
O jatobá, embora sabedor do seu destino, surpreendentemente, não se balou, nada fez, nenhum esboço de medo ou terror atingiu a velha árvore. O machado pronto para desferir o primeiro golpe na madeira, em atitude desdenhosa, perguntou à árvore.

_ Não percebes o que há vir?
O sábio jatobá responde sem qualquer preocupação:
_ Do que falas machado? Por acaso, imaginas, tu, que sabes o que há de vir daqui a um segundo?
O machado riu-se do que pensou ser inocência da árvore.
_ Admitira-me que tu sendo tão velho não perceba o que represento. Sou o machado, capaz de ferir de morte qualquer madeira que atravesse meu caminho e logo advirto: não sou piedoso e pouco me importo com teu destino se serás um móvel que adornará um lugar qualquer ou uma reles lenha que só serve para ser queimada.
O velho e sábio Jatobá respondeu passivamente:
_ Não te ocorres que ao tentar me ferir possa tu ser o ferido?
_ O machado gargalhou ante a audácia da árvore.
_ Sou de ferro, nada me fere, estúpido jatobá.
Naquele momento o lenhador empunhou o machado e, ao se dar conta de que se tratava de uma madeira de lei, desistiu do seu intento porque sabia que na luta entre o seu machado e aquela árvore de difícil corte, seu machado, embora de ferro, não tinha a menor chance, pois também era feito de madeira, porém, não tão nobre e certamente se quebraria ao primeiro golpe no Jatobá.
O machado compreendeu que aceitar com resiliência aquilo que não pode ser mudado é que nos torna fortes. Que certas vezes é preciso recuar ante as circunstâncias adversas e esperar que o universo conspire a nosso favor.
Naquele momento a majestade, o sabiá, irrompeu o sagrado silêncio da floresta e com seu canto lembrou ao homem, ao jatobá e ao machado, que a totalidade nunca é igual à soma das partes e que somos um todo de fortaleza e fragilidades que devem ser respeitadas e nunca esquecidas porque como diz o velho ditado: “o risco que corre o pau, corre o machado”.
Cristiane Caracas
27/06/2014

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