terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Caso Clínico em Psicanálise II - A prisão (in)voluntária ou A retomada da liberdade pessoal - José Anastácio de Sousa Aguiar


Recentemente, atendi uma jovem paciente que adentrou ao consultório com um garboso cachecol vermelho. Reclamava a referida moça que suas relações amorosas e profissionais estavam conturbadas e que isso a motivara a procurar um psicanalista. Acrescentou ela que se relacionava com pessoas casadas, apesar de ter um caso sério. Cobrava fidelidade do segundo relacionamento e exigia atenção excessiva dos outros. 
Ao dar início à sessão demonstrou descrença no método psicanalítico e disse nem saber ao certo a razão de estar ali. Depois de descortinar os eventos de sua vida, em especial a conturbada infância em razão de um pai ausente e agressivo, bem como os sentimentos por ela vividos, restou evidenciado que sua vida baseava-se numa insuperável e sufocante ambivalência emocional, o que lhe causava constante conflito interno. 
Demonstrei para a paciente que uma das principais funções da psicanálise é trazer para o consciente os conteúdos reprimidos do inconsciente e a partir daí trabalhá-los para a superação das fixações em fases infantis e a consequente obtenção da saúde emocional. A título de exemplo, perguntei qual teria sido a razão de ela estar usando naquele dia o já citado exuberante cachecol. Surpresