terça-feira, 22 de outubro de 2013

Artigos - Os 7 Pecados Capitais - Gênese - José Anastácio de Sousa Aguiar

"Os Sete Pecados Capitais: uma análise histórico-filosófica"

Os 7 Pecados Capitais – gênese

(extraído do livro "Os Sete Pecados Capitais: uma análise histórico-filosófica"
de José Anastácio de Sousa Aguiar)

Os Sete Pecados Capitais - pintura de Hieronymus Bosch (1450-1516)
 Ao dar início à análise dos 7 pecados capitais é imperioso trazer à baila os temas virtudes e vícios, e não podia ser diferente, posto que a origem da tradição de ambos vem de duas fontes principais: os filósofos gregos e romanos e o Antigo e o Novo Testamentos.

Chegou à nossa geração, após passar pela caldeirão cultural dos séculos que nos antecederam, a noção de que as virtudes e os vícios seriam os traços fundamentais dos quais resultariam toda bondade e maldade.

Assim, a equação virtude-e-vício contribuiu de forma contundente para a definição ocidental do que significa ser humano.

Para os antigos gregos, a virtude estava intimamente ligada à beleza[1], à funcionalidade[2], e também à excelência, que era o que fazia uma pessoa executar bem seu propósito. Neste contexto, a virtude do ouvido é ouvir bem; a virtude da faca, ser afiada e cortar bem; e assim por diante. O vício era, basicamente, uma questão de excesso ou deficiência, faltando-lhe o equilíbrio desejável que seria a virtude.

Em assim sendo, é possível inferir que o vício, no contexto da Grécia Antiga, não era necessariamente oposição à virtude, mas o seu desequilíbrio.

Já para a cristandade, a singela noção grega do vício não satisfazia, sendo “a classificação cristã dos sete pecados capitais mais profunda e mais dinâmica. A lista, por ter seu início no movimento monástico cristão no deserto do Egito, era, originalmente, uma lista de vícios que, constantemente, afligiam as comunidades monásticas. Mas, mesmo ali, era-lhe dada uma vitalidade dinâmica por estarem convencidos de que o Diabo é a fonte última da tentação.”[3]

A verdadeira origem da classificação dos sete pecados capitais é imprecisa, mas muitos acreditam que deu-se no século IV, quando o monge Evagrius[4] teria registrado no Egito oito pecados capitais: a gula, a libertinagem, a avareza, a melancolia, a ira, a letargia espiritual, a vanglória e o orgulho. João Cassiano de Marselha[5], discípulo de Evagrius, teria levado a relação à Roma onde esta recebeu sua formulação clássica que hoje conhecemos pelo papa Gregório Magno[6], no século VI.
"São Gregório Magno e os santos jesuítas" - pintura de Giovanni Francesco Barbieri (1591-1666)

A partir de então e especialmente pelo fato de que o referido papa ter sido um grande incentivador das missões de conversão pelo mundo afora, os sete pecados capitais não ficaram mais restritos à vida monástica. Eles passaram a ser compreendidos como perigos morais da alma em meio à vida diária e passaram a ter especial importância na pregação e doutrinação da Igreja nas épocas que se seguiram.

Duas obras tiveram o condão de impulsionar e popularizar a noção dos 7 pecados capitais: “Os Contos de Canterbury”, escrito por Geoffrey Chaucer (1343-1400) e “A Divina Comédia” de Dante Alighieri (1265-1321).

Na primeira obra, o autor descreve a trajetória de 29 viajantes que, saindo da pousada Tabard, dirigem-se à catedral de Canterbury a partir de Southwark, nas proximidades de Londres. Durante a viagem, os peregrinos iam sendo sorteados para que contassem histórias aos demais: relatos de amor, luxúria, sexo e morte, que apresentam a realidade social da Inglaterra do século XIV. O autor sugere que os sete pecados capitais estariam entrelaçados e seriam o tronco da árvore de onde os outros se ramificam.

“A Divina Comédia” é um poema narrativo rigorosamente simétrico, que narra uma odisséia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo com riqueza de detalhes cada etapa da viagem. Dante, o personagem principal da estória, é guiado pelo Inferno e Purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, musa em várias de suas obras. 
"A Divina Comédia de Dante" - pintura de Domenico di Michelino (1417-1491)
 A lista dos sete pecados capitais, por certo, não abrange todos os pecados que podemos enumerar, mas ela apresenta os pecados capitais, ditos como fundamentais, os quais se encontrariam no centro de natureza humana e dos quais se originariam todos os outros pecados.

