Resumo
do Livro XVI – Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (Partes III) (1915-1916)
Parte
III – Teoria Geral das Neuroses (1917[1916-17])
Conferência
XVI – Psicanálise e Psiquiatria
_ No ano passado, falei-lhes de como a psicanálise aborda as parapraxias e
os sonhos. Este ano, gostaria de conduzi-los à compreensão dos fenômenos da
neurose, que, conforme logo verificarão, têm muitas coisas em comum com ambos. –
p. 251;
_ Não desejo suscitar convicção; desejo estimular o pensamento e derrubar preconceitos.
– p. 251;
_ Por outro lado, não devem, de modo algum, supor que aquilo que lhes
apresento como conceito psicanalítico seja um sistema especulativo. Pelo
contrário, é empírico – seja uma expressão direta das observações, seja um
processo consistente em trabalhá-las exaustivamente. Se esse trabalho exaustivo
foi executado de uma maneira adequada e fundamentada, isto se verá no decorrer
de futuros progressos da ciência, e realmente posso afirmar, sem jactância,
após um período de quase vinte e cinco anos e tendo atingido uma idade
razoavelmente avançada, que essas observações são o resultado de trabalho
especialmente difícil, intensivo e aprofundado. – p. 252;
_ Mas, na maioria dos casos, tenho agido com acerto; pois todo aquele que
se conduz dessa forma e deixa aberta a porta entre a sala de espera e a sala de
consulta de um médico, é mal-educado e merece uma recepção inamistosa. Não
tomem, contudo, partido nesta questão, sem terem ouvido o restante. Pois esse
descuido por parte do paciente apenas acontece quando esteve sozinho na sala de
espera e, portanto, deixou atrás de si uma sala vazia; jamais acontece no caso
de outras pessoas, que lhe sejam estranha, terem estado esperando com ele.
Nesse último caso, sabe muito bem que é de seu interesse que sua conversa com o
médico não seja ouvida secretamente, e nunca deixa de fechar cuidadosamente as
duas portas. Assim, a omissão do paciente não é determinada pelo acaso ou por
falta de propósito; e, na realidade, ela não é destituída de importância, pois,
conforme verificaremos, elucida a atitude de recém-chegado para com o médico. O
paciente é mais um da grande multidão que tem um desejo insaciável de
autoridade mudança, que deseja ser ofuscado e intimidado. Ele pode ter
perguntado pelo telefone sobre a hora em que mais facilmente poderia conseguir
uma entrevista; havia formado para si a imagem de uma multidão de pessoas
procurando ajuda, como a multidão do lado de fora de uma das filiais de Julius
Meinl. E então entra em uma sala de espera vazia, e principalmente, mobiliada
com extrema modéstia, e fica chocado. Ele tem de fazer o médico pagar pelo
respeito supérfluo que tencionava oferecer-lhe: é assim que deixa de fechar a
porta entre a sala de espera e a sala de consulta. O que quer dizer ao médico,
por essa sua conduta, é: ‘Ah, então não há ninguém, e provavelmente não virá
ninguém enquanto eu estiver aqui.’ Ele se conduziria de forma igualmente
descortês e desrespeitosa durante a consulta, se sua arrogância não recebesse
uma dura repreensão logo no começo. A análise dessa pequena ação sintomática
não lhes diz nada que já não soubessem antes: a tese de que ela não é uma ação
casual, mas teve um motivo, um sentido e uma intenção, que se localiza num
contexto mental específico e que informa, mediante uma pequena indicação,
acerca de um processo mental mais importante. Mais que tudo, porém, essa ação
sintomática lhes revela que o processo assim indicado era inconsciente para a
consciência da pessoa que executou essa ação, de vez que nenhum dos pacientes
que deixou as duas portas abertas teria conseguido admitir, por meio dessa
omissão, que desejasse demonstrar tal desrespeito. Alguns deles provavelmente
ter-se-iam apercebido de determinada sensação de desapontamento ao penetrarem
na sala de espera vazia; mas a conexão entre esta impressão e a ação
sintomática que se seguiu, por certo permaneceu desconhecida de sua consciência.
– p. 255/256;
_ Se não se pode eliminar um delírio mediante uma referência à realidade,
então sem dúvida ele não se originou da realidade. De onde mais ter-se-ia
originado? – p. 258;
_ Verifico agora, senhores, que lhes venho falando de muitas coisas, e os
senhores não estão preparados para entendê-las. Assim procedi para fazer a
comparação entre psiquiatria e psicanálise. Existe, porém, uma coisa que posso
perguntar-lhes, agora. Observaram algum sinal de contradição entre elas? A
psiquiatria não emprega os métodos técnicos da psicanálise; toca
superficialmente qualquer inferência acerca do conteúdo do
delírio, e, ao apontar para a hereditariedade, dá-nos uma etiologia geral e
remota, em vez de indicar, primeiro, as causas mais especiais e próximas. Mas
existe uma contradição, uma oposição nisso? Não é o caso de uma suplementar a
outra? O fator hereditário contradiz a importância da experiência? Ambas as
coisas não se combinam da maneira mais efetiva? Os senhores assegurarão não
existir nada na natureza do trabalho psiquiátrico que possa opor-se à
investigação psicanalítica. O que se opõe à psicanálise não é a psiquiatria,
mas os psiquiatras. – p. 261/262;
Conferência
XVII – O sentido dos sintomas
_ Na última conferência, expliquei-lhes que a psiquiatria clínica atenta
pouco para a forma externa do conteúdo dos sintomas individualmente
considerados, que a psicanálise, entretanto, valoriza precisamente este ponto e
estabeleceu, em primeiro lugar, que os sintomas têm um sentido e se relacionam
com as experiências do paciente. O sentido dos sintomas neuróticos foi
descoberto, em primeira mão, por Josef Breuer, em seu estudo e cura bem
sucedida (entre 1880 e 1882) de um caso de histeria, que desde então se tornou
famoso. É verdade que Pierre Janet apresentou as mesmas provas,
independentemente; com efeito, o pesquisador francês pode alegar prioridade de
publicação, pois foi só uma década depois (em 1893 e 1895), quando estava
colaborando comigo, que Breuer publicou suas observações. Em todo caso, pode
parecer questão de somenos importância saber quem fez a descoberta, de vez que,
como sabem, toda descoberta é feita mais de uma vez, e nenhuma se faz de uma só
vez. Ademais disso, nem sempre o sucesso acompanha o mérito: não foi de Colombo
que a América recebeu seu nome. – p. 265;
_ Os sintomas neuróticos têm, portanto, um sentido, como as parapraxias e
os sonhos, e, como estes, têm uma conexão com a vida de quem os produz. –
p. 265;
_ Essa neurose, conhecida como neurose obsessiva, não é tão comum como a
universalmente conhecida histeria. Não é, se assim posso expressar-me, tão
indiscretamente ruidosa; comporta-se mais como assunto particular do paciente,
prescinde quase que completamente dos fenômenos somáticos e cria todos os
sintomas da esfera mental. A neurose obsessiva e a histeria são as formas de
doenças neuróticas em cujo estudo baseou-se inicialmente a psicanálise, e em
cujo tratamento, também, nossa terapia realiza seus triunfos. Mas a neurose
obsessiva, na qual o enigmático salto do mental para o físico não desempenha
nenhum papel, se nos tornou, através dos esforços da psicanálise, realmente
mais compreensível e conhecida do que a histeria, e temos constatado que ela
apresenta muito mais flagrantemente determinadas características extremas da
natureza da neurose. – p. 266;
_ Certamente, esta é uma doença louca (neurose obsessiva). A imaginação
psiquiátrica mais extravagante não teria conseguido, segundo penso, construir
nada semelhante; e só mesmo vendo-a diante de si a cada dia, é que se é levado
a acreditar nela. No entanto, não suponham que ajudarão o paciente, nem de
longe, admoestando-o para que adote uma nova conduta, deixe de ocupar-se com
esses pensamentos absurdos e faça algo sensato em lugar de suas extravagâncias
infantis. Ele próprio gostaria de fazê-lo, pois está perfeitamente lúcido,
compartilha da opinião dos senhores acerca de seus sintomas neuróticos, e até
mesmo expressa-a espontaneamente aos senhores. Só que ele próprio não consegue
ajudar-se a si mesmo. O que é posto em ação, em uma neurose obsessiva, é
sustentado por uma energia com a qual provavelmente não encontramos nada
comparável na vida mental normal. Existe uma coisa apenas, que ele pode fazer:
realizar deslocamentos, trocas, pode substituir uma idéia absurda por outra um
pouco mais atenuada, em vez de um cerimonial pode realizar um outro. Pode
deslocar a obsessão, mas não removê-la. A possibilidade de deslocar qualquer
sintoma para algo muito distante de sua conformação original é uma das
principais características desta doença. Ademais, surpreende que, nesta
condição, as contradições (polaridades), com as quais a vida mental está
entretecida, emergem de maneira especialmente nítida, diferenciada. Além das
obsessões, de conteúdo positivo e negativo, a dúvida se faz notar na área intelectual, e
lentamente começa a corroer até mesmo aquilo que geralmente é tido como muito
certo. A situação inteira termina em um grau sempre crescente de indecisão,
perda da energia e restrição da liberdade. Ao mesmo tempo, o neurótico
obsessivo inicia seus empreendimentos com uma disposição de grande energia,
freqüentemente é muito voluntarioso e, via de regra, tem dotes intelectuais
acima da média. Geralmente atingiu um nível de desenvolvimento ético
satisfatoriamente elevado; mostra-se superconsciencioso, e tem uma correção
fora do comum em seu comportamento. – p. 267;
_ Devo, assim, contentar-me com ter-lhes dado um prova experimental de
minha asserção e, quanto ao restante, remeto-os aos relatos que a bibliografia
oferece sobre o assunto – às clássicas interpretações de sintomas do primeiro
caso (de histeria), de Breuer, à vívida luz lançada sobre os mais obscuros
sintomas daquilo que se conhece como dementia praecox, por C. G. Jung [1907], numa época em
que ele era apenas psicanalista e ainda não aspirava a ser profeta; e a todos
os trabalhos que desde então têm enchido os nossos periódicos. Não faltavam
investigações, justamente sobre esses assuntos. A análise, interpretação e
tradução de sintomas psiconeuróticos provaram ser tão atraentes para os
psicanalistas, que estes, por um tempo, negligenciaram os demais problemas da
neurose. Se algum dos senhores empreender exercícios desta natureza, certamente
terá uma poderosa impressão da quantidade de provas documentais. Mas também se
defrontará com uma dificuldade. O sentido de um sintoma, conforme verificamos,
possui determinada conexão com a experiência do paciente. Quanto mais
individual for a forma dos sintomas, mais motivos teremos para esperar que
seremos capazes de estabelecer esta conexão. A tarefa, então, consiste
simplesmente em descobrir, com relação a uma idéia sem sentido e uma ação
despropositada, a situação passada em que a idéia se justificou e a ação serviu
a um propósito. – p. 277;
Conferência
XVIII – Fixação em traumas – O Inconsciente
_ Não podemos desprezar a questão de saber por que, de que forma e por
qual motivo uma pessoa pode chegar a uma atitude assim tão estranha (fixação em
traumas) perante a vida, uma atitude tão pouco prática – supondo-se que esta atitude
seja uma característica geral das neuroses, e não uma peculiaridade especial
dessas duas pacientes. E, de fato, é um aspecto geral, de grande importância
prática em toda neurose. – p. 281/282;
_ Esta analogia nos compele a descrever como traumáticas também aquelas
experiências nas quais nossos pacientes neuróticos parecem se haver fixado.
