Resumo
do Livro XV – Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (Partes I e II) (1915-1916)
Introdução
do editor inglês
_ Esta
obra teve uma circulação maior do que qualquer outra obra de Freud, com
exceção, talvez, de The Psychopathology of Everyday Life – p. 14;
_ As
Conferências Introdutórias podem ser verdadeiramente consideradas como um
inventário das conceituações de Freud e da posição da psicanálise na época da
Primeira Guerra Mundial. As dissidências de Adler e Jung já eram história
passada, o conceito de narcisismo já tinha alguns anos de vida, o caso clínico
do ‘Wolf Man’, que marcou época, tinha sido escrito (com exceção de duas
passagens) um ano antes do começo das conferências, embora não fosse publicado
senão mais tarde. E, também, a grande série de artigos ‘metapsicológicos’ sobre
a teoria fundamental tinha sido ultimada alguns meses antes, ainda que apenas
três deles tivessem sido publicados – p. 16;
Parte
I – Parapraxias (1916[1915])
Conferência
I - Introdução
_ Quando,
porém, tomamos em tratamento analítico um paciente neurótico, agimos
diferentemente. Mostramos-lhe as dificuldades do método, sua longa duração, os
esforços e os sacrifícios que exige; e, quanto a seu êxito, lhe dizemos não nos
ser possível prometê-lo com certeza, que depende de sua própria conduta, de sua
compreensão, de sua adaptabilidade e de sua perseverança. Temos boas razões,
naturalmente, para manter essa conduta aparentemente obstinada no erro, como
talvez os senhores virão a verificar mais adiante – p. 25;
_ As
palavras, originalmente, eram mágicas e até os dias atuais conservaram muito do
seu antigo poder mágico. Por meio de palavras uma pessoa pode tornar outra
jubilosamente feliz ou levá-la ao desespero, por palavras o professor veicula
seu conhecimento aos alunos, por palavras o orador conquista seus ouvintes para
si e influencia o julgamento e as decisões deles. Palavras suscitam afetos e
são, de modo geral, o meio de mútua influência entre os homens. Assim, não
depreciaremos o uso das palavras na psicoterapia, e nos agradará ouvir as
palavras trocadas entre o analista e seu paciente – p. 27;
_ A
primeira dessas assertivas impopulares feitas pela psicanálise declara que os
processos mentais são, em si mesmos, inconscientes e que de toda a vida mental
apenas determinados atos e partes isoladas são conscientes. Os senhores sabem
que, pelo contrário, temos o hábito de identificar o que é psíquico com o que é
consciente. Consideramos a consciência, sem mais nem menos, como a
característica que define
o psíquico, e a psicologia como o estudo dos conteúdos da consciência. Na
verdade, parece-nos tão natural os igualar dessa forma, que qualquer
contestação à idéia nos atinge como evidente absurdo. A psicanálise, porém, não
pode evitar o surgimento dessa contradição; não pode aceitar a identidade do
consciente com o mental – p. 31;
_ Os
senhores não podem sequer ter qualquer noção de quão íntima é a conexão entre
essa primeira mostra de coragem por parte da psicanálise e a segunda, da qual
devo agora falar-lhes. Essa segunda tese, que a psicanálise apresenta como uma
de suas descobertas, é uma afirmação no sentido de que os impulsos instintuais
que apenas podem ser descritos como sexuais, tanto no sentido estrito como no
sentido mais amplo do termo, desempenham na causação das doenças nervosas e
mentais um papel extremamente importante e nunca, até o momento, reconhecido.
Ademais, afirma que esses mesmos impulsos sexuais também fornecem
contribuições, que não podem ser subestimadas, às mais elevadas criações
culturais, artísticas e sociais do espírito humano – p. 32;
_ Em
minha experiência, a antipatia que se volta contra esse resultado da pesquisa
psicanalítica é a mais importante fonte de resistência que ela encontrou.
Gostariam de ouvir como explicamos esse fato? Acreditamos que a civilização foi
criada sob a pressão das exigências da vida, à custa da satisfação dos
instintos; e acreditamos que a civilização, em grande parte, está sendo
constantemente criada de novo, de vez que cada pessoa, assim que ingressa na
sociedade humana, repete esse sacrifício da satisfação instintual em benefício
de toda a comunidade. Entre as forças instintuais que têm esse destino, os
impulsos sexuais desempenham uma parte importante, nesse processo eles são
sublimados – isto é, são desviados de suas finalidades sexuais e dirigidos a
outras, socialmente mais elevadas e não mais sexuais. Esse arranjo, contudo, é
instável; os instintos sexuais são imperfeitamente subjugados e, no caso de
cada indivíduo que se supõe juntar-se ao trabalho da civilização, há um risco
de seus instintos sexuais se rebelarem contra essa destinação – p. 32;
Conferência
II - Parapraxias
_ Não
começaremos com postulados, e sim com uma investigação. Escolhamos como tema
determinados fenômenos muito comuns e muito conhecidos, os quais, porém, têm
sido muito pouco examinados e, de vez que podem ser observados em qualquer
pessoa sadia, nada têm a ver com doenças. São o que se conhece como
‘parapraxias’, às quais todos estão sujeitos. Pode acontecer, por exemplo, que
uma pessoa que tenciona dizer algo venha a usar, em vez de uma palavra, outra
palavra (um lapso de língua
[Versprechen]), ou possa fazer a mesma coisa escrevendo, podendo,
ou não, perceber o que fez. Ou uma pessoa pode ler algo, seja impresso ou
manuscrito, diferentemente do que na realidade está diante de seus olhos (um lapso de leitura [Verlesen]),
ou ouvir errado algo que lhe foi dito (um
lapso de audição [Verhören]) – na hipótese, naturalmente, de não
haver qualquer perturbação orgânica de sua capacidade auditiva. Outro grupo
desses fenômenos tem como sua base o esquecimento
[Vergessen] – não, no entanto, um esquecimento permanente, mas
apenas um esquecimento temporário. Assim, uma pessoa pode ser incapaz de se
lembrar de uma palavra que conhece, apesar de tudo, e que reconhece de
imediato, ou pode esquecer de executar uma intenção,
embora dela se lembre mais tarde, tendo-a esquecido apenas naquele determinado
momento. Em um terceiro grupo o caráter temporário está ausente – por exemplo,
no caso de extravio [Verlegen],
quando a pessoa colocou uma coisa em algum lugar e não consegue encontrá-la
novamente, ou no caso precisamente igual de perda
– p. 35;
_ É
verdade que a psicanálise não pode vangloriar-se de jamais haver-se ocupado de
trivialidades. Pelo contrário, o material para sua observação é geralmente
proporcionado pelos acontecimentos banais, postos de lado pelas demais ciências
como sendo bastante insignificantes – o refugo, poderíamos dizer, do mundo dos
fenômenos. Porém, não estão os senhores fazendo confusão, em suas críticas,
entre a vastidão dos problemas e a evidência que aponta para eles? – p. 36/37;
_ O
que está em questão são pequenas falhas no funcionamento, imperfeições na
atividade mental, cujos determinantes podem ser especificados. Um homem que em
geral consegue falar corretamente, pode cometer um lapso de língua (1) se está
ligeiramente indisposto e cansado, (2) se está excitado e (3) se está
excessivamente ocupado com outras coisas. É fácil comprovar essas afirmações –
p. 38;
_ Estar
doente e ter distúrbios de circulação fornecem um motivo fisiológico de
deterioração do funcionamento normal; a excitação, a fadiga e a distração são
fatores de outra espécie que poderiam ser descritos como psicofisiológicos – p.
38;
_ O
tipo mais comum e, ao mesmo tempo, mais notável de lapsos de língua, no
entanto, são aqueles em que se diz justamente o oposto do que se pretendia
dizer – p. 43;
_ Se
viesse a acontecer, senhoras e senhores, que tivessem um sentido não apenas alguns exemplos de lapsos de
língua e de parapraxias em geral, mas considerável número deles, o sentido das parapraxias, do
qual até agora nada ouvimos, se tornaria seu aspecto mais importante e
deslocaria qualquer outra consideração para um plano secundário. Poderíamos,
então, pôr de lado todos os fatores fisiológicos e psicofisiológicos e
dedicar-nos à investigação exclusivamente psicológica do sentido – isto é, da
significação ou do propósito – das parapraxias. Por conseguinte, nos ocuparemos
em testar essa hipótese em grande número de observações – p. 45;
Conferência
III – Parapraxias (continuação)
_ A
influência das condições fisiológicas sobre a produção dos lapsos de língua
mediante uma ligeira doença, distúrbios da circulação ou estados de exaustão
deve ser reconhecida de imediato; a experiência cotidiana e pessoal os
convencerá disso. Mas, que pouca coisa elas explicam! Antes de tudo, elas não
são precondições necessárias das parapraxias. Lapsos de língua ocorrem, com a
mesma possibilidade, em perfeita saúde e em estado normal. Esses fatores
somáticos, portanto, apenas servem para facilitar e favorecer o especial
mecanismo mental dos lapsos de língua. Certa vez usei de uma analogia para
descrever essa relação, e vou repeti-la aqui, porquanto posso supor não haver
outra melhor que a substitua. Suponhamos que, numa noite escura, eu fosse a um
local ermo e ali fosse atacado por um meliante, que carregasse com meu relógio
e minha carteira. Como não visse claramente o rosto do ladrão, faria minha
queixa no posto policial mais próximo, com as palavras: ‘Isolamento e escuridão
roubaram meus pertences.’ O funcionário da polícia poderia então dizer-me:
‘Pelo que o senhor diz, parece estar adotando injustificadamente uma opinião
extremamente esquemática. Seria melhor apresentar os fatos assim: “Valendo-se
da escuridão e favorecido pelo isolamento do lugar, um ladrão desconhecido
roubou os pertences do senhor.” Em seu caso, me parece que a tarefa principal é
que devemos encontrar o ladrão. Talvez, então, sejamos capazes de recuperar o
produto do roubo.’ – p. 54;
_ Os
senhores acalentam a ilusão de haver uma coisa como liberdade psíquica e não
querem desistir dela. Lamento dizer que discordo categoricamente dos senhores a
este respeito – p. 57;
_ Aqueles
dentre nós que podem recordar uma experiência de vida comparativamente longa,
provavelmente admitirão que nos teríamos poupado muitos desapontamentos e
surpresas dolorosas se tivéssemos encontrado coragem e determinação para
interpretar como augúrios pequenas parapraxias experimentadas em nossos
contatos humanos, e para fazer uso delas como indícios de intenções que ainda
estavam ocultas. Via de regra, não ousamos fazê-lo; isso nos levaria a
sentir-nos como se, após uma jornada através da ciência, estivéssemos ficando
supersticiosos novamente. Nem todos os augúrios se realizam e os senhores
compreenderão, a partir de nossas teorias, que nem todos precisam realizar-se –
p. 66;
Conferência
IV – Parapraxias (conclusão)
_ Façamos
uma pausa mais detida sobre a afirmação de que as parapraxias são ‘atos
psíquicos’. Será que isso envolve uma coisa além daquilo que já dissemos: que
elas possuem um sentido? Penso que não. Penso, antes, que a afirmação anterior
[de que são atos psíquicos] é mais indefinida e mais facilmente passível de
compreensão errônea. Tudo o que é observável na vida mental pode ocasionalmente
ser descrito como fenômeno mental. A questão, nesse caso, é saber se o fenômeno
mental específico teve origem imediata em influências somáticas, orgânicas e
materiais – e, assim, sua investigação não fará parte da psicologia – ou se
ele, em primeira instância, deriva de outros processos mentais, em alguma parte
além daquela onde começa a série das influências orgânicas. É essa última
situação que temos em vista quando descrevemos um fenômeno como processo
mental, sendo por isso mais adequado encerrar nossa afirmação desta forma: ‘o
fenômeno tem um sentido’. Por ‘sentido’ entendemos ‘significação’, ‘intenção’,
‘propósito’ e ‘posição em um contexto psíquico contínuo’ – p. 67;
_ Dissemos
serem as parapraxias o produto de mútua interferência entre duas intenções
diferentes, das quais uma pode ser chamada de intenção perturbada e a outra,
intenção perturbadora – p. 68;
_ Agora podemos pretender
havermos feito maiores progressos em nossa compreensão das parapraxias. Sabemos
não apenas que elas são atos mentais nos quais podemos detectar sentido e
intenção, sabemos não apenas que acontecem por mútua interferência entre duas
intenções diferentes; porém, além disso, sabemos que uma dessas intenções deve
ter sido, de alguma forma, coagida a não ser posta em execução antes de poder
manifestar-se como uma perturbação da outra intenção – p. 72;
_ Por conseguinte, não nos
aprofundaremos mais nas parapraxias; contudo, ainda podemos realizar um rápido
reconhecimento da extensão dessa área, no decorrer do qual mais uma vez
encontramos coisas que já conhecemos, mas que também revelarão algumas
novidades. Nesse reconhecimento, manterei a divisão em três grupos que propus
inicialmente: lapsos de língua reunidos, com suas formas cognatas (lapsos de
escrita, lapsos de leitura e lapsos de audição); esquecimento, subdividido
segundo os objetos de esquecimento (nomes próprios, palavras estrangeiras,
intenções e impressões); e atos descuidados, extravio e perda. Os erros, no
aspecto que nos interessa, situam-se, em parte, entre os esquecimentos e, em
parte, nos atos descuidados – p. 73;
Parte II – Sonhos
(1916[1915-16])
Conferência V – Dificuldades e
Abordagens Iniciais
_ Um dia descobriu-se que os
sintomas patológicos de determinados pacientes neuróticos têm um sentido. Nessa
descoberta fundamentou-se o método psicanalítico de tratamento. Acontecia que
no decurso desse tratamento os pacientes, em vez de apresentar seus sintomas,
apresentavam sonhos. Com isso, surgiu a suspeita de que também os sonhos teriam
um sentido. Não seguiremos, contudo, esse caminho histórico, e sim
prosseguiremos na direção oposta. Demonstraremos o sentido dos sonhos como
forma de preparação para o estudo das neuroses. Essa inversão se justifica, de
vez que o estudo dos sonhos não apenas é a melhor preparação para o estudo nas
neuroses, como também porque os sonhos, por si mesmos, são um sintoma neurótico
que nos oferece, ademais, a inestimável vantagem de ocorrer em todas as pessoas
sadias. Na verdade, supondo-se que todos os seres humanos fossem normais
contanto que sonhassem, nós, partindo de seus sonhos, poderíamos chegar a quase
todas as descobertas a que nos levou a investigação das neuroses. Os sonhos,
portanto, se tornaram tema de pesquisa psicanalítica: mais uma vez fenômenos
comuns aos quais se tem atribuído pouco valor, e aparentemente sem nenhum uso
prático – como as parapraxias, com as quais na realidade têm em comum o fato de
ocorrerem em pessoas sadias – p. 89;
_ A primeira coisa que é comum
a todos os sonhos pareceria ser, naturalmente, o fato de que estamos dormindo
durante os sonhos. O sonhar é, evidentemente, vida mental durante o sono – algo
que tem certas semelhanças com a vida mental desperta, mas que, por outro lado,
se distingue dela por grandes diferenças. Essa era, há muito tempo, a definição
de Aristóteles. Talvez existam ainda conexões mais estreitas entre sonhos e
sono. Podemos ser acordados por um sonho; muito freqüentemente temos um sonho
quando acordamos espontaneamente ou quando somos tirados, à força, do sono.
