terça-feira, 29 de outubro de 2013

Artigo - Os 7 Pecados Capitais - O Fim como começo ou a salvação como fim

Os 7 Pecados Capitais 
O Fim como começo ou a salvação como fim

(extraído do livro "Os Sete Pecados Capitais: uma análise histórico-filosófica"
de José Anastácio de Sousa Aguiar)

"O Tempo retirando o véu da Virtude" obra de Jean-François Detroy (1679-1752)
         No que se refere à cristandade, a idéia de pecado, em especial o pecado original, está intimamente ligada aos conceitos de salvação e fé[1]. A aceitação da necessidade de salvação passa pelo pressuposto lógico do cometimento de pecado. E a solução que historicamente nos é oferecida é a redenção, ou melhor dizendo, a fé na redenção. 
          Pois bem, nesse contexto, a idéia de pecado só se justifica se o indivíduo acreditar na existência de vida após a morte e na necessidade de salvar-se, posto que em não se considerando que haja vida além túmulo, não há razão, pelo menos no que se refere ao indivíduo isoladamente considerado, para esperar qualquer recompensa ou punição no além.
         Mas, como e quem nos pode oferecer a salvação? Em que pese, hodiernamente não haver grandes contendas sobre o tema, no passado esta questão suscitou debates acalorados.
        Na Igreja cristã primitiva discutiu-se sobre o tópico e duas correntes de pensamento se enfrentaram: o monergismo e o sinergismo.
       O monergismo asseverava que o homem não tinha qualquer participação em sua salvação, sendo salvo ou condenado exclusivamente pela decisão soberana de Deus.
        Já os defensores do sinergismo afirmavam que Deus era o responsável pela salvação, mas o homem tinha algum grau de participação.[2] 
         Sobre o tema, destaca-se Huberto Rohden[3]: “Nos séculos IV e V da Era Cristã, dois teólogos, Agostinho, o africano, e Pelágio, o monge britânico que vivia em Roma, travaram violento duelo mental sobre o como da redenção: Pelágio defendia a antroporredenção, redenção pelo poder do livre-arbítrio humano – ao passo que Agostinho só defendia Teorredenção, redenção pelo poder da graça divina; Deus salva o homem, o homem só se pode perder por si mesmo, mas não se pode salvar por si mesmo.” [4] 
       O monergismo veio a prevalecer como doutrina oficial da Igreja e todas as outras teorias foram rechaçadas e condenadas pelos antigos concílios cristãos.
         Cumpre destacar que segundo Averróis[5] as posturas da Igreja oficial – qualquer que seja ela – eram meios para atingimento de determinado fim, posto que o ilustre filósofo cordobês afirmava que “as crenças populares, como a antropomorfização de Deus e dos anjos, as representações sensíveis do paraíso e do inferno, bem como a liturgia de todas as religiões, são meios práticos necessários para levar o homem comum à prática da virtude”. [6] 
       Após a exposição desses conceitos teóricos, passo a apresentar uma pequena resenha de como duas das mais antigas tradições, a egípcia e a cristã vêem a peregrinação da alma no post-mortem e a salvação.




[1] Em que pese o tema fé não ser objeto do presente livro, trago ao leitor interessante postura de Maimôides. Moisés Bem Maimon (1135-1204) foi um destacado rabino espanhol do século XII. Seus escritos cobrem uma vasta área da teologia e da filosofia, em especial as relações entre fé e razão. Entendia que “a fé em Deus deve ser totalmente desinteressada, ou seja, não esperar nenhuma recompensa e, acrescentemos nenhum castigo por suas ações; o Deus maimonidiano não é um bicho-papão. O exercício da justiça, da verdade e do amor ao próximo constituem, por si sós, sua recompensa. Maimônides percebeu muito bem que essa sublime concepção estava ao alcance apenas de uma ínfima parcela da humanidade, cujo modelo basilar seria o patriarca Abraão. Assim, ele admitia como aceitável para o judaísmo a fé interesseira, ou seja, a fé daquele que crê na recompensa por suas boas ações e no castigo para as más, única forma de fé acessível ao comum das pessoas, (...)”  HADDAD, Gerard – Maimônides; Tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira – São Paulo – Editora Estação Liberdade – 2003 – p. 78.
[2] Alguns pensadores cristãos de diversas épocas desenvolveram diferentes formas de sinergismo, como o pelagianismo, que nega a existência do pecado original, e em assim sendo pelas boas obras o homem poderia salvar-se, e o semipelagianismo, que afirma que o homem tem alguma participação na salvação, ao se predispor para tal.
[3] Huberto Rohden (1893-1981) – filósofo, educador e teólogo brasileiro. Tido como o precursor brasileiro do espiritualismo universalista. Escreveu cerca de 100 obras, com ênfase na filosofia univérsica ou cósmica – linha de pensamento que propõe a unidade da ciência e religião e a universalidade do homem e as forças da natureza. 
[4] ROHDEN, Huberto – Metafísica do Cristianismo: a alma de Jesus revelada no Pai-nosso – São Paulo – Editora Martin Claret – 5ª Edição – 2011, p. 19. 
[5] Averróis foi um médico, jurista e filósofo nascido em 1126 em Córdoba, atual Espanha, então sob domínio muçulmano. Destacou-se por seus comentários e interpretações às obras de Aristóteles. Em suas obras procura harmonizar razão e fé. Concebe o universo como uma totalidade, sempre em movimento e transformação, na qual todos os seres formam uma escala de graus de potencialidade e atualidade, desde o ato puro - Deus, que é o motor necessário, pois tem em si o princípio do movimento, até a pura potência identificada com a matéria prima. Em razão das suas idéias, Averróis foi acusado e condenado por “impiedade religiosa” pelo príncipe Al-Mansur. 
[6] COSTA, José Silveira da – Averróis: o aristotelismo radical – São Paulo – Editora Moderna – 3ª Edição – 1994, p. 51.

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