Isto nos proporia uma causa única para o início da neurose. Assim, a neurose
poderia equivaler a uma doença traumática, e apareceria em virtude da
incapacidade de lidar com uma experiência cujo tom afetivo fosse excessivamente
intenso. Na verdade, foi esta realmente a primeira fórmula pela qual (em 1893 e
1895) Breuer e eu explicamos teoricamente nossas observações. Um caso como
aquele da primeira de minhas duas pacientes, em minha conferência anterior – a
jovem mulher casada separada de seu marido – ajusta-se muito bem a esta
opinião. Ela não tinha superado o fracasso de seu casamento e permanecia ligada
ao trauma. – p. 283;
_ Quanto ao tema da fixação numa determinada fase do passado, podemos,
porém, acrescentar que tal conduta é muito mais difundida do que a neurose.
Toda neurose inclui uma fixação desse tipo, mas nem toda fixação conduz a uma
neurose, coincide com uma neurose ou surge devido a uma neurose. Um perfeito
modelo de fixação afetiva em algo que é passado, é o que se nos apresenta no
luto, que realmente envolve a mais completa alienação do presente e do futuro.
Mesmo o julgamento de um leigo, contudo, distinguirá com nitidez entre luto e
neurose. Existem, por outro lado, neuroses que podem ser descritas como forma
patológica de luto. Também pode acontecer que uma pessoa seja levada a uma
parada tão completa, devido a um acontecimento traumático que estremece os
alicerces de sua vida, a ponto de abandonar todo o interesse pelo presente e
pelo futuro e manter-se permanentemente absorvida na concentração mental no
passado. Uma pessoa assim desafortunada, porém, não se torna, por isso,
necessariamente neurótica. Não atribuiremos, portanto, demasiado valor a este
único aspecto ao caracterizar a neurose, embora ele esteja regularmente
presente e possa ser geralmente importante. – p. 284;
_ Os processos mentais, portanto, tinham estado em operação dentro dela e
o ato obsessivo era o efeito deles; ela se apercebia deste efeito num estado
mental normal, porém nenhum dos predeterminantes deste efeito vieram ao
conhecimento de sua consciência. – p. 285;
_ Isto não é tudo, porém. Graças a uma segunda descoberta de Breuer, que a
mim parece mais significativa ainda do que a outra, a que ele empreendeu
sozinho, aprendemos ainda mais acerca da conexão entre os sintomas neuróticos e
o inconsciente. Não apenas o sentido dos sintomas é, com regularidade,
inconsciente, mas também existe uma relação inseparável entre este fato de os
sintomas serem inconscientes e a possibilidade de eles existirem. Logo os
senhores me compreenderão. Estou de acordo com Breuer ao afirmar que sempre ao
encontrarmos um sintoma, poderemos concluir existirem determinados processos
mentais definidos, no paciente, os quais contêm o sentido do sintoma. Mas,
também é necessário que este sentido seja inconsciente, para que o sintoma possa
surgir. Jamais se constroem sintomas a partir de processos conscientes; tão
logo os processos inconscientes pertinentes se tenham tornado conscientes, o
sintoma deve desaparecer. Aqui os senhores prontamente percebem um meio de se
chegar à terapia, uma forma de fazer os sintomas desaparecerem. E, dessa
maneira, Breuer realmente recuperou sua paciente histérica – isto é, libertou-a
de seus sintomas; encontrou uma técnica de trazer à consciência os processos
mentais inconscientes que continham o sentido dos sintomas, e os sintomas
desapareceram. – p. 287;
_ A construção de um sintoma é o substituto de alguma outra coisa que não
aconteceu. Determinados processos mentais normalmente deveriam ter evoluído até
um ponto em que a consciência recebesse informações deles. Isto, porém, não se
realizou, e, em seu lugar – a partir dos processos interrompidos, que de alguma
forma foram perturbados e obrigados a permanecer inconscientes – o sintoma
emergiu. Assim, passou-se algo semelhante a uma troca; se isso
puder ser invertido, o tratamento dos sintomas neuróticos terá atingido seus
objetivos. – p. 287/288;
_ A descoberta de Breuer ainda é o alicerce da terapia psicanalítica. A
tese, segundo a qual os sintomas desaparecem quando se fazem conscientes seus
motivos predeterminantes inconscientes, tem sido confirmada por todas as
pesquisas subseqüentes, embora nos defrontemos com as mais estranhas e
inesperadas complicações ao tentarmos pô-la em prática. Nossa terapia age
transformando aquilo que é inconsciente em consciente, e age apenas na medida
em que tem condições de efetuar essa transformação. – p. 288;
_ Se o médico transferir seu conhecimento para o paciente, na forma de
informação, não se produz nenhum resultado. Não, seria incorreto dizer isso.
Não resulta em remoção do sintoma, mas tem um outro resultado – o de pôr em
movimento a análise, do que um dos primeiros sinais, freqüentemente, são as
expressões de rechaço. O paciente sabe, depois disso aquilo que antes não sabia
– o sentido de seus sintomas; porém, sabe tanto quanto sabia. Com isso,
aprendemos que existe mais de uma espécie de ignorância. Necessitaremos ter uma
compreensão mais profunda da psicologia, para que esta nos mostre em que
consistem essas diferenças. Malgrado isso, continua, porém, verdadeira a nossa
tese segundo a qual os sintomas desaparecem quando seu sentido se torna
conhecido. Tudo quanto nos resta acrescentar é que o conhecimento deve
basear-se numa modificação interna no paciente, e esta só pode efetuar-se
através de uma parcela de trabalho psicológico orientado para um objetivo
determinado. Aqui deparamos com problemas que, presentemente, serão agrupados
na dinâmica da
construção dos sintomas. – p. 289;
_ Conforme já
ouviram falar, a tarefa do tratamento psicanalítico pode ser expressa nesta
fórmula: sua tarefa consiste em tornar consciente tudo o que é patogenicamente
inconsciente. Os senhores talvez se surpreenderão ao constatar, então, que esta
fórmula pode ser substituída por uma outra: sua tarefa consiste em preencher
todas as lacunas da memória do paciente, em remover as amnésias. O que
corresponderia à mesma coisa. Com isso queremos dizer que as amnésias dos
pacientes neuróticos possuem importante conexão com a origem de seus
sintomas. – p. 290;
_ No transcorrer dos séculos, o ingênuo amor-próprio dos homens teve de
submeter-se a dois grandes golpes desferidos pela ciência. O primeiro foi
quando souberam que a nossa Terra não era o centro do universo, mas o diminuto
fragmento de um sistema cósmico de uma vastidão que mal se pode imaginar. Isto
estabelece conexão, em nossas mentes, com o nome de Copérnico, embora algo
semelhante já tivesse sido afirmado pela ciência de Alexandria. O segundo golpe
foi dado quando a investigação biológica destruiu o lugar supostamente
privilegiado do homem na criação, e provou sua descendência do reino animal e
sua inextirpável natureza animal. Esta nova avaliação foi realizada em nossos
dias, por Darwin, Wallace e seus predecessores, embora não sem a mais violenta
oposição contemporânea. Mas a megalomania humana terá sofrido seu terceiro
golpe, o mais violento, a partir da pesquisa psicológica da época atual, que
procura provar o ego que ele não é senhor nem mesmo em sua própria casa,
devendo, porém, contentar-se com escassas informações acerca do que acontece
inconscientemente em sua mente. Os psicanalistas não foram os primeiros e nem
os únicos que fizeram essa invocação à introspecção; todavia, parece ser nosso
destino conferir-lhe expressão mais vigorosa e apoiá-la com material empírico
que é encontrado em todas as pessoas. Em conseqüência, surge a revolta geral
contra nossa ciência, o desrespeito a todas as considerações de civilidade
acadêmica e a oposição se desvencilha de todas as barreiras da lógica
imparcial. Em ademais de tudo isso, perturbamos a paz deste mundo também de uma
outra forma, conforme em breve os senhores ouvirão. – p. 292
Conferência XIX – Resistência
e repressão
_ Em primeiro lugar, então, quando assumimos a tarefa de recuperar um
paciente para a saúde, aliviá-lo dos sintomas de sua doença, ele nos enfrenta
com uma resistência intensa e persistente, que se prolonga por toda a duração
do tratamento. Este é um fato tão estranho que não podemos esperar que as
pessoas acreditem muito nele. A este respeito é melhor nada dizer aos parentes
dos pacientes, pois eles, invariavelmente, consideram-no desculpa de nossa
parte para o prolongamento ou fracasso de nosso tratamento. O paciente, também,
apresenta todos os fenômenos desta resistência, sem reconhecê-la como tal, e,
se pudermos induzi-lo a adotar nossa opinião a respeito dela e a contar com a
existência da mesma, isto já se pode considerar como grande êxito. – p. 293;
_ No tratamento psicanalítico, fazemos uso da mesma técnica que os
senhores já conhecem da interpretação de sonhos. Instruímos o paciente para se
colocar em um estado de auto-observação tranqüila, irrefletida, e nos referir
quaisquer percepções internas que venha a ter – sentimentos, pensamentos,
lembranças – na ordem em que lhe ocorrem. Ao mesmo tempo, advertimo-lo
expressamente a não deixar que algum motivo leve-o a fazer uma seleção entre
essas associações ou a excluir alguma dentre elas, seja porque é muitodesagradável ou
muito indiscreta para
ser dita, ou porque é muito banal ou irrelevante, ou que é absurda e
não necessita ser dita. Sempre insistimos com o paciente para seguir apenas a
superfície de sua consciência e pôr de lado toda crítica sobre aquilo que
encontrar, qualquer que seja a forma que esta crítica possa assumir; e
asseguramos-lhe que o sucesso do tratamento, e sobretudo sua duração, depende
da conscienciosidade com que ele obedece a esta regra técnica fundamental da
análise. Já sabemos, da técnica da interpretação de sonhos, que aquelas
associações que originam as dúvidas e objeções, que acabei de enumerar, são
justamente as que invariavelmente contêm o material que leva à descoberta do
inconsciente. A primeira coisa que conseguimos ao estabelecer a regra técnica
fundamental é que ela se transforma no alvo dos ataques da resistência. O
paciente procura, por todos os meios, livrar-se das exigências desta regra. Num
momento, declara que não lhe ocorre nenhuma idéia; no momento seguinte, que
tantos pensamentos se acumulam dentro de si, que não pode apreender nenhum. Ora
constatamos com desgostosa surpresa que o paciente cedeu primeiro a uma e,
depois a mais outra objeção crítica: no-lo revela pelas longas pausas que
introduz em seus comentários. E logo depois, admite que existe algo que de fato
não pode dizer – ele teria vergonha de dizer; e permite que este motivo
prevaleça sobre sua promessa. Ou diz que lhe ocorreu algo, mas que isto se
refere a outra pessoa, e não a ele mesmo, e, em vista disso, não há por que
referi-lo. Ou ainda, aquilo que agora lhe acudiu à mente é realmente sem
importância, excessivamente tolo e sem sentido: como é que eu poderia imaginar
que ele enveredasse por pensamentos desse tipo. – p. 294/295;
_ Inicialmente, Breuer e eu
empreendíamos a psicoterapia por meio da hipnose; a primeira paciente de Breuer
foi totalmente tratada sobinfluência hipnótica, e, no início, eu o segui
neste procedimento. Admito que, naquela época, o trabalho avançava mais fácil e
satisfatoriamente, e também em muito menos tempo. Os resultados eram, porém,
incertos e não duradouros, e por esse razão finalmente abandonei a hipnose. E
então compreendi que não se tornaria possível a compreensão da dinâmica destas
doenças enquanto fosse empregada a hipnose. Este estado era justamente capaz de
subtrair à percepção do médico a existência da resistência. Ele fazia recuar a
resistência, tornando uma determinada área livre para o trabalho analítico e
represava-a nas fronteiras desta área sob uma tal forma, que se tornava
impenetrável, do mesmo modo como a dúvida age na neurose obsessiva. Por esse
motivo, tenho podido declarar que a psicanálise propriamente dita começou
quando dispensei o auxílio da hipnose. – p. 298/299;
_ Já sabemos, através da observação de Breuer, que há uma precondição para
a existência de um sintoma: algum processo mental deve não ter sido conduzido
normalmente até seu objetivo normal – que era o objetivo de poder tornar-se
consciente. O sintoma é o substituto daquilo que não aconteceu nesse ponto.
Agora sabemos em que ponto devemos localizar a ação da força que presumimos.
Uma violenta oposição deve ter-se iniciado contra o acesso à consciência do
processo mental censurável, e, por este motivo, ele permaneceu inconsciente.
Por constituir algo inconsciente, teve o poder de construir um sintoma. Esta
mesma oposição, durante o tratamento psicanalítico, se insurge, mais uma vez,
contra nosso esforço de tornar consciente aquilo que é inconsciente. É isto o
que percebemos como resistência. Propusemos dar ao processo patogênico, que é
demonstrado pela resistência, o nome de repressão. – p. 300;
_ Isso é tudo o que temos a dizer, no momento, a respeito da repressão.
Ela, contudo, é apenas a precondição da formação dos sintomas. Os
sintomas, conforme sabemos, são um substituto de algo que foi afastado pela
repressão. Entretanto, vai uma longa distância, ainda, dede a repressão à
compreensão dessa estrutura substitutiva. Quanto a este outro aspecto do
problema, surgem de nossas observações sobre a repressão as seguintes
perguntas: que espécie de impulsos está sujeita à repressão? por que forças ela
se efetua? e por que motivos? Até agora, temos somente uma parcela de
informação a respeito destes pontos. Ao investigar a resistência, constatamos
que ela emana de forças do ego, de traços de caráter conhecidos e latente [ver
em [1], acima]. São estes, pois, os responsáveis pela repressão, ou, pelo
menos, têm uma participação nela. Presentemente, não sabemos de nada mais. – p.
304
Conferência
XX – A vida sexual dos seres humanos
_ Pois bem, senhoras e senhores, que atitude adotaremos para com essas formas
incomuns de satisfação sexual? Indignação, expressão de nossa repugnância
pessoal e garantia de que nós próprios não compartilhamos de semelhantes
sensualidades, obviamente não proporcionarão qualquer ajuda. Na realidade, não
foi para isso que fomos solicitados. Porque, afinal de contas, o que temos de
encarar neste assunto é um campo de fenômenos como qualquer outro. Seria fácil
refutar alguém que negasse sua importância, propondo evasivamente que, afinal,
isto são somente raridades e curiosidades. Pelo contrário, estamos tratando de
fenômenos muito comuns e difundidos. – p. 312;
_ Eu disse que os sintomas neuróticos são substitutos da satisfação sexual
e lhes indiquei que a confirmação desta assertiva pela análise dos sintomas
viria a defrontar-se com numerosas dificuldades. Pois somente será válida se na
‘satisfação sexual’ incluirmos a satisfação daquilo que se chama necessidades
sexuais pervertidas, de vez que, com freqüência surpreendente, se nos impõe uma
interpretação de sintomas dessa espécie. A reivindicação que fazem os
homossexuais ou invertidos de serem uma exceção, desfaz-se imediatamente ao
constatarmos que os impulsos homossexuais são encontrados invariavelmente em
cada um dos neuróticos e que numerosos sintomas dão expressão a essa inversão
latente. Aqueles que se proclamam homossexuais são apenas invertidos conscientes
e manifestos e seu número nada é em comparação com os dos homossexuais latentes.
Entretanto, somos forçados a encarar a escolha de um objeto do mesmo sexo como
um desvio na vida erótica, desvio cuja ocorrência é positivamente freqüente, e
cada vez aprendemos mais sobre isso, atribuindo-lhe importância particularmente
elevada. Sem dúvida, isso não elimina as diferenças entre o homossexualismo
manifesto e uma atitude normal; permanece a importância prática dessas
diferenças, mas seu valor teórico diminui muito. Temos até mesmo verificado que
determinada doença, a paranóia, que não deve ser incluída entre as neuroses de
transferência, origina-se habitualmente de uma tentativa no sentido de o doente
libertar-se de impulsos homossexuais excessivamente intensos. – p. 313;
_ Mas devem ter em mente a seguinte consideração. Se procede o fato de que
um aumento de dificuldade em obter satisfação sexual normal da vida real, ou a
privação desta satisfação, põe à mostra as inclinações pervertidas de pessoas
que, anteriormente, nada disso tinham demonstrado, devemos supor que nessas
pessoas havia algo que já se encontrava a meio-caminho das perversões; ou, se
preferirem, as perversões devem ter estado presentes, nessas pessoas, em forma
latente. E isto nos traz a segunda novidade que lhes anunciei. Pois a
investigação psicanalítica teve de ocupar-se também com a vida sexual das
crianças, e isto porque as lembranças e associações emergentes durante a
análise de sintomas de adultos remetiam-se regularmente aos primeiros anos da
infância. O que inferimos destas análises mais tarde se confirmou, ponto por
ponto, nas observações diretas de crianças. E, com isso, verificou-se que todas
essas inclinações à perversão tinham suas raízes na infância, que as crianças
têm uma predisposição a todas elas e põem-nas em execução numa medida
correspondente à sua imaturidade – em suma, que a sexualidade pervertida não é
senão uma sexualidade infantil cindida em seus impulsos separados. – p. 316;
_ Pois a sociedade deve assumir como uma de suas mais importantes tarefas
educadoras domar e restringir o instinto sexual quando este irrompe como
impulso à reprodução, e sujeitá-lo a uma vontade individual que é idêntica à
ordem da sociedade. Esta também se preocupa em adiar o pleno desenvolvimento do
instinto até que a criança tenha atingido certo grau de maturidade intelectual,
de vez que, aí, com a completa irrupção do instinto sexual, a educabilidade,
para fins práticos, chega a seu fim. De outro modo, o instinto romperia todos
os diques e arrasaria todo o trabalho da civilização laboriosamente construído.
Ademais, nunca é fácil a tarefa de dominar o instinto; seu êxito, por vezes, é
muito pequeno, por vezes, muito grande. O móvel da sociedade humana é, em
última análise, econômico; como não possui provisões suficientes para manter
vivos todos os seus membros, a menos que trabalhem, ela deve limitar o número
de seus membros e desviar suas energias da atividade sexual para o trabalho. Em
suma, defronta-se com as eternas e primevas exigências da vida, que nos
assediam até o dia de hoje. – p. 317;
_ Sugar ao seio materno é o ponto de partida de toda a vida sexual, o
protótipo inigualável de toda satisfação sexual ulterior, ao qual a fantasia
retorna muitíssimas vezes, em épocas de necessidade. Esse sugar importa em
fazer o seio materno o primeiro objeto do instinto sexual. – p. 319;
_ Ao
formarmos esta opinião referente à sucção sensual, já passamos a conhecer duas
características decisivas da sexualidade infantil. Ela surge ligada à
satisfação das principais necessidades orgânicas e se comporta de maneira auto-erótica –
isto é, procura seus objetos no próprio corpo da criança. O que ficou
demonstrado tão claramente com relação à tomada de alimentos repete-se, em
parte, com as excreções. Concluímos que os bebês têm sensações prazerosas no
processo de evacuação da urina e das fezes, e que logo conseguem dispor destes
atos de maneira que estes lhes tragam a máxima produção de prazer possível,
através das correspondentes excitações das zonas erógenas da membrana mucosa. É
aqui que, pela primeira vez (conforme sutilmente percebeu Lou Andreas-Salomé
[1916]), os bebês se defrontam com o mundo externo como força inibidora,
hostil, ao seu desejo de prazer, e têm certa antevisão dos futuros conflitos
externos e internos. Um bebê não deve eliminar suas excreções em qualquer
momento de sua escolha, e sim quando outras pessoas decidem que deve fazê-lo.
Para induzi-lo a renunciar a essas fontes de prazer, é-lhes dito que tudo aquilo
que se relaciona com essas funções é vergonhoso e deve ser mantido em segredo.
Então, pela primeira vez, a criança é obrigada a trocar o prazer pela
respeitabilidade social. No início, sua atitude para com suas excreções é muito
diferente. Não sente repugnância por suas fezes, valoriza-as como parte de seu
próprio corpo, da qual não se separa facilmente, e usa-as como seu primeiro
‘presente’ com que distingue as pessoas a quem preza de modo especial. Mesmo
depois de a educação ter atingido seu objetivo de tornar essas tendências
incompatíveis com a criança, esta continua a atribuir elevado valor às fezes,
considerando-as ‘presentes’ e ‘dinheiro’. Por outro lado, parece considerar com
especial orgulho a proeza de urinar. – p. 320;
_ Sem dúvida
terão ouvido falar, senhores, que, na psicanálise, o conceito daquilo que é
sexual foi indevidamente ampliado, a fim de dar suporte às teses da causação
sexual das neuroses e do significado sexual dos sintomas. Agora os senhores
estão em condições de julgar por si mesmos se essa ampliação é injustificada.
Ampliamos o conceito de sexualidade apenas o bastante para podermos compreender
a vida sexual dos pervertidos e das crianças. Isto é, restituímos-lhe sua
dimensão verdadeira. Fora da psicanálise, o que se denomina sexualidade
refere-se apenas a uma vida sexual restrita, que serve ao propósito da
reprodução e é descrita como normal. – p. 324;
Conferência
XXI – O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais
_ Tenho a impressão de que não
alcancei êxito em convencê-los muito profundamente da importância das
perversões para nossa visão da sexualidade e, portanto, gostaria, até onde me
for possível, de aprimorar e suplementar aquilo que disse. Não é o
caso de apenas as perversões, isoladamente, ter-nos obrigado a realizar a
modificação no conceito de sexualidade que levantou tantas objeções contra nós.
O estudo da sexualidade infantil teve muito mais influência sobre esse fato, e
foi o concurso desses dois fatores que se tornou decisivo para nós. As
manifestações da sexualidade infantil, por mais inequívocas que possam ser num
período ulterior da infância, contudo parecem mergulhadas na indefinição pelos
inícios da infância. Todo aquele que resolver desprezar a história de sua
evolução e de seu contexto analítico, negará que elas possuem características
sexuais e, em vez disso, lhes atribuirá alguma característica indiferenciada.
Os senhores devem não se esquecer de que, por agora, não possuímos nenhum
critério universalmente reconhecido da natureza sexual de um processo, salvo,
novamente, uma conexão com a função reprodutiva, que devemos rejeitar por ser
um critério demasiadamente limitado. Os critérios biológicos, como os de
periodicidades de vinte e três e de vinte e oito dias, postulados por Wilhelm
Fliess [1906], são ainda altamente controvertidos; as características químicas
do processo sexual, que podemos supor, continuam aguardando a sua descoberta.
Por outro lado, as perversões sexuais dos adultos constituem algo tangível e
inequívoco. Como já o demonstra o nome pelo qual são universalmente conhecidas,
elas são inquestionavelmente sexuais. Se descritas como indicações de
degeneração, ou o que quer que seja, ninguém ainda teve a coragem de
classificá-las como algo que não sejam fenômenos da vida sexual. Apenas em
virtude delas justifica-se afirmarmos que sexualidade e reprodução não
coincidem, pois é óbvio que todas as perversões negam o objetivo da reprodução.
–
p. 325;
_ Na realidade, os pervertidos são, antes, uns pobres diabos, que têm de
pagar extremamente caro pela satisfação que obtêm a duras penas. – p. 326;
_ A organização sádico-anal é o precursor imediato da fase de primazia
genital. Um estudo detalhado mostra quanto dele se mantém na forma definitiva e
ulterior das coisas, e, também, revela a forma em que seus instintos parciais
são compelidos a tomar seu lugar na nova organização genital. Anterior à fase
sádico-anal do desenvolvimento libidinal, podemos divisar um estádio de
organização ainda mais precoce e primitivo, no qual a zona erógena da boca
desempenha o papel principal. Como podem perceber, a atividade sexual da sucção
pertence a esse estádio. Devemos admirar a compreensão dos antigos egípcios
que, na sua arte, representavam as crianças, inclusive o deus Hórus, com um
dedo na boca. Apenas recentemente, Abraham [1916] deu exemplo dos vestígios que
essa fase oral primitiva deixa após si na vida sexual posterior. – p. 331/332;
_ Não pode haver dúvida de que o complexo de Édipo pode ser considerado
uma das mais importantes fontes do sentimento de culpa com que tão
freqüentemente se atormentam os neuróticos. E mais do que isso: em um estudo
sobre o início da religião e da moralidade humanas, que publiquei em 1913 sob o
título de Totem e Tabu [Freud,
1912-13], apresentei a hipótese de que a humanidade como um todo pode ter
adquirido seu sentimento de culpa, a origem primeira da religião e da
moralidade, no começo de sua história, em conexão com o complexo de Édipo. Eu
teria muita satisfação em dizer-lhes mais a esse respeito, prefiro, porém,
deixá-lo de lado. Sempre que se começa com esse assunto, é difícil interromper;
devemos, contudo, retornar à psicologia individual. – p. 335/336;
_ Um dos
crimes de Édipo foi o incesto com a mãe, o outro foi o parricídio. Pode-se
observar, de passagem, que estes são também os dois grandes crimes proscritos
pelo totemismo, a primeira instituição social-religiosa da humanidade. – p.
339;
Conferência XXII – Algumas
ideias sobre desenvolvimento e regressão - Etiologia
_ Ouviram dizer que a função
libidinal sofre uma prolongada evolução, até que possa, segundo o que se
descreve como forma normal, ser posta a serviço da reprodução. Gostaria de
atrair sua atenção, agora, para a importância desse fato na causação das
neuroses. Penso que estamos de acordo com as teorias da patologia geral ao
supormos que um desenvolvimento dessa espécie envolve dois perigos: primeiro,
de inibição, e, segundo, deregressão. Isto é,
em vista da tendência geral dos processos biológicos à variação, não há como
fugir ao fato de que nem todas as fases preparatórias são ultrapassadas com
igual êxito e superadas completamente: partes da função serão retidas
permanentemente nesses estádios iniciais e o quadro total do desenvolvimento
será limitado por determinada quantidade de inibição de desenvolvimento. – p. 343;
_ Acima de tudo, penso, todavia, que devo adverti-los para não confundirem regressão com repressão e
ajudá-los a formar uma idéia clara das relações entre os dois processos. A
repressão, como se recordam, é o processo pelo qual um ato admissível à
consciência, portanto um ato que pertence ao sistema Pcs., é tornado
inconsciente – é repelido para dentro do sistema Ics. E igualmente falamos
em regressão se o ato mental inconsciente é de todo impedido de ter acesso ao
vizinho sistema pré-consciente e é repelido, no limiar, pela censura. Assim, o
conceito de repressão não implica nenhuma relação com a sexualidade: devo
pedir-lhes que tomem especial nota disto. Indica um processo puramente
psicológico, que podemos caracterizar mais bem ainda se o denominarmos processo
‘topográfico’. Com isso queremos dizer que repressão diz respeito às regiões
psíquicas que supomos existirem ou, se abandonamos essa desajeitada hipótese de
trabalho, à construção do aparelho mental a partir dos diferentes sistemas
psíquicos. – p. 345;
_ Uma regressão da libido, sem repressão, jamais produziria uma neurose,
mas levaria a uma perversão. Assim, os senhores podem ver que a repressão é o
processo mais característico das neuroses e é de todos os mecanismos o mais
característico. – p. 347;
_ Até agora, forneci-lhes apenas uma parcela de informação a respeito
desse assunto, ou seja: que as pessoas adoecem de neurose quando impedidas da
possibilidade de satisfazer sua libido – que adoecem devido à ‘frustração’,
conforme costumo dizer – e que seus sintomas são justamente um substituto para
sua satisfação frustrada. – p. 348;
_ Ora, os senhores poderão ter a impressão de que a privação foi reduzida
à insignificância devido a todos esses métodos de tolerá-la. Contudo, não é
assim; ela conservou sua capacidade patogênica. As contramedidas são, em sua
totalidade, insuficientes. Há um limite à quantidade de libido não satisfeita
que os seres humanos, em média, podem suportar. A plasticidade ou livre
mobilidade da libido não se mantém absolutamente preservada em todas as
pessoas, e a sublimação jamais tem a capacidade de manejar senão determinada
parcela de libido; acresce-se o fato de que muitas pessoas são dotadas apenas
de uma escassa capacidade de sublimar. A mais importante dessas limitações é,
evidentemente, aquela referente à mobilidade da libido, de vez que isto faz com
que a satisfação da pessoa dependa da obtenção de apenas um número muito
reduzido de fins e de objetos. Basta os senhores recordarem que um
desenvolvimento imperfeito da libido deixa atrás de si fixações libidinais
muito férteis e, talvez, também, muito numerosas, em fases precoces da
organização e da busca de objetos, as quais, em sua maior parte, são incapazes
de prover satisfação real; e, com isso, os senhores poderão reconhecer na
fixação libidinal o segundo poderoso fator que, juntamente com a frustração, é
causa de doença. Podem afirmar, numa abreviação esquemática, que a fixação
libidinal representa o fator interno, predisponente, da etiologia das neuroses,
ao passo que a frustração representa o fator externo, acidental. – p. 349;
_ Assim, o
problema da causação das neuroses parece tornar-se mais complicado. De fato, a
investigação psicanalítica nos familiariza com um fator novo, que não é levado
em conta em nossa série etiológica e que podemos reconhecer muito facilmente em
casos nos quais aquilo que até então constituiu condição sadia, é subitamente perturbado
por um início de doença neurótica. Nessas pessoas regularmente encontramos
indícios de uma luta entre impulsos plenos de desejos, ou segundo costumamos
expressá-lo, um conflito psíquico. Uma parte da personalidade defende a causa
de determinados desejos, enquanto outra parte se opõe a eles e os rechaça. Sem
tal conflito não existe neurose. Pareceria não haver nada de característico
nisto. Nossa vida mental, conforme sabem, é permanentemente agitada por
conflitos que temos de resolver. Sem dúvidas, por conseguinte, condições
especiais devem ser preenchidas para que um conflito se torne patogênico.
Devemos perguntar que condições são essas, entre que poderes mentais se
desenrolam esses conflitos patogênicos, e qual é a relação entre o conflito e os
demais fatores causais. – p. 352/353;
_ O conflito
patogênico é, pois, um conflito entre os instintos do ego e os instintos
sexuais. Em muitos casos, parece haver como que um conflito também entre
diferentes tendências puramente sexuais. Em essência, isto, porém, é a mesma
coisa; pois das duas tendências sexuais em conflito, uma sempre é, poderíamos
dizer assim, ‘egossintônica’, ao passo que a outra provoca a defesa do ego.
Portanto, ainda continua sendo um conflito entre o ego e a sexualidade.
Senhores, sempre que a psicanálise tem afirmado que algum evento mental é
produto dos instintos sexuais, tem-se-lhe argumentado, indignadamente, a modo
de defesa, que os seres humanos não se resumem apenas em sexualidade, que
existem na vida mental instintos e interesses outros além dos sexuais, que não
se deve derivar ‘tudo’ da sexualidade, e assim por diante. Pois bem, é muito
gratificante, vez por outra, verificar que estamos de acordo com nossos
opositores. A psicanálise jamais se esqueceu de que há também forças instintuais
que não sexuais. Ela se baseou numa nítida distinção entre os instintos sexuais
e os instintos do ego, e, apesar de todas as objeções, sustentou não que as
neuroses derivavam da sexualidade, mas sim, que, sua origem se deve a um
conflito entre o ego e a sexualidade. E nem possui qualquer motivo concebível
para contestar a existência ou a importância dos instintos do ego, enquanto
rastreia a parte executada pelos instintos sexuais na doença e na vida
corrente. Simplesmente a psicanálise teve o destino de começar por
interessar-se pelos instintos sexuais, de vez que as neuroses de transferência
os tornaram os de mais fácil acesso ao exame, e porque é psicanálise coube a
tarefa de estudar aquilo de que outras pessoas haviam descurado. – p. 354;
_ Assim,
descobrimos que o terceiro fator na etiologia das neuroses, a tendência ao conflito, depende
tanto do desenvolvimento do ego como do da libido. Com isso faz-se mais
completa nossa compreensão interna (insight) da causação das neuroses.
Primeiro, existe a precondição mais geral – a frustração; e, a seguir, a
fixação da libido que a força em determinadas direções; e terceiro, a tendência
ao conflito, surgida do desenvolvimento do ego, a qual rejeita esses impulsos
libidinais. – p. 355;
_ É como se a
totalidade de nossa vida mental fosse dirigida para obter o prazer e evitar o
desprazer – que é automaticamente regulada pelo princípio de prazer.
Gostaríamos de saber, dentre todas as coisas, o que é que determina a geração
do prazer e do desprazer; isto, contudo, ignoramos. Podemos apenas arriscar-nos
a dizer o seguinte: que o prazer está de alguma forma relacionado com a diminuição, redução
ou extinção das cargas de estímulos reinantes no aparelho mental e que, de
maneira semelhante, o desprazer está em conexão com o aumento dessas cargas. Um
exame do prazer mais intenso acessível aos seres humanos, o prazer de efetuar o
ato sexual, deixa pouca dúvida quanto a esse ponto. De vez que, em tais
processos relativos ao prazer, a questão é saber o que acontece com as quantidades de
excitação ou energia mental, damos a essa nova dimensão o nome de econômica.
Notar-se-á que podemos descrever as atribuições e realizações do aparelho
mental de outra forma mais geral do que simplesmente enfatizando a objeção de
prazer. Podemos dizer que o aparelho mental serve ao propósito de dominar e
eliminar as cargas de estímulo e as somas de excitação que incidem sobre ele,
provenientes de fora e de dentro. É imediatamente óbvio que os instintos
sexuais, do começo ao fim de seu desenvolvimento, atuam com vistas à obtenção
de prazer; eles mantêm inalterada sua função original. Os outros instintos, os
instintos do ego, têm, inicialmente, o mesmo objetivo. Sob a influência da
instrutora Necessidade, porém, logo aprendem a substituir a princípio de prazer
por uma modificação do mesmo. Para eles, a tarefa de evitar desprazer vem a ser
tão importante como a de obter prazer. O ego descobre que lhe é inevitável
renunciar à satisfação imediata, adiar a obtenção de prazer, suportar um
pequeno desprazer e abandonar inteiramente determinadas fontes de prazer. Um
ego educado dessa maneira tornou-se ‘racional’; não se deixa mais governar pelo
princípio de prazer, mas obedece ao princípio de realidade que, no fundo, também busca obter
prazer, mas prazer que se assegura levando em conta a realidade, ainda que seja
um prazer adiado ou diminuído. A transição do princípio de prazer para o
princípio de realidade é um dos mais importantes passos na direção do
desenvolvimento do ego. – p. 359/360;
Conferência XXIII – O caminho
da formação dos sintomas
_ Os sintomas – e,
naturalmente, agora estamos tratando de sintomas psíquicos (ou psicogênicos) e
de doença psíquica – são atos, prejudiciais, ou, pelo menos, inúteis à vida da
pessoa, que por vez, deles se queixa como sendo indesejados e causadores de
desprazer ou sofrimento. O principal dano que causam reside no dispêndio mental
que acarretam, e no dispêndio adicional que se torna necessário para se lutar
contra eles. Onde existe extensa formação de sintomas, esses dois tipos de
dispêndio podem resultar em extraordinário empobrecimento da pessoa no que se
refere à energia mental que lhe permanece disponível e, com isso, na
paralisação da pessoa para todas as tarefas importantes da vida. Como esse
resultado depende principalmente da quantidade da energia que assim é
absorvida, os senhores verão facilmente que ‘ser doente’ é, em essência, um
conceito prático. Se, contudo, assumirem um ponto de vista teórico e não
considerarem essa questão de quantidade, os senhores podem muito bem dizer que todos
nós somos doentes – isto é, neuróticos -, pois as precondições da formação dos
sintomas também podem ser observadas em pessoas normais.