Assim, os sonhos parecem ser um estado intermediário entre o sono e a vigília.
De modo que nossa atenção se volta para o sono. Bem, então, o que é o sono? Esse
é um problema fisiológico sobre o qual ainda existe muita controvérsia. Quanto
a esse respeito não podemos chegar a qualquer conclusão; penso, porém, que
devemos tentar descrever as características psicológicas do sono. O sono é um
estado no qual não desejo saber de nada do mundo externo, um estado no qual
retirei do mundo externo meu interesse. Ponho-me a dormir retraindo-me do mundo
externo e mantendo afastados de mim seus estímulos. Também vou dormir quando
estou fatigado dele. De modo que, quando vou dormir, digo ao mundo externo:
‘Deixe-me em paz; quero dormir.’ As crianças, ao contrário, dizem: ‘Eu não vou
dormir agora; não estou cansado e quero ter mais algumas experiências.’ A
finalidade biológica do sono parece ser, portanto, a recuperação, e sua
característica psicológica a suspensão do interesse pelo mundo – p. 93/94;
_ Por conseguinte, devemos
estar preparados para admitir que os estímulos internos podem desempenhar nos
sonhos o mesmo papel que os externos. Qualquer estimativa acerca de sua
importância infelizmente é passível das mesmas objeções. Em numerosos casos uma
interpretação que aponte para um estímulo somático é incerta e improvável. Não
são todos os sonhos, mas apenas determinado número deles, que dão lugar a uma
suspeita de que os estímulos orgânicos internos tivessem parte na origem deles.
E, por fim, os estímulos somáticos internos são, como os estímulos sensoriais
externos, tão pouco capazes de explicar mais aspectos de um sonho do que aquilo
que neste corresponde a uma reação direta ao estímulo. Continua obscuro saber
de onde vem o restante do sonho. Observemos, no entanto, uma peculiaridade da
vida onírica que vem à luz neste estudo dos efeitos dos estímulos. Os sonhos
não fazem simplesmente reproduzir o estímulo; eles o vertem, fazem alusões a
ele, o incluem em algum contexto, o substituem por alguma outra coisa. Esse é
um aspecto da elaboração onírica que não pode deixar de nos interessar, porque
pode, talvez, nos aproximar mais da essência dos sonhos – p. 101;
_ A segunda coisa comum aos
sonhos, sua peculiaridade psíquica, é, por um lado, difícil de compreender e,
por outro, não nos oferece ponto de partida para ulterior investigação. Nos
sonhos, via de regra, experimentamos coisas sob formas visuais – p. 101;
Conferência
VI – Premissas e Técnicas de Interpretação
_ os
sonhos não são fenômenos somáticos, mas psíquicos – p. 105;
_ Um
sonho difere de um lapso de língua, entre outras coisas, pela multiplicidade de
seus elementos. Nossa técnica deve levar isso em consideração. Portanto lhes
sugiro dividirmos o sonho em seus elementos e iniciarmos uma pesquisa à parte,
de cada elemento; ao fazermos isso, a analogia com um lapso de língua se
estabelece – p. 110;
_ Tendo
aprendido tantas coisas, os senhores poderão dizer: ‘Agora reconhecemos que os
pensamentos que livremente acodem à mente de uma pessoa são determinados, e não
arbitrários, como supunhamos. Admitimos que isso seja verdadeiro também para os
pensamentos que ocorrem como resposta aos elementos dos sonhos. Não é nisso,
porém, que estamos interessados. O senhor assevera que aquilo que vem à mente
do sonhador, como resposta ao elemento onírico, é determinado pelo fundamento
psíquico (desconhecido para nós) daquele elemento em particular. Isso não nos
parece estar provado. Esperamos, isto sim, que o que ocorre ao sonhador como
resposta ao elemento onírico, venha a se revelar como sendo determinado por um
dos complexos de quem sonhou; contudo, de que nos serve isso? Não nos leva a
uma compreensão dos sonhos e sim, tal como a experiência de associação, ao conhecimento
desses ditos complexos. Mas, o que têm eles a ver com os sonhos?’ – p. 114;
_ Nos
sonhos, a palavra-estímulo é substituída por algo que propriamente deriva da
vida mental da pessoa, de fontes que lhe são desconhecidas, podendo este algo,
por conseguinte, ser facilmente um verdadeiro ‘derivado de um complexo’. Logo,
não é exatamente fantástico supor que as demais associações vinculadas aos
elementos oníricos serão determinadas pelo mesmo complexo que o do próprio
elemento, e supor que conduzirão à sua descoberta – p. 114;
Conferência
VII – Conteúdo Manifesto dos Sonhos e os Pensamentos Oníricos Latentes
_ Como vêem, nosso estudo das
parapraxias não foi improfícuo. Graças a nossos esforços com elas, sujeitos a
duas premissas que lhes expliquei, conseguimos duas coisas: uma concepção da
natureza dos elementos oníricos e uma técnica para interpretar sonhos. A
concepção dos elementos oníricos nos diz serem eles coisas não-originais,
substitutos de alguma outra coisa desconhecida do sonhador (como a intenção de
uma parapraxia), substitutos de algo cujo conhecimento está presente em quem
sonhou, que lhe é, porém, inacessível. Temos a esperança de que será possível
aplicar a mesma concepção a sonhos inteiros constituídos de tais elementos. Nossa
técnica baseia-se em usar a associação livre para esses elementos, a fim de
suscitar a emergência de outras estruturas substitutivas que nos possibilitarão
atingir aquilo que se oculta de nossos olhos – p. 117;
_ Se estendemos ao sonho total
nossa concepção a respeito de seus elementos isolados, procede que o sonho como
um todo constitui um substituto deformado de alguma outra coisa, algo
inconsciente, e que a tarefa de interpretar um sonho é descobrir esse material
inconsciente. Disso logo resultam, entretanto, três regras importantes que
devemos observar durante o trabalho de interpretação de sonhos. (1) Não devemos
nos preocupar com aquilo que o sonho parece dizer-nos, seja
compreensível ou absurdo, claro ou confuso, de vez que pode não ser o material
inconsciente que estamos procurando. (Uma evidente limitação desta regra
forçosamente irá impor-se à nossa consideração, mais adiante). (2) Devemos
restringir nosso trabalho à recordação das idéias substitutivas de cada
elemento, não devemos refletir sobre elas, nem considerar se contêm algo
importante; e não devemos nos perturbar com o grau de divergência que elas
apresentam em relação ao elemento onírico. (3) Precisamos aguardar até que o
material inconsciente oculto, o qual procuramos, surja com espontaneidade,
exatamente como a palavra esquecida ‘Mônaco’ adveio na experiência que descrevi
– p. 118;
_ Descreveremos como conteúdo manifesto do sonho
aquilo que a pessoa que sonhou realmente nos conta; e o material oculto, que
esperamos encontrar acompanhando idéias que lhe acodem à mente, chamaremos de pensamentos oníricos latentes.