Vale a lembrança de que a perspectiva cristã considera o impulso do amor como estando exatamente no centro de todas as virtudes e vícios. Enquanto as virtudes derivariam da disposição apropriada do amor, os vícios derivariam de um amor doentio, pois como afirmado por São Tomás de Aquino, “é necessário ter em conta que todo pecado se fundamenta em algum desejo natutral, e o homem, ao seguir qualquer desejo natural, tende à semelhança divina, pois todo bem naturalmente desejado possui uma certa semelhança com a bondade divina”. [7]

Apesar de alguns terem posição distintas, é possível afirmar que há um acordo comum sobre as categorias gerais dos sete pecados capitais, que são: soberba, inveja, ira, preguiça, avareza, gula e luxúria. Convém lembrar que esses vícios são tidos como capitais, porque, a título de causa final, tendem a gerar outros vícios, ou conforme as palavras de São tomás de Aquino: “precisamente isto é o que constitui o caráter de capital, pois a cabeça tem o poder de governar aquilo que está sob o seu domínio (e toda razão de governo procede do fim). Cabe-lhe também o caráter de mãe, pois mãe é aquela que concebe em si mesma e, assim, um tal vício é dito mãe de outros que dele procedem por concepção de seu próprio fim”.[8]

Os cinco primeiros vícios são diferentes dos dois últimos. Os primeiros são considerados pecados do espírito e são descritos, muitas vezes, como pecados “frios”. Já os últimos são, obviamente, pecados da carne e, portanto, “quentes”.


[1] PLOTINO – Tratado das Enéadas – Tradução de Américo Sommerman - São Paulo: Polar Editorial – 2000, p. 29. “Podemos inclusive dizer que a beleza é a existência real ou a verdadeira realidade, (...) Assim, para Deus, as qualidades da bondade e da beleza são as mesmas, bem como as realidades do Bem e da Beleza.”
[2] “Na linguagem da época, a noção de ‘bem’ era estreitamente associada à idéia de função, propósitos ou objetivo apropriados. Em geral, uma coisa era dita boa se desempenhava o papel que lhe cabia, realizava o objetivo que lhe tocava ou era completa (vale dizer, alcançava o fim a que se destinava).” GOTTLIEB, Anthony – O sonho da razão: uma história da filosofia ocidental da Grécia ao Renascimento; Tradução de Pedro Jorgensen Jr. – Rio de Janeiro – DIFEL – 2007, p. 235.
[3] GUINESS – Sete pecados capitais: navegando através do caos em uma época de confusão moral – São Paulo: Shedd Publicações – 2006, p. 24.
[4] Evagrius Ponticus (345-399) ou Evagrius, o solitário – monge cristão ascético, conhecido por ser um grande pensador, excelente orador e talentoso escritor. Passou os últimos quatorze anos de sua vida em Kellia, comunidade monástica localizada no deserto de Nitria no Egito, onde dedicou-se primordialmente aos seus escritos. Em que pese a relevância das suas obras, Evagrius foi considerado herege pelo Segundo Concílio de Constantinopla em 533 em razão de suas especulações esotéricas sobre a pré-existência das almas humanas e certos ensinamentos sobre a natureza de Deus e de Cristo.
[5] João Cassiano de Marselha (360-435) - teólogo cristão fundador do monasticismo ocidental. É considerado o principal discípulo de Evagrius e foi o principal divulgador dos trabalhos do mestre, tendo criado em Marselha um mosteiro nos moldes dos mosteiros dos desertos egípcios, que é considerado um dos primeiros da Europa. Foi um dos criadores da teoria do semipelagianismo, que defendia que o ser humano é salvo pela graça de Deus, mas a salvação só se daria se houvesse a iniciativa da boa vontade no coração do indivíduo, em oposição ao monergismo de Santo Agostinho, que afirmava que Deus sozinho propiciava a salvação, por meio da conversão.
[6] Papa Gregório Magno (540-604) ou Papa Gregório I – nasceu em Roma em uma família aristocrática e é considerado o primeiro papa com passado monástico. É tido como grande reformador litúrgico, incentivador das missões de conversão e de ter dado origem aos cantos gregorianos.
[7] TOMÁS DE AQUINO, Santo – Sobre o Ensino (De Magistro) – Os Sete pecados Capitais; Tradução de Luiz Jean Lauand – São Paulo – Editora Martins Fontes – 2001, p. 79.

[8] Tomás de Aquino, Santo – Sobre o Ensino (De Magistro) – Os Sete pecados Capitais; Tradução de Luiz Jean Lauand – São Paulo – Editora Martins Fontes – 2001, p. 86.

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