Já sabemos que os sintomas neuróticos são resultado
de um conflito, e que este surge em virtude de um novo método de satisfazer a
libido. As duas forças que entraram em luta encontram-se novamente no sintoma e
se reconciliam, por assim dizer, através do acordo representado pelo sintoma
formado. É por essa razão, também, que o sintoma é tão resistente: é apoiado
por ambas as partes em luta. Também sabemos que um dos componentes do conflito
é a libido insatisfeita, que foi repelida pela realidade e agora deve procurar
outras vias para satisfazer-se. Se a realidade se mantiver intransigente, ainda
que a libido esteja pronta a assumir um outro objeto em lugar daquele que lhe
foi recusado, então a mesma libido, finalmente, será compelida a tomar o
caminho da regressão e a tentar encontrar satisfação, seja em uma das
organizações que já havia deixado para trás, seja em um dos objetos que havia
anteriormente abandonado. A libido é induzida a tomar o caminho da regressão
pela fixação que deixou após si nesses pontos do seu desenvolvimento. O caminho
que leva à perversão se destaca nitidamente daquele que leva à neurose. Se
essas regressões não suscitam objeção por parte do ego, não surgirá neurose
alguma; e a libido chegará a alguma satisfação real, embora não mais uma
satisfação normal. Entretanto, se o ego, que tem sob seu controle não só a
consciência, mas também o acesso à inervação motora e, por conseguinte, à
realização dos desejos mentais, não concordar com essas regressões, seguir-se-á
o conflito. A libido, por assim dizer, é interceptada e deve procurar escapar
em alguma direção na qual, de acordo com as exigências do princípio de prazer,
possa encontrar uma descarga para suas catexias de energia. Ela deve retirar-se
do ego. Uma saída dessa espécie é-lhe oferecida pelas fixações situadas na
trajetória do seu desenvolvimento, na qual agora entrou regressivamente –
fixações das quais o ego se havia protegido, no passado, por meio de
repressões. Catexizando essas posições reprimidas, à medida que se desloca para
trás, a libido se retirou do ego e afastou-se de suas leis e, ao mesmo tempo,
renunciou a toda a educação que adquiriu sob influência do ego. Era dócil
somente enquanto a satisfação lhe acenava; mas, sob a dupla pressão da
frustração externa e interna, torna-se refratária e relembra épocas anteriores
e melhores. Tal é o caráter fundamentalmente imutável da libido. As idéias, às
quais agora transfere sua energia em forma de catexia, pertencem ao sistema do
inconsciente e estão sujeitas aos processos que ali são possíveis, sobretudo
condensação e deslocamento. Estabeleceu-se, assim, condições que se assemelham
totalmente àquelas existentes na construção onírica. O sonho propriamente dito,
que foi completado no inconsciente e que é a realização de uma fantasia
inconsciente constituída de um desejo, enfrenta uma parcela de atividade
(pré-)consciente que exerce o papel de censura e que, quando foi preservada,
permite a formação do sonho manifesto em forma de um acordo. – p. 361/362;
_ Onde, pois, encontra a
libido as fixações necessárias para romper as repressões? Nas atividades e
experiências da sexualidade infantil, nas tendências parciais abandonadas, nos
objetos da infância que foram abandonados. É a estes, por conseguinte, que a libido
retorna. A significação desse período da infância é dupla: por um lago, durante
esse período, pela primeira vez se tornam manifestas as tendências instintuais
que a criança herdou com sua disposição inata; e, em segundo lugar, outros
instintos seu são, pela primeira vez, despertados e postos em atividade pelas
impressões externas e experiências casuais. – p. 363;
_ A importância das
experiências infantis não deve ser totalmente negligenciada, como as pessoas
preferem, em comparação com as experiências dos ancestrais da pessoa e com sua
própria maturidade; pelo contrário, as experiências infantis exigem uma
consideração especial. Elas determinam as mais importantes conseqüências,
porque ocorrem numa época de desenvolvimento incompleto e, por essa mesma razão,
são capazes de ter efeitos traumáticos. Os estudos sobre os mecanismos do
desenvolvimento, feitos por Roux e outros, têm mostrado que a picada de uma
agulha em uma camada geminal de um embrião no ato da divisão celular resulta em
grave distúrbio do desenvolvimento. A mesma lesão infligida a um animal larvar
ou inteiramente desenvolvido não causaria dano. – p. 364;
_ Retornemos agora aos
sintomas. Estes criam, portanto, um substituto das satisfações frustradas,
realizando uma regressão da libido a épocas de desenvolvimento anteriores,
regressão a que necessariamente se vincula um retorno a estádios anteriores de
escolha objetal ou de organização. Descobrimos, há algum tempo, que os
neuróticos estão ancorados em algum ponto do seu passado; agora sabemos que
esse ponto é um período do seu passado, no qual sua libido não se privava de
satisfação, no qual eram felizes. – p. 367;
_ Podemos desprezar o fato de
que o sintoma se constitui em algo irreconhecível para o indivíduo que, pelo
contrário, sente a suposta satisfação como sofrimento e se queixa deste. Essa
transformação é uma função do conflito psíquico sob pressão, do qual o sintoma
veio a se formar. Aquilo que para o indivíduo, em determinada época, constituía
uma satisfação, na realidade passa, hoje, necessariamente a originar
resistência e repugnância. Conhecemos bem um modelo banal, porém instrutivo, de
uma tal mudança de atitude. A mesma criança que em determinada época sugava com
avidez o seio materno, alguns anos depois, provavelmente, mostrará uma intensa
aversão a tomar leite, o que causa dificuldade na sua criação. A aversão
aumenta até à repugnância, no caso de se formar uma película sobre o leite ou
sobre a mistura que contenha leite. – p. 368;
_ Eu os avisei de que ainda
tínhamos algo novo para aprender; trata-se realmente de algo surpreendente e
desconcertante. Por meio da análise, conforme sabem, partindo dos sintomas
chegamos ao conhecimento das experiências infantis, às quais a libido está
fixada e das quais se formam os sintomas. Pois bem, a surpresa reside em que
essas cenas da infância nem sempre são verdadeiras. Com efeito, não são
verdadeiras na maioria dos casos, e, em alguns, são o posto direto da verdade
histórica. – p. 369;
_ A retração da libido para a
fantasia é um estádio intermediário no caminho da formação dos sintomas e
parece que ela requer um nome especial. C.G. Jung introduziu o nome apropriado
de ‘introversão’; mas depois, muito desacertadamente, deu-lhe também um outro
significado. Continuaremos a considerar que a introversão denota o desvio da
libido das possibilidades de satisfação real e a hipercatexia das fantasias que
até então foram toleradas como inocentes. Um introvertido não é bem um
neurótico, porém se encontra em situação instável: seguramente desenvolverá
sintomas na próxima modificação da relação de força, a menos que encontre
algumas outras saídas para sua libido represada. O caráter irreal da satisfação
neurótica e a desatenção à diferença entre fantasia e realidade já são, por
outro lado, determinados pelo fato de ter havido uma demora no estádio de
introversão. – p. 375;
_ Antes de deixá-los ir,
gostaria, contudo, de chamar-lhes um pouco mais a atenção para um aspecto da
vida de fantasia que merece o mais amplo interesse. Isto porque existe um
caminho que conduz da fantasia de volta à realidade – isto é, o caminho da
arte. Um artista é, certamente, em princípio um introvertido, uma pessoa não
muito distante da neurose. É uma pessoa oprimida por necessidades instintuais
demasiado intensas. Deseja conquistar honras, poder, riqueza, fama e o amor das
mulheres; mas faltam-lhe os meios de conquistar essas satisfações.
Conseqüentemente, assim como qualquer outro homem insatisfeito, afasta-se da
realidade e transfere todo o seu interesse, e também toda a sua libido, para as
construções, plenas de desejos, de sua vida de fantasia, de onde o caminho pode
levar à neurose. – p. 377;
Conferência
XXIV - O estado neurótico comum
_ Uma das formas pelas quais o
ego se relaciona com suas neuroses, entretanto, é tão óbvia que foi possível
considerá-la desde o início. Parece jamais estar ausente; e é reconhecível com
bastante nitidez em um distúrbio que, ainda hoje em dia, estamos longe de
compreender – a neurose
traumática. Os senhores devem saber que os mesmos fatores sempre
entram em jogo na causação e no mecanismo de todas as possíveis formas de
neurose; mas a importância principal na construção dos sintomas recai ora num,
ora noutro desses fatores. – p. 382;
_ Mesmo nessa época, não pude
deixar de perceber que a causação da doença nem sempre aponta para a vida
sexual. Uma pessoa, é fato, adoeceu por uma influência nociva sexual direta;
mas uma outra adoeceu porque perdeu sua fortuna ou porque sofreu uma doença
orgânica exaustiva. A explicação dessas diferenças veio posteriormente, quando
compreendemos as inter-relações, de que já suspeitávamos, entre o ego e a
libido, e a explicação se tornou mais satisfatória à medida que essa compreensão
se aprofundava. Uma pessoa somente adoece de uma neurose se seu ego perdeu a
capacidade de diversificar, de algum modo, sua libido. Quanto mais forte é seu
ego, mais fácil lhe será executar essa tarefa. Qualquer enfraquecimento do seu
ego por qualquer causa deve ter o mesmo efeito, agindo como um aumento
excessivo das exigências da libido, e, por isso, lhe possibilitará adoecer de
uma neurose. – p. 387;
_ O que caracteriza a
psicanálise como ciência não é o material de que trata, mas sim a técnica com a
qual trabalha. Pode ser aplicada à história da civilização, à ciência da
religião e da mitologia não em menor medida do que à teoria das neuroses, sem
forçar sua natureza essencial. Aquilo a que ela visa, aquilo que realiza, não é
senão descobrir o que é inconsciente na vida mental. – p. 389;
Conferência
XXV – A ansiedade
_ O que lhes disse em minha
última conferência a respeito do estado neurótico geral deve tê-los
surpreendido, sem dúvida, como o mais incompleto e inadequado de todos os meus
pronunciamentos. Sei que é verdade, e nada deve tê-los surpreendido mais,
segundo espero, do que não haver nessa conferência nada a respeito da
ansiedade, da qual todos os neuróticos se queixam, e descrevem como sendo seu
pior sofrimento e que, de fato, neles atinge enorme intensidade, e pode
resultar nas atitudes mais loucas. Entretanto, ali, pelo menos, não tive a
intenção de oferecer-lhes resumos. Ao contrário, foi minha intenção abordar o
problema da ansiedade nos neuróticos de forma especialmente acurada e
discuti-lo em profundidade com os senhores.A ansiedade, como tal, não há por que
apresentá-la Aos senhores. Cada um de nós experimentou essa sensação, ou, para
expressar com maior correção, esse estado afetivo, numa ou noutra época, por
nossa própria conta. Penso, porém, que jamais com seriedade suficiente
levantou-se a questão de saber por que os neuróticos, em particular, sofrem de
ansiedade tanto mais e tão mais intensamente do que outras pessoas. – p. 393;
_ Finalmente chegamos à
conexão que estamos procurando se tomamos como nosso ponto de partida a
oposição, que tantas vezes afirmamos existir, entre o ego e a libido. Conforme
sabemos, a geração de ansiedade é a reação do ego ao perigo e o sinal para
empreender a fuga. Assim sendo, parece plausível supor que, na ansiedade
neurótica, o ego faz uma tentativa semelhante de fuga da exigência feita por
sua libido, que o ego trata este perigo interno como se fora um perigo externo.