Desse modo, consideramos aqui as relações entre o conteúdo manifesto do sonho e
os pensamentos oníricos latentes conforme se mostrou nesses exemplos – p. 123;
Conferência VIII – Sonhos de
Crianças
_ O que origina um sonho é um
desejo, e a satisfação deste desejo constitui o conteúdo do sonho – esta é uma
das características principais dos sonhos. A outra, igualmente constante, é que
um sonho não apenas confere expressão a um pensamento, mas também representa o
desejo sendo satisfeito sob a forma de uma experiência alucinatória. ‘Gostaria de ir ao lago‘ é o
desejo que origina o sonho. O conteúdo do sonho propriamente dito é: ‘Estou indo ao lago.‘
Portanto, mesmo nesses simples sonhos de crianças, há uma diferença entre o
sonho latente e sonho manifesto, há uma distorção do pensamento onírico
latente: a transformação de um
pensamento em uma vivência. No processo de interpretar um sonho,
essa alteração necessita, primeiro, ser desfeita – p. 132;
_ Em todo caso, ainda há uma
outra classe de sonhos que se apresentam não-deformados e que, como os sonhos
de crianças, facilmente podem ser reconhecidos como realizações de desejos.
Estes são os sonhos que, em qualquer época da vida, são suscitados por
necessidades corporais imperiosas – fome, sede, necessidade sexual -, isto é,
são realizações de desejos sob a forma de reações a estímulos somáticos
internos – p. 135;
_ Em todos os sonhos que não
sejam os de crianças nem os de tipo infantil, nosso caminho, como disse, está
obstruído pela deformação onírica – p. 138;
Conferência IX – A Censura dos
Sonhos
_ O
estudo dos sonhos de crianças nos ensinou a origem, a natureza essencial e a
função dos sonhos. Os sonhos
são coisas que eliminam, pelo método da satisfação alucinatória, estímulos
(psíquicos) perturbadores do sono. No entanto, conseguimos explicar
apenas um grupo dos sonhos de adultos – aqueles que descrevemos como sonhos de
tipo infantil. O que se passa com os demais, ainda não sabemos dizer, contudo
também não os entendemos. Assim mesmo, chegamos a um dado provisório cuja
importância não devemos subestimar. Sempre que um sonho se nos tornou
inteiramente inteligível, veio a se revelar como realização de um desejo em
forma alucinatória. Essa coincidência não pode ter surgido do acaso, deve ter
um significado.Com base em considerações diversas e na analogia com nossa
opinião acerca das parapraxias, supusemos, a propósito de sonhos de uma outra
espécie, que eles seriam um substituto deformado de um conteúdo desconhecido, e
que a primeira coisa seria correlacioná-los com esse conteúdo. Nossa tarefa
imediata, portanto, consiste em uma investigação que nos leva a compreender
essa deformação nos sonhos.
Deformação onírica é aquilo que faz com que um sonho nos pareça estranho e
ininteligível. A respeito dela queremos saber diversas coisas: primeiro, de
onde vem – sua dinâmica – ; segundo, o que faz; e, por último, como faz. Também
podemos dizer que a deformação onírica é obra da elaboração onírica; é
necessário descrevermos a elaboração onírica e explicarmos as forças que nela
operam– p. 139;
_ Omissão,
modificação, novo agrupamento do material – são estas, pois, as atividades da
censura de sonhos e os instrumentos da deformação onírica. A censura de sonhos,
por si mesma, é o agente ou um dos agentes da deformação onírica que agora
estamos examinando. Estamos habituados a combinar os conceitos de modificação e
reajuste sob o termo ‘deslocamento’ – p. 143;
_ O
que encontramos sob a forma de resistência, em nosso trabalho de interpretação,
deve agora ser introduzido na elaboração onírica como censura de sonhos. A
resistência à interpretação é apenas a efetivação da censura do sonho – p. 144;
_ As
tendências contra
as quais se dirige a censura de sonhos devem ser descritas, em primeiro lugar,
do ponto de vista dessa instância mesma. Assim sendo, apenas pode-se dizer que
invariavelmente são de natureza repreensível, repulsiva do ponto de vista
ético, estético e social – assuntos nos quais a pessoa absolutamente não se
aventura a pensar, ou somente pensa com aversão. Esses desejos, que são
censurados e recebem uma expressão deformada nos sonhos, são, primeiro e acima
de tudo, manifestações de um egoísmo desenfreado e impiedoso. E, vejam só, o
próprio ego do sonhador surge e desempenha o papel principal no sonho, apesar
de muito bem saber esconder-se, para o que muito contribui o conteúdo
manifesto. Este ‘sacro
egoísmo’ dos sonhos certamente não é desprovido de alguma relação
com a atitude que adotamos quando dormimos, que consiste em retirarmos nosso
interesse de todo o mundo externo – p. 145;
_ Porém,
os senhores não devem acusar o próprio sonho por causa de seu conteúdo mau. Não
se esqueçam de que ele executa a função inocente, e, na verdade, útil, de
preservar o sono de qualquer perturbação. Essa ruindade não faz parte da
natureza essencial dos sonhos. Com efeito, os senhores também sabem que há
sonhos que podem ser reconhecidos como satisfação de desejos justificados e de
necessidades corporais prementes. Estes, é verdade, não apresentam deformação;
mas também não precisam de deformação, porque podem preencher sua função sem
insultar os propósitos éticos e estéticos do ego. Atentem também para o fato de
que a deformação do sonho é proporcional a dois fatores. Por um lado, ela é tão
maior quanto pior é o desejo a ser censurado; mas, por outro lado, também se
torna maior à medida que mais severas forem as exigências da censura no
momento. Assim, uma moça, educada rigorosamente, pudica, com uma censura
implacável, irá distorcer impulsos oníricos que nós, médicos, por exemplo,
teríamos de considerar desejos libidinais permissíveis, inofensivos e acerca
dos quais, dentro de dez anos, ela mesma fará julgamento igual – p. 146;
_ Tendo
como certo que na vida mental existem intenções inconscientes, nada se prova ao
mostrar que intenções opostas às intenções inconscientes dominam a vida
consciente. Quem sabe, na mente há lugar para existirem lado a lado intenções
opostas, contradições. Possivelmente, na verdade, a dominância de um impulso
seja precisamente a condição necessária para que seu contrário seja inconsciente.
