Tenho, em minhas aulas nos
diversos cursos e palestras, em especial aqueles que tratam da temática
junguiana, procurado oferecer exemplos práticos da vida diária que possam
esclarecer melhor as questões teóricas postas em sala de aula. Pois bem, passo
a relatar, a seguir, um evento que presenciei recentemente que exemplifica bem
várias temáticas relacionadas à Psicologia Analítica e aqui disponho, em
especial, para meus alunos do curso de formação em psicanálise.
Era para ser apenas mais uma
simples ida à barbearia para realizar um rápido corte de cabelo. Em geral,
entro mudo e saio calado...
Ao adentrar ao recinto,
verifiquei que havia quatro pessoas (três homens e uma mulher) esperando e no
local existiam três barbeiros com suas cadeiras ocupadas. Dirigi-me ao gerente
e perguntei quantas pessoas havia na fila de espera, ao qual ele me respondeu:
Três.
Imaginei que provavelmente a
única mulher estaria esperando alguém que estava cortando o cabelo, tendo em
vista que pela leitura corporal do grupo – a pessoa mais próxima à mulher
estava praticamente sentada de costas para ela (o leitor entenderá o porquê
daqui a algumas linhas...) – aquela seria a opção mais razoável.
Dessa forma, acomodei-me e
aguardei. À medida que os que cortavam o cabelo terminavam, foram substituídos
pelos os que aguardavam, inclusive eu.
Após umas poucas breves palavras
de orientação do corte para o barbeiro, preparei-me para mapear algum portal de
acesso à outra dimensão, numa espécie de transe hipnótico – adoro essas
oportunidades para treinar não pensar em nada... Entretanto, isso não seria
possível naquela tarde.
Uma música de Edith Piaf (isso
mesmo, Edith Piaf!), tocava ao fundo, o que me ajudaria na imersão em mim mesmo
naquele, até então, plácido recinto. Entretanto, poucos segundos depois, o
ambiente até então quase em silêncio foi sacudido por uma voz alta de mulher
que asseverava: “Que coisa horrível, que corte horroroso esse que você está
fazendo no meu marido.”
O portal que eu buscava
imediatamente se fechou com aquele quase grito e eu não o encontraria mais
naquela tarde... Antes mesmo de eu aterrissar os pensamentos, a mulher já se
encontrava em pé próximo à cadeira de seu marido, reclamando veementemente do
corte. O encabulado barbeiro tentou argumentar: “Foi ele quem pediu a máquina
número 2”. Ao tempo que a mulher respondeu: “Nem sempre o cliente sabe o que
está pedindo.” Isso foi demais para o marido: “Foi isso mesmo o que eu pedi.”
Ao que ela retrucou: “Será possível, filho, que até isso eu tenho que resolver
por você?”
As reclamações da mulher
aumentavam, ao ponto de ela perguntar onde estava o gerente. Por seu turno, o
gerente que estava calado e tudo acompanhava de uma mesa próxima continuou
calado. (Acho que ele havia acessado o portal interdimensional que eu queria
ter acessado quando cheguei).
Sem esperar respostas sobre onde
estava o gerente, ela continuou a exaltar-se até que o marido não aguentou mais
(e creio que atingiu o máximo da sua revolta) e falou, quase gaguejando, que
ela tinha extrapolado. Ao qual, ela retrucou de forma impávida perguntando se
ele queria que ela ficasse calada e que era melhor que ele se calasse!
Enquanto a discussão rolava, o
barbeiro que cortava meu cabelo vez por outra aproximava-se de mim e falava
baixinho: “Essa mulher é complicada, toda vez que vem aqui arma um barraco.”
Longos minutos se passaram até o
fim do corte do já calado e submisso marido, que, de pronto, se apressou em
pagar e ir embora, acompanhado por sua mulher. Antes que o casal saísse, o
barbeiro que cortava meu cabelo disse para a mulher: “Peço desculpas pelo
ocorrido, não deixe de vir aqui.” (Quando o casal saiu, retomou a sua rotina e
me falou baixinho: “Pense numa mulher intragável.”)
Ao se fechar a porta de saída, arrastados
segundos de profundo silêncio foram interrompidos pela voz possante do barbeiro
da cadeira do meio, um senhor alto, gordo e bigodudo: “Se fosse minha mulher,
eu teria feito uma besteira.” Complementou ainda: “E esse negócio de chamar
gerente, aqui não vale de nada, pois o gerente daqui nem moral tem, já que nem
cabelo sabe cortar.” (Naquele instante, olhei para o gerente e confirmei a minha
teoria de que ele tão cedo não retornaria a esta dimensão). Ao que o aflito e nervoso
outro barbeiro repetia, se justificando: “Foi ele quem pediu a máquina número
2.”
Um jovem que havia chegado no
meio da confusão afirmou num tom quase reflexivo: “Será possível que o cidadão
não pode nem cortar o cabelo como quer?”
Eu, de minha parte, cumpri a
minha rotina de entrar mudo e sair calado e sou grato a todos que participaram
dessa comédia da vida privada por ter me permitido identificar tão bem vários
institutos de Jung, quais sejam: Complexos, Constelação dos Complexos,
Arquétipo Materno, Identificação, Anima, Animus, Máscaras, Sombras, Símbolos,
Si-mesmo e tantos outros e convido a todos, em especial meus alunos da
psicanálise, para tentar identificar nos personagens citados as teorias
correspondentes e seus respectivos animais de poder.
Fica para mim como grande
ensinamento que análise não é para quem tem neurose, neurose todos nós temos, análise
é para quem quer se curar das suas neuroses.
Namastê,
José Anastácio de Sousa Aguiar (psicanalista, hipnoterapeuta e terapeuta de vidas passadas)
José Anastácio de Sousa Aguiar (psicanalista, hipnoterapeuta e terapeuta de vidas passadas)
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