Portanto, isto corresponderia à nossa expectativa de que, onde se manifesta
ansiedade, aí existe algo que se teme. Mas a analogia poderia ser ampliada
ainda mais. Assim como a tentativa de fuga de um perigo externo é substituída
pela adoção de uma atitude firme e de medidas apropriadas de defesa, também a
geração de ansiedade neurótica dá lugar à formação de sintomas, e isto resulta
em que a ansiedade seja vinculada. – p. 405;
_ Permitam-me sumarizar o que
nossas observações relativas ao estado de apreensão das crianças nos têm
ensinado. A ansiedade infantil tem escassa relação com a ansiedade realística,
mas, por outro lado, relaciona-se estreitamente com a ansiedade neurótica dos
adultos. Assim como esta, deriva-se da libido não-utilizada e substitui o
objeto de amor ausente por um objeto externo, ou por uma situação. – p. 409;
_ Assim, achamo-nos
convencidos de que o problema da ansiedade ocupa, na questão da psicologia das
neuroses, um lugar que pode justificadamente ser classificado como central.
Impressionou-nos intensamente a forma como a geração de ansiedade se vincula às
vicissitudes da libido e ao sistema do inconsciente. Existe apenas um ponto que
julgamos desconexo – uma lacuna em nossos pontos de vista: o fato único,
praticamente inegável, de que a ansiedade realística deve ser considerada
manifestação dos instintos de autopreservação do ego. – p. 411;
Conferência
XXVI – A teoria da libido e o narcisismo
_ Repetidas vezes (e, bem
recentemente, mais uma vez, tivemos de tratar da diferença entre os instintos
do ego e os instintos sexuais. Em primeiro lugar, a repressão nos mostrou que
esses dois instintos podem opor-se um ao outro, que os instintos sexuais são
ostensivamente reprimidos e são obrigados a encontrar satisfação por si mesmos,
por vias regressivas e indiretas, e que, com isso, eles são capazes de
encontrar compensação por haverem sido frustrados em sua inflexibilidade. A
seguir, verificamos que os dois tipos de instintos, desde o início,
relacionam-se diversamente com a Necessidade, a educadora, de modo que a sua
trajetória evolutiva não é a mesma, e que não estabelecem a mesma relação com o
princípio de realidade. Por fim, pensamos haver reconhecido que os instintos
sexuais, mais do que os instintos do ego, têm estreitos laços a vinculá-los ao
estado afetivo de ansiedade – e essa conclusão parece incompleta em apenas um
importante aspecto. A fim de estabelecê-la com mais firmeza, portanto, aduzo o
fato ainda mais significativo de que, se a fome e a sede (os dois instintos de
autopreservação mais elementares) estão insatisfeitas, o resultado nunca é a
sua transformação em ansiedade, ao passo que a modificação da libido
insatisfeita em ansiedade é, conforme vimos, um dos fenômenos mais bem
conhecidos e mais freqüentemente observados. – p. 413;
_ Assim, aos poucos nos
familiarizamos com a noção de que a libido, que encontramos ligada aos objetos
e que é expressão de um esforço para obter satisfação em conexão com esses
objetos, também pode deixar os objetos e colocar o próprio ego da pessoa em
lugar deles: a essa noção foi-se firmando gradualmente, sempre com maior coerência.
O nome para essa forma de distribuir a libido – narcisismo -, nós o tomamos de
empréstimo de uma perversão descrita por Paul Näcke [1899], na qual um adulto
trata seu corpo com todos os mimos que usualmente são dedicados a um objeto
sexual externo. A reflexão logo sugere que, se ocorre uma fixação
da libido ao próprio corpo e à personalidade da pessoa, em vez de se fazer a um
objeto, ela não pode constituir um evento excepcional ou trivial. Pelo
contrário, é provável que esse narcisismo constitui a situação universal e
original a partir da qual o amor objetal só se desenvolve posteriormente, sem
que, necessariamente, por esse motivo o narcisismo desapareça. Com efeito,
tivemos de recordar, a partir da história da evolução da libido objetal, que
muitos instintos sexuais começam encontrando satisfação no próprio corpo da
pessoa auto-eroticamente, conforme dizemos – e que essa capacidade para
o auto-erotismo é a base do atraso da sexualidade no processo de educação no
princípio de realidade. O auto-erotismo seria, pois, a atividade sexual do
estádio narcísico da distribuição da libido. - p. 416/417;
_ Experiências dessa natureza,
em casos sempre mais numerosos, nos levaram a concluir que a paranóia persecutória é a
forma da doença na qual uma pessoa se defende contra um impulso homossexual que
se tornou por demais intenso. A mudança de afeição em ódio, a qual, conforme já
se sabe, pode tornar-se séria ameaça à vida do objeto amado e odiado,
corresponde, nesses casos, à transformação dos impulsos libidinais em
ansiedade, que é o resultado constante do processo de repressão. – p. 425;
_ A escolha objetal
homossexual situa-se originalmente mais próxima do narcisismo, do que ocorre
com a escolha heterossexual. Quando se trata, pois, de repelir um impulso
homossexual indesejavelmente forte, torna-se sobremodo fácil o caminho de
regresso ao narcisismo. Até o momento, tive bem pouca oportunidade de
falar-lhes acerca dos fundamentos da vida erótica, até onde nós os descobrimos;
e é muito tarde para reparar essa omissão. O que posso enfatizar para os
senhores, porém, é o seguinte. A escolha objetal, o passo adiante no
desenvolvimento da libido, que se faz após o estádio narcísico, pode
realizar-se segundo dois tipos diferentes: um, segundo o tipo narcísico, no qual o
próprio ego da pessoa é substituído por um outro, que lhe é tão semelhante
quanto possível; o outro, segundo o tipo
ligação, no qual
as pessoas que se tornaram valiosas, porque satisfizeram as outras necessidades
vitais, são, também, escolhidas como objetos pela libido. Uma intensa fixação
ao tipo narcísico de escolha objetal deve ser incluída na predisposição ao
homossexualismo manifesto. – p. 427;
Conferência
XXVII - Transferência
_ Aprenderam tudo quanto é essencial
a respeito dos fatores determinantes do adoecer, bem como todos os fatores que
entram em jogo após
o paciente haver adoecido. Onde darão estes lugares a alguma influência
terapêutica? Em primeiro lugar, existe a disposição hereditária. Desta não falamos
com muita freqüência, de vez que é enfaticamente ressaltada a partir de outras
direções, e não temos nada de novo a dizer a respeito. Não suponham, porém, que
a subestimamos; justamente como terapeutas, chegamos a perceber com muita
nitidez a sua força. De qualquer modo, nada podemos fazer para modificá-la;
também devemos considerá-la algo estabelecido, que põe um limite aos nossos
esforços. Depois, existe a influência das experiências do início da infância,
às quais costumamos conferir importância na análise: elas pertencem ao passado
e não podemos anulá-las. Vem, a seguir, tudo aquilo que resumimos como
‘frustração real’ – os infortúnios da vida dos quais se originam a falta de
amor, pobreza, dissensões de família, escolha mal feita de um companheiro no
casamento, circunstâncias sociais desfavoráveis, e a rigidez dos padrões éticos
a cuja pressão o indivíduo está sujeito. – p. 433;
_ Ademais disso, posso
assegurar-lhes que estão mal informados se supõem que o conselho e a orientação
nos assuntos da vida façam parte integral da influência analítica. Pelo
contrário, na medida do possível, evitando exercer o papel de menor desse tipo,
e tudo o que procuramos levar a efeito é, de preferência, que o paciente venha
a tomar as decisões por si mesmo. Também com vistas a esse propósito, exigimos
do paciente que adie para o término de seu tratamento quaisquer decisões
relativas à escola de uma profissão, encargos de negócios, casamento ou
divórcio, e que só as ponha em prática quando o tratamento estiver terminado. –
p. 435;
– Dizemos a nós próprios que
todo aquele que conseguiu educar-se de modo a se conduzir de acordo com a
verdade referente a si mesmo, está permanentemente protegido contra o perigo da
imoralidade, conquanto seus padrões de moralidade possam diferir, em
determinados aspectos, daqueles vigentes na sociedade. – p. 436;
_ Aquilo que empregamos sem
dúvida deve ser a substituição do que está inconsciente pelo que é consciente,
a tradução daquilo que é inconsciente para o que é consciente. Sim, é isso.