Afinal, restam-nos então as primeiras objeções levantadas: as descobertas da
interpretação de sonhos não são simples e são muito desagradáveis. À primeira
delas podemos responder que toda a paixão dos senhores pelo que é simples não
conseguirá solucionar um só dos problemas dos sonhos. Aqui, os senhores
precisam se acostumar a enfrentar um complexo estado de coisas. E à segunda
objeção podemos responder que os senhores se enganam redondamente quando usam
um gostar ou não-gostar daquilo que sentem como fundamento de um julgamento
científico. Que diferença faz se as descobertas da interpretação de sonhos lhes
parecem desagradáveis ou, na realidade, embaraçosas e repulsivas? ‘Ça n’empêche pas d’exister‘,
conforme ouvi meu mestre Charcot dizer, em situação semelhante, quando eu era
um jovem médico. Deve-se ter humildade e refrear as simpatias e antipatias
quando se deseja descobrir o que é real neste mundo – p. 147/148;
_ a
deformação onírica é conseqüência da censura exercida por intenções reconhecidas
do ego contra impulsos plenos de desejos de qualquer modo censuráveis, que
perturbam nosso interior, à noite, durante nosso sono. Por que isso tem de
acontecer especialmente à noite, e de onde procedem esses desejos repreensíveis
– ambos constituem um assunto sobre o qual, sem dúvida, ainda há muito a
questionar e pesquisar – p. 149;
_ Agora
estamos preparados para supor existirem na mente processos e intenções dos
quais a pessoa pode não saber absolutamente nada, nada soube durante longo
tempo, e até mesmo, talvez, jamais tenha sabido de alguma coisa. Com isso, o
inconsciente adquire um novo sentido para nós; a característica de ‘no momento
atual’ ou ‘temporário’ desaparece de sua natureza essencial. Pode significar permanentemente inconsciente
e não meramente ‘latente em certa época’. Naturalmente, haveremos de ouvir mais
a este respeito, em outra ocasião – p. 150;
Conferência
X
Simbolismo
nos Sonhos
_ Verificamos
que a deformação que ocorre nos sonhos e interfere em nossa possibilidade de
compreendê-los, resulta de uma atividade censora dirigida contra inaceitáveis
impulsos plenos de desejo inconscientes. Não temos afirmado, naturalmente, ser
a censura o único fator responsável pela deformação nos sonhos, e, de fato, ao
estudá-los mais detidamente podemos descobrir que outros fatores desempenham
sua parte na consecução desse resultado – p. 151;
_ Uma
relação constante desse tipo entre um elemento onírico e sua versão, nós a
descrevemos como ‘relação simbólica’, e ao elemento onírico propriamente dito,
como um ‘símbolo’ do pensamento onírico inconsciente. Os senhores estão
lembrando de que, anteriormente, quando investigávamos as relações entre
elementos oníricos e a coisa ‘original’ situada por trás deles, diferenciei
três relações desse tipo – a da parte com o todo, a da alusão e a da
representação plástica. Na ocasião eu os adverti de que havia uma quarta
relação, porém não citei seu nome. Essa quarta relação é a relação simbólica
que estou apresentando agora. Ela enseja oportunidade para algumas discussões
interessantes, e eu passarei a estas antes de lhes demonstrar os resultados
detalhados de nossas observações sobre o simbolismo – p. 152/153;
_ O
simbolismo é, talvez, o mais notável capítulo da teoria dos sonhos. Em primeiro
lugar, como os símbolos são versões constantes, realizam até certo ponto o
ideal da antiga, tanto como da popular, interpretação dos sonhos, do qual, com
nossa técnica, nos afastamos muito. Permitem-nos em certas circunstâncias
interpretar um sonho sem fazer perguntas ao sonhador que, de qualquer modo,
realmente nada teria a nos dizer acerca do símbolo. Se estivermos
familiarizados com os símbolos oníricos comuns, e, ademais disso, com a
personalidade do sonhador, as circunstâncias em que ele vive e as impressões
que precederam a ocorrência do sonho, freqüentemente estaremos em situação de
interpretar um sonho com segurança – de traduzi-lo à vista, por assim dizer. Um
virtuosismo dessa espécie lisonjeia a quem interpreta o sonho e impressiona
aquele que teve o sonho; forma um agradável contraste com a laboriosa tarefa de
interrogar o sonhador. Contudo, não se deixem perder-se com isso. Não é de
nosso feitio executar atos de virtuosismo. A interpretação baseada no
conhecimento dos símbolos não é uma técnica que possa substituir a técnica
associativa, nem competir com esta. A técnica dos símbolos suplementa a técnica
associativa e produz resultados que apenas possuem utilidade, quando
subordinada a esta – p. 153;
_ Nos
sonhos, a grande maioria dos símbolos são símbolos sexuais. E aqui se revela
uma estranha desproporção. Os temas que mencionei são poucos, os símbolos que
os representam são, porém, extremamente numerosos, de forma que cada uma dessas
coisas pode ser expressa por numerosos símbolos quase equivalentes. Quando
interpretados, o resultado origina objeções generalizadas. Pois, em contraste
com a multiplicidade das representações no sonho, as interpretações dos
símbolos variam muito pouco, o que enfada qualquer pessoa que ouve falar nisso;
mas, o que podemos fazer quanto a isto? – p. 155;
_ Não
se melindrem com a idéia de que os sonhos com voar, tão comuns e freqüentemente
tão agradáveis, devam ser interpretados como sonhos de excitação sexual geral,
como sonhos de ereção – p. 156;
_ Nos
mitos sobre o nascimento de heróis – aos quais Otto Rank [1909] dedicou um
estudo comparado, sendo o mais antigo o mito do rei Sargão, de Agade (cerca de
2.800 a.C.) -, uma parte predominante é desempenhada pelo abandono na água e o
resgate da água. Rank constatou que isso são representações do nascimento,
análogas às que comumente surgem nos sonhos. Quando uma pessoa salva alguém das
águas, em um sonho, ela se transforma em sua mãe, ou, simplesmente, em mãe. Nos
mitos uma pessoa que salva um bebê das águas admite ser a verdadeira mãe do
bebê. Existe uma conhecida anedota cômica segundo a qual perguntaram a um inteligente
menino judeu quem era a mãe de Moisés. Respondeu sem hesitação: ‘A princesa.’
‘Não’, disseram-lhe, ‘ela somente o tirou da água’ ‘Isso é o que ela diz’,
replicou, e assim provou que havia encontrado a interpretação correta do mito –
p. 162;
_ Eu
disse que os sonhos, ainda que não houvesse censura de sonhos, não seriam
facilmente inteligíveis para nós, de vez que ainda teríamos de nos defrontar
com a tarefa de traduzir a linguagem simbólica dos sonhos para a de nosso
pensamento desperto. Assim, o simbolismo é um segundo e independente fator de
deformação de sonhos, ao lado da censura de sonhos. É plausível supor, porém,
que a censura de sonhos julga conveniente fazer uso do simbolismo, porque isso
conduz ao mesmo fim: o caráter estranho e incompreensível dos sonhos – p. 170;
Conferência
XI
Elaboração
Onírica
_ Estabelecemos quatro
principais relações, ou seja: relação da parte com o todo, aproximação ou
alusão, relação simbólica e representação plástica das palavras. Agora nos
propomos empreender a mesma coisa, em escala mais ampla, comparando o conteúdo
manifesto de um sonho como um
todo com o sonho latente, conforme este é revelado pela
interpretação. Espero que os senhores nunca mais venham a confundir essas duas
coisas uma com a outra. Se alcançarem esse ponto, terão conseguido compreender
melhor os sonhos do que a maioria dos leitores de meu trabalho A Interpretação de Sonhos. E
permitam-me lembrar-lhes novamente que o trabalho que transforma o sonho
latente no sonho manifesto se chama elaboração
onírica. O trabalho que opera em sentido oposto, que intenta chegar
ao sonho latente a partir do manifesto, é nosso trabalho interpretativo. Esse trabalho
interpretativo procura decifrar a elaboração onírica – p. 171;
_ A primeira realização da elaboração
onírica é a condensação. Entendemos, com isso, que o sonho manifesto
possui um conteúdo menor do que o latente, e é deste uma tradução abreviada,
portanto. Às vezes a condensação pode estar ausente; via de regra se faz
presente e, muitíssimas vezes, é enorme. Jamais ocorre uma mudança em sentido
inverso; ou seja, nunca encontramos um sonho manifesto com extensão ou com
conteúdo maior do que o sonho latente. A condensação se realiza das seguintes
maneiras: (1) determinados elementos latentes são totalmente omitidos, (2)
apenas um fragmento de alguns complexos do sonho latente transparece no sonho
manifesto e (3) determinados elementos latentes, que têm algo em comum, se
combinam e se fundem em uma só unidade no sonho manifesto – p. 172;
_ No que concerne à relação
entre o sonho latente e o manifesto, a condensação tem como conseqüência o
estabelecimento de uma relação não-simples entre os elementos de um e de outro.