Transformando a coisa inconsciente em consciente, suspendemos as repressões,
removemos as precondições para a formação dos sintomas, transformamos o
conflito patogênico em conflito normal, para o qual deve ser possível, de algum
modo, encontrar uma solução. Tudo o que realizamos em um paciente é essa única
modificação psíquica: a extensão em que ela se efetua é a medida da ajuda que
proporcionamos. Ali onde as repressões (ou os processos psíquicos análogos) não
podem ser desfeitos, nossa terapia não tem nada a esperar. Podemos
expressar o objetivo de nossos esforços em diversas fórmulas: tornar consciente
o que é inconsciente, remover as repressões, preencher lacunas da memória –
tudo isso corresponde à mesma coisa. – p. 437;
_ O que, pois, devemos fazer a
fim de substituir o que é inconsciente, em nossos pacientes, por aquilo que é
consciente? Houve uma época em que pensávamos ser isto algo muito simples: tudo
o que tínhamos de fazer era descobrir esse material inconsciente e comunicá-lo
ao paciente. Já sabemos, porém, que este é um erro primário. O nosso
conhecimento acerca do material inconsciente não é equivalente ao conhecimento dele;
se lhe comunicarmos nosso conhecimento, ele não o receberá em lugar de seu
material inconsciente, mas ao lado do mesmo; e isso causará bem pouca
mudança no paciente. Devemos, de preferência, situar esse material inconsciente
topograficamente, devemos procurar, em sua memória, o lugar em que se tornou
inconsciente devido a uma repressão. A repressão deve ser eliminada – e a
seguir pode efetuar-se desimpedidamente a substituição do material consciente
pelo inconsciente. Como, pois, removemos uma repressão dessa espécie? A essa
altura, nossa tarefa entra numa segunda fase. Primeiro, a busca da repressão e,
depois, a remoção da resistência que mantém a repressão. Como
removemos a resistência? Da mesma forma: descobrindo-a e mostrando-a ao
paciente. Na realidade, também a resistência deriva de uma repressão – da mesma
repressão que nos esforçamos por solucionar, ou de uma repressão que se
realizou anteriormente. Foi provocada pela anticatexia, que surgiu a fim de
reprimir o impulso censurável. Assim, fazemos o mesmo que tentamos fazer
inicialmente: interpretar, descobrir, comunicar; mas, então, estamos fazendo-o
no lugar certo. A anticatexia ou a resistência não fazem parte do inconsciente,
e sim do ego, que é nosso colaborador, sendo-o, ainda que não consciente. Como
sabemos, aqui a palavra ‘inconsciente’ está sendo usada em dois sentidos: por
um lado, como fenômeno e, por outro, como sistema. – p. 438;
_ Ao procurar assim a
repressão, ao revelar as resistências, ao assinalar o que está reprimido,
conseguimos, com efeito, cumprir nossa tarefa – isto é, vencer as resistências,
remover a repressão e transformar o material inconsciente em material
consciente. – p. 439;
_ Esses pacientes, paranóicos,
melancólicos, sofredores de demência precoce, permanecem, de um modo geral,
intocados e impenetráveis ao tratamento psicanalítico. Qual seria a razão? – p.
440;
_ Devo começar por esclarecer
que uma transferência está presente no paciente desde o começo do tratamento e,
por algum tempo, é o mais poderoso móvel de seu progresso. Dela não vemos
indício algum, e com ela não temos por que nos preocupar enquanto age a favor
do trabalho conjunto da análise. Se, porém, se transforma em resistência,
devemos voltar-lhe nossa atenção e reconhecemos que ela modifica sua relação
para com o tratamento sob duas condições diferentes e contrárias: primeira, se
na forma de inclinação amorosa ela se torna tão intensa e revela sinais de sua
origem em uma necessidade sexual de modo tão claro, que inevitavelmente provoca
uma oposição interna a ela mesma; e, segundo, se consiste em impulsos hostis em
vez de afetuosos. Os sentimentos hostis revelam-se, via de regra, mais tarde do
que os sentimentos afetuosos, e se ocultam atrás destes; sua presença
simultânea apresenta um bom quadro da ambivalência emocional dominante na
maioria de nossas relações íntimas com outras pessoas. Os sentimentos hostis
indicam, tal qual os afetuosos, haver um vínculo afetivo, da mesma forma como o
desafio, tanto como a obediência, significa dependência, embora tendo à sua
frente um sinal ‘menos’ em lugar de ‘mais’. Não podemos ter dúvidas de que os
sentimentos hostis para com o médico merecem ser chamados de ‘transferência’, pois
a situação, no tratamento, com muita razão não proporciona qualquer fundamento
para sua origem; essa inevitável visão da transferência negativa nos assegura,
portanto, que não estivemos equivocados em nosso julgamento acerca da
transferência positiva ou afetuosa. – p. 444;
Conferência
XXVIII – Terapia Analítica
_ Os senhores sabem de que
iremos falar, hoje. Os senhores perguntaram-me por que não utilizamos a
sugestão direta na terapia psicanalítica, de vez que admitimos que nossa
influência se baseia essencialmente na transferência – isto é, na sugestão; e
acrescentaram a dúvida quanto a saber se, em vista dessa predominância da
sugestão, ainda temos o direito de declarar que nossas descobertas psicológicas
são objetivas. Prometi que lhes daria uma resposta detalhada. – p. 449;
_ À luz do conhecimento que
adquirimos da psicanálise, podemos descrever a diferença entre tratamento
hipnótico e tratamento psicanalítico da seguinte maneira. O tratamento
hipnótico procura encobrir e dissimular algo existente na vida mental; o
tratamento analítico visa a expor e eliminar algo. O primeiro age como
cosmético, o segundo, como cirurgia. O primeiro utiliza-se da sugestão, a fim
de proibir os sintomas: fortalece as repressões, mas afora isso, deixa
inalterados todos os processos que levaram à formação dos sintomas. O
tratamento analítico faz seu impacto mais retrospectivamente, em direção às
raízes, onde estão os conflitos que originaram os sintomas, e utiliza a
sugestão a fim de modificar o resultado desses conflitos. O tratamento
hipnótico deixa o paciente inerte e imodificado, e, por esse motivo também,
igualmente incapaz de resistir a alguma nova oportunidade de adoecer. Um
tratamento analítico exige do médico, assim como do paciente, a realização de
um trabalho sério, que é empregado para desfazer as resistências internas.
Através da superação dessas resistências, a vida mental do paciente é
modificada permanentemente, é elevada a um alto nível de evolução e fica
protegida contra novas possibilidades de adoecer. Esse trabalho de superar as
resistências constitui a função essencial do tratamento analítico; o paciente
tem de realizá-lo e o médico lhe possibilita fazê-lo com a ajuda da sugestão,
operando em um sentido educativo.
Por esse motivo, o tratamento psicanalítico tem sido apropriadamente
qualificado como um tipo de pós-educação.
– p. 451/452;
_ Passo a completar minha
descrição do mecanismo de cura, revestindo-o com as fórmulas da teoria da
libido. Um neurótico é incapaz de aproveitar a vida e de ser eficiente –
incapaz de aproveitar a vida porque sua libido não se dirige a nenhum objeto
real, e incapaz de ser eficiente porque é obrigado a empregar grande quantidade
de sua valiosa energia, a fim de manter sua libido sob repressão e a fim de
repelir seus assaltos. Ele se tornaria sadio se o conflito entre seu ego e sua
libido chegasse ao fim, e se o ego mesmo tivesse novamente sua libido à sua
disposição. A tarefa terapêutica consiste, pois, em liberar a libido de suas
ligações atuais, subtraídas ao ego, e em torná-la novamente utilizável para o
ego. Onde então se situa a libido do neurótico? É fácil encontrá-la: está
ligada aos sintomas, o que a ela proporciona a única satisfação substitutiva
possível, na época. Portanto, devemos nos tornar senhores dos sintomas e
solucioná-los – o que é exatamente a mesma coisa que o paciente exige de nós. A
fim de solucionar os sintomas, devemos remontar às suas origens, devemos
reconstituir o conflito do qual eles surgiram e, com o auxílio das forças
motrizes que, no passado, não estavam à disposição do paciente, devemos
conduzir o conflito rumo a um resultado diferente. Essa revisão do processo de
repressão só pode ser realizado em parte, em relação aos traços mnêmicos dos
processos que conduziram à repressão. A parte decisiva do trabalho se consegue
criando na relação do paciente com o médico – na transferência – novas edições
dos antigos conflitos; nestas, o paciente gostaria de se comportar do mesmo
modo como o fez no passado, ao passo que nós, concentrando todas as forças
mentais disponíveis [do paciente], compelimo-lo a chegar a uma nova decisão.
Assim, a transferência torna-se o campo de batalha no qual todas as forças
mutuamente em choque se enfrentam. – p. 454/455;
_ Do ponto de vista da teoria
da libido, também, podemos dizer uma última palavra sobre os sonhos. Os sonhos
de um neurótico, bem como suas parapraxias e suas associações livres referentes
aos mesmos, nos auxiliam a descobrir o sentido de seus sintomas e a revelar a
maneira como sua libido se distribui. Eles não mostram, na forma de uma
realização de desejo, quais impulsos plenos de desejos foram sujeitos à
repressão e a quais objetos a libido retirada do ego foi ligada. Por esse
motivo, a interpretação dos sonhos desempenha um papel importante em um
tratamento psicanalítico, e, em alguns casos, ela é, por longos períodos, o
mais importante instrumento de nosso trabalho. Já sabemos que o estado de sono,
por si mesmo, leva a um determinado afrouxamento das repressões. Um impulso
reprimido, devido a essa redução da pressão que pesa sobre ela, torna-se capaz
de expressar-se muito mais claramente num sonho, do que lhe é permitido
expressar-se por um sintoma, durante o dia. Portanto, o estudo dos sonhos
torna-se o meio mais conveniente de se obter acesso ao conhecimento do
inconsciente reprimido, do qual faz parte a libido retirada do ego. – p. 456/457;
_ A distinção entre saúde
nervosa e neurose reduz-se, por conseguinte, a uma questão prática e é decidida
pelo resultado, isto é, a pessoa ter ou não ter um nível suficiente de
capacidade para aproveitar a vida e ser eficiente. Tal distinção provavelmente se
atribui às dimensões relativas das quantidades de energia que permanece livre e
que é ligada pela repressão; é de natureza quantitativa, não qualitativa. Não
preciso dizer-lhes que essa descoberta é a justificação teórica de nossa
convicção de que as neuroses são, em princípio, curáveis, apesar de se basearem
na disposição constitucional. – p. 457.
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