Um elemento manifesto pode corresponder simultaneamente a diversos elementos
latentes e, em sentido inverso, um elemento latente pode desempenhar seu papel
em diversos elementos manifestos – existe, por assim dizer, um relacionamento
entrecruzado. Ademais, ao interpretar um sonho verificamos que as associações
com um único elemento manifesto nem sempre emergem em seqüência ordenada:
muitas vezes devemos esperar até todo o sonho ter sido interpretado – p. 174;
_ A
segunda realização da elaboração onírica é o deslocamento.
Felizmente já procedemos a um exame preliminar do mesmo: pois já sabemos que é
inteiramente obra da censura dos sonhos. Manifesta-se de duas maneiras: na
primeira, um elemento latente é substituído não por uma parte componente de si
mesmo, mas por alguma coisa mais remota, isto é, por uma alusão; e, na segunda,
o acento psíquico é mudado de um elemento importante para outros sem
importância, de forma que sonho parece descentrado e estranho – p. 174/175;
_ A
terceira realização da elaboração onírica é psicologicamente a mais
interessante. Consiste em transformar pensamentos em imagens visuais – p. 177;
_ Entre
os achados mais surpreendentes encontra-se a maneira como a elaboração onírica
trata os contrários que ocorrem nos sonhos latentes. Já sabemos que as
semelhanças no material latente são substituídas por condensações no sonho
manifesto. Pois bem, os contrários são tratados da mesma forma que as
semelhanças, e existe uma especial preferência por expressá-los pelo mesmo
elemento manifesto. Assim, um elemento no sonho manifesto, capaz de ter o seu
contrário, com igual facilidade pode estar se expressando a si próprio, ou seu
contrário, ou ambos conjuntamente: apenas o sentido pode decidir qual a versão
que se deve escolher. Isto se vincula com o fato adicional de que, nos sonhos,
não se encontrará uma representação para ‘não’ – ou, de qualquer modo, uma
representação isenta de ambiguidade. Uma oportuna analogia com esse estranho
comportamento da elaboração onírica nos é proporcionada com a evolução da
linguagem – p. 179;
_ Por
outro lado, não devemos superestimar a elaboração onírica e atribuir-lhe
demasiada importância. As suas realizações, que citei, resumem toda a sua
atividade; ela não pode fazer mais que condensar, deslocar, representar em
forma plástica e submeter o todo a uma elaboração secundária. O que no sonho
aparece como expressão de julgamento, crítica, surpresa ou interferência – nada
disso são realizações da elaboração onírica e muito raramente são expressões de
pensamentos subseqüentes referentes ao sonho; na sua maioria, são parcelas de
pensamentos oníricos que passaram para o sonho manifesto com maior ou menor
grau de modificação e adaptação ao contexto. E a elaboração onírica não
consegue formar discursos. Com algumas exceções destacadas, os discursos nos sonhos
são cópias e combinações de discursos que alguém ouviu ou enunciou para si
próprio no dia anterior ao sonho e que foram incluídos nos pensamentos
latentes, ou como material ou como instigadores dos sonhos. A elaboração
onírica também é incapaz de efetuar cálculos – p. 183;
_ A
elaboração onírica é um processo de tipo muito singular, do qual ainda não se
tem conhecido similar na vida mental. Condensações, deslocamentos,
transformações regressivas de pensamentos em imagens: eis os novos fatos cuja
descoberta premiou abundantemente os esforços da psicanálise – p. 183;
_ o
mecanismo da construção onírica é o modelo segundo o qual se formam os sintomas
neuróticos – p. 184;
Conferência
XII
Algumas
Análises de Amostras de Sonhos
_ Em
primeiro lugar, devo admitir que ninguém efetua interpretação de sonhos como
sua atividade principal – p. 185;
Conferência
XIII
Aspectos Arcaicos e
Infantilismo dos Sonhos
_ Comecemos mais uma vez
partindo da conclusão a que chegamos de que a elaboração onírica, sob a
influência da censura dos sonhos, transpõe a ordem dos pensamentos oníricos
latentes para um modo de expressão diferente. Os pensamentos latentes não
diferem dos nossos conhecidos pensamentos conscientes da vida desperta. O novo
modo de expressão nos é incompreensível devido a muitos de seus aspectos. Temos
dito que ele retorna a estados de nossa evolução intelectual que há muito foram
suplantados: à linguagem por imagens, às conexões simbólicas, a condições que,
talvez, existiram antes de se desenvolver nossa linguagem de pensamento. Temos
descrito, por essa razão, o modo de expressão da elaboração onírica como arcaico
ou regressivo. Os senhores podem concluir, com isto, que, se estudarmos
mais a elaboração onírica, deveremos conseguir lograr valioso esclarecimento
dos poucos conhecidos inícios de nosso desenvolvimento intelectual. Espero que
assim seja; contudo, este trabalho até agora não foi iniciado. A pré-história à
qual a elaboração onírica nos faz retroceder é de duas espécies – de um lado, à
pré-história do indivíduo, sua infância; e, de outro lado, até onde cada
indivíduo de alguma maneira recapitula, em forma abreviada, todo o
desenvolvimento da espécie humana, também à pré-história filogenética.
Conseguiremos distinguir qual parte dos processos mentais latentes deriva do
período pré-histórico do indivíduo, e qual a parte proveniente da pré-história
filogenética? Penso não ser impossível consegui-lo. A mim, por exemplo,
parece-me que as conexões simbólicas que o indivíduo jamais adquiriu por
aprendizado, podem, com razão, exigir serem consideradas como herança
filogenética – p. 201;
_ Deter-nos-emos nesses
desejos de eliminar alguém, os quais, em sua maioria, podem ser atribuídos ao
desenfreado egoísmo do sonhador. Um desejo desse tipo muito amiúde pode ser apontado
como o maquinador de um sonho. Sempre que alguém, no decurso da vida, se
interpõe no caminho de uma pessoa – e como é freqüente isso acontecer, face à
complexidade dos relacionamentos de uma pessoa! -, um sonho logo se prontifica
a matar esse alguém, mesmo que se trate do pai ou da mãe, do irmão ou da irmã,
do marido ou da esposa. Essa maldade da natureza humana surgiu-nos para grande
surpresa nossa, e, decididamente, não estávamos propensos a aceitar, sem
indagações, esse resultado da interpretação de sonhos. No entanto, assim que
fomos levados a procurar a origem desses desejos no passado, descobrimos o
período do passado do indivíduo quando não havia ainda nada de estranho em tal
egoísmo e em tais impulsos plenos de desejos dirigidos até mesmo contra os
parentes mais próximos. São as crianças, e precisamente nesses primeiros anos,
mais tarde velados pela amnésia, que freqüentemente manifestam um tal egoísmo
em grau extremamente marcado e, invariavelmente, mostram evidentes rudimentos
ou, expressando-se com maior correção, resíduos dele. As crianças amam em
primeiro lugar a si próprias, e apenas mais tarde é que aprendem a amar os
outros e a sacrificar algo de seu ego aos outros. As próprias pessoas a quem
uma criança parece amar desde o início, no começo são amadas pela criança
porque esta necessita delas e não pode dispensá-las – por motivos egoístas,
mais uma vez. Somente mais tarde o impulso de amar se torna independente do
egoísmo. É literalmente verdadeiro que seu
egoísmo ensinou a amar – p. 205/206;
– Não
pretendo afirmar que o complexo de Édipo engloba toda a relação dos filhos com
os pais: esta pode ser muito mais complexa. O complexo de Édipo, ademais disso,
pode estar desenvolvido em maior ou menor intensidade, pode até mesmo estar
invertido; mas constitui fator constante e importante na vida mental de uma
criança, e existe maior risco de, antes, subestimarmos, do que superestimarmos
sua influência e a dos desenvolvimentos que nele se originam – p. 208/209;
_ Primeiro
e acima de tudo, é um erro injustificável negar que as crianças têm uma vida
sexual e supor que a sexualidade somente inicia na puberdade, com a maturação
dos genitais. Pelo contrário, bem desde o início as crianças têm uma intensa
vida sexual, que difere em muitos pontos daquilo que mais tarde é considerado
normal. Aquilo que na vida adulta é descrito como ‘perverso’ difere do normal
por estes aspectos: primeiro, porque despreza a barreira da espécie (o abismo
entre o homem e o animal); segundo, por transpor a barreira contra a repugnância;
terceiro, a barreira contra o incesto (proibição contra a busca da satisfação
sexual em relações consangüíneas próximas); quarto, a barreira contra pessoas
do mesmo sexo; e quinto, por transferir a outros órgãos e áreas do corpo o
papel desempenhado pelos genitais. Nenhuma destas barreiras existia desde o
começo; foram estabelecidas apenas gradualmente, no decorrer do desenvolvimento
e da educação. Crianças de tenra idade são livres delas – p. 210;
_ Reunamos
agora tudo aquilo com que nossas pesquisas acerca da psicologia da criança têm
contribuído para nossa compreensão dos sonhos. Não somente constatamos que o
material das vivências esquecidas da infância tem acesso aos sonhos, como
também vimos que a vida mental das crianças, com todas as suas características,
seu egoísmo, sua escolha incestuosa de objetos de amor, e assim por diante,
ainda persiste nos sonhos – isto é, no inconsciente; e que os sonhos nos levam
de volta, todas as noites, a esse nível infantil. Confirma-se assim o fato de
que, na vida mental, o que é
inconsciente é também o que é infantil. A estranha impressão de
haver tanta maldade nas pessoas começa a reduzir-se. Esta maldade temida é
simplesmente a inicial e primitiva parte infantil da vida mental, que podemos
encontrar em real atuação nas crianças, à qual, contudo, em parte não damos
importância, nas crianças, devido ao pequeno tamanho delas, e, em parte, não a
levamos a sério porque das crianças não esperamos elevado padrão ético algum.
Visto os sonhos regredirem a esse nível, eles dão a impressão de terem revelado
o mal que existe em nós. Esta, todavia, é uma aparência enganadora, pela qual
nos temos deixado atemorizar. Não somos tão maus como tenderíamos a supor a
partir da interpretação dos sonhos. Se esses impulsos maus nos sonhos são meros
fenômenos infantis, um retorno aos inícios de nossa evolução ética (de vez que
os sonhos simplesmente nos transformam novamente em crianças, em nossos
pensamentos e sentimentos), não temos, se formos racionais, necessidade de nos
envergonhar desses sonhos de maldade. Aquilo que é racional, porém, constitui
apenas uma parte
da vida mental, inúmeras outras coisas se passam na vida mental e não são
racionais; e assim sucede irracionalmente estarmos
envergonhados desses sonhos – p. 212;
_ Como
resultado de nossas pesquisas, atenhamo-nos a duas descobertas, embora apenas
signifiquem o começo de novos enigmas e de novas dúvidas. Em primeiro lugar, a
regressão da elaboração onírica não é apenas formal, mas também material. Não
só traduz nossos pensamentos em uma forma primitiva de expressão; revive,
também, as características de nossa vida mental primitiva – a antiga dominância
do ego, os primeiros impulsos de nossa vida sexual e, realmente, até mesmo,
nossa antiga propriedade intelectual, caso assim possam ser consideradas as
conexões simbólicas. E, em segundo lugar, tudo isso que é antigo e infantil e
que em certa época foi dominante, e dominante sozinho, hoje deve ser atribuído
ao inconsciente, acerca do qual nossas idéias agora se estão modificando e
ampliando. ‘Inconsciente’ já não é mais o nome daquilo que é latente no
momento; o inconsciente é um dos reinos da mente com seus próprios impulsos
plenos de desejos, seu modo de expressão próprio, e com seus mecanismos mentais
específicos que não vigoram em outros setores. No entanto, os pensamentos
oníricos latentes, que descobrimos ao interpretar sonhos, não pertencem a este
reino; são, ao contrário, pensamentos iguais àqueles que poderíamos ter pensado
na vida desperta. Não obstante, são inconscientes. Como, então, se pode
solucionar esta contradição? Começamos a suspeitar que aqui deve ser
estabelecida uma distinção. Alguma coisa que deriva de nossa vida consciente e
compartilha de suas características – nós a denominamos ‘resíduos diurnos’ –
combina-se com alguma outra coisa proveniente dos domínios do inconsciente, a
fim de se construir um sonho. A elaboração onírica se realiza entre estes dois
componentes. A influência exercida sobre os resíduos diurnos pela adição do
inconsciente está, sem dúvida, entre os determinantes da regressão. Esta é a
mais profunda compreensão que podemos obter, aqui, da natureza essencial dos
sonhos – até havermos investigado outras regiões da mente. Logo, contudo,
advirá a época de dar outro nome ao caráter inconsciente dos pensamentos
oníricos latentes, a fim de diferenciá-lo do inconsciente oriundo dos domínios
do infantil – p. 213;
Conferência
XIV
Realização
de Desejo
_ Verificamos,
partindo de ambas as fontes de informação, que a elaboração onírica consiste,
essencialmente, na transformação dos pensamentos em uma experiência
alucinatória. É por demais misterioso o modo pelo qual isso pode acontecer, é,
contudo, um problema de psicologia geral, que propriamente não nos interessa
aqui. Ficamos sabendo, pelos sonhos de crianças, que a intenção da elaboração
onírica é eliminar o estímulo mental, perturbador do sono, por meio da
realização de um desejo. Dos sonhos deformados não podíamos dizer nada
semelhante, até descobrirmos como interpretá-los. Desde o início, porém, nossa
expectativa era a de podermos considerar os sonhos deformados sob o mesmo
prisma que os sonhos de crianças. A primeira confirmação desta expectativa nos
foi dada pela descoberta de que, na realidade, todos os sonhos são sonhos de crianças, que
eles operam com o mesmo material infantil, com os impulsos e mecanismos mentais
da infância. Agora que acreditamos haver superado a deformação onírica, devemos
prosseguir e investigar se nossa visão a respeito dos sonhos como realização de
desejos também é válida para os sonhos deformados – p. 215;
_ Não temos dificuldade em
responder que, nos sonhos deformados, a realização de desejo pode não estar
evidente, porém deve ser buscada, de modo que é impossível evidenciar-se depois
que o sonho for interpretado. Sabemos, também, que os desejos, nesses sonhos
deformados, são desejos proibidos – rejeitados pela censura – e a existência
desses desejos justamente foi a causa da deformação onírica, o motivo da
intervenção da censura dos sonhos. Contudo, é difícil fazer o crítico leigo
entender que, antes de um sonho ser interpretado, não se pode investigar a
respeito da realização do desejo desse sonho. Ele continuará esquecendo este
aspecto. Sua rejeição da teoria da realização de desejo realmente não é mais
que uma conseqüência de censura dos sonhos, um substituto da rejeição dos
desejos oníricos censurados e uma decorrência da mesma. Naturalmente, também
sentimos a necessidade de explicar a nós próprios por que existem tantos sonhos
de conteúdo aflitivo e, especialmente, por que existem sonhos de ansiedade.
Aqui, pela primeira vez, encontramos o problema dos afetos nos sonhos;
mereceria uma monografia à parte, porém, infelizmente, não o adentraremos. Se
os sonhos são realizações de desejos, deveria ser impossível surgirem neles os
sentimentos desagradáveis: então pareceria que as críticas leigas teriam razão –
p. 216;
_ Agora
não nos será difícil conseguir compreender melhor ainda os sonhos de ansiedade.
Apresentaremos uma nova observação, e então nos decidiremos a adotar a hipótese
a favor da qual há muito que dizer. A observação consiste em que os sonhos de
ansiedade freqüentemente possuem um conteúdo, por assim dizer, que escapou à
censura. Um sonho de ansiedade, muitas vezes, é a realização indisfarçada de um
desejo – não, naturalmente, de um desejo inaceitável, mas de um desejo
repudiado. A geração da ansiedade assumiu o lugar da censura. Ao passo que de
um sonho infantil podemos dizer ser ele a realização franca de um desejo
permitido, e de um sonho deformado como sendo a realização disfarçada de um
desejo reprimido, a única fórmula adequada a um sonho de ansiedade consiste em
que este é a realização franca de um desejo reprimido. A ansiedade é um sinal
de que o desejo reprimido se mostrou mais forte que a censura, que ele levou a
cabo, ou está a ponto de levar a cabo, sua realização de desejo, apesar da
censura. Percebemos que aquilo que para o desejo é uma realização de desejo,
para nós só pode ser, de vez que estamos do lado da censura, motivo de
sentimentos angustiantes e de repulsa ao desejo. A ansiedade que emerge nos
sonhos é, se preferem, ansiedade face à força destes desejos que normalmente
estão sob controle. A razão por que esta repulsa aparece na forma da ansiedade
não pode ser descoberta apenas a partir do estudo dos sonhos; a ansiedade deve
ser estudada, evidentemente, em outro contexto. Podemos supor que aquilo que é
verdadeiro para os sonhos de ansiedade não-deformados também se aplica àqueles
parcialmente deformados, assim como a outros sonhos desprazíveis, nos quais os
sentimentos desagradáveis provavelmente correspondem a uma aproximação da
ansiedade. Sonhos de ansiedade, via de regra, são também sonhos que fazem
despertar; habitualmente interrompemos nosso sono antes que o desejo reprimido,
no sonho, tenha executado a realização completa, apesar da censura. Nesse caso,
a função do sonho fracassou, mas sua natureza essencial não foi modificada com
isto. Temos comparado os sonhos com o vigia noturno ou guardião do sono, que
procura proteger nosso sono contra perturbações. O vigia noturno, também, pode
chegar ao ponto de acordar a pessoa que dorme, se sente que é por demais fraco
para, sozinho, afugentar a perturbação ou o perigo. Ainda assim, às vezes
conseguimos continuar nosso sono, mesmo quando o sonho começa a ficar inseguro
e a transformar-se em ansiedade – p. 218/219;
_ A
nova idéia que desejo apresentar-lhes é atrair sua atenção para os pensamentos
oníricos latentes que agora se colocaram em primeiro plano. Peço-lhes que não
se esqueçam de que, em primeiro lugar, eles são inconscientes para o sonhador
e, em segundo lugar, de que eles são completamente racionais e coerentes, de
modo que podem ser compreendidos como reações naturais à causa precipitante do
sonho; e, em terceiro lugar, de que eles podem ser o equivalente de qualquer
impulso mental ou operação intelectual. Agora descreverei estes pensamentos,
mais estritamente do que antes, como resíduos diurnos, admita-os ou não a
pessoa que teve o sonho. E farei a distinção entre os resíduos diurnos e os
pensamentos oníricos latentes e, de conformidade com o uso que fizermos
anteriormente, designarei como pensamentos oníricos latentes tudo o que
constatamos na interpretação do sonho, enquanto os resíduos diurnos constituem
apenas uma parte dos pensamentos oníricos latentes. Pensamos, pois, que alguma
coisa se acrescenta aos resíduos diurnos, algo que também fazia parte do
inconsciente, um impulso pleno de desejos, poderoso, porém reprimido; e é este,
somente, que torna possível a construção do sonho. A influência deste impulso
pleno de desejos sobre os resíduos diurnos cria a outra parte dos pensamentos
oníricos latentes – essa parte que já não necessita parecer racional e
inteligível como se fosse derivada da vida desperta – p. 227;
Conferência
XV
Incertezas
e Críticas
_ Recordemos
haver dito que a elaboração onírica executa uma versão dos pensamentos oníricos
segundo um modo de expressão primitivo, semelhante à escrita pictográfica. No
entanto, todos esses sistemas primitivos de expressão se caracterizam por
indefinição e ambigüidade semelhante, não justificando que lancemos dúvidas
sobre sua serventia. A fusão dos contrários, na elaboração onírica, é, como
sabem, análoga à chamada ‘significação antitética das palavras primitivas’ nos
idiomas mais antigos – p. 230;
_ Um
sonho não pretende dizer nada a ninguém. Não é um veículo de comunicação; pelo
contrário, destina-se a permanecer não-compreendido. Por essa razão, não
devemos nos surpreender ou ficar perplexos ao verificarmos que permanecem sem
solução numerosas ambigüidades e obscuridades dos sonhos. O único lucro certo
que auferimos de nossa comparação é a descoberta de que esses pontos de
incerteza que as pessoas tentaram usar como objeções à solidez de nossas interpretações
de sonhos são, ao contrário, características constantes de todos os sistemas
primitivos de expressão – p. 232;
_ Aí
ficou demonstrado como se originam os chistes: uma seqüência de pensamentos
pré-consciente é abandonada por um momento para ser trabalhada no inconsciente,
e deste ela emerge como chiste. Sob a influência do inconsciente, é sujeita aos
efeitos dos mecanismos que ali imperam – condensação e deslocamento -, os
mesmos processos que vimos em ação na elaboração onírica; e é a este aspecto
comum que se deve atribuir a semelhança, quando ocorre, entre chistes e sonhos –
p. 236;
_ Freqüentemente,
é possível influenciar uma pessoa acerca
do que ela vai sonhar, mas nunca aquilo
que sonhará. O mecanismo da elaboração onírica e o desejo onírico inconsciente
estão isentos de qualquer influência externa – p. 238/239;
_ Temos
estudado os sonhos como introdução à teoria das neuroses, e isso foi,
certamente, um procedimento mais correto do que se tivéssemos feito o oposto.
Mas, assim como os sonhos preparam o caminho para uma compreensão das neuroses,
também, por outro lado, uma verdadeira apreciação dos sonhos só pode ser
realizada depois de se conhecer os fenômenos neurótico– p. 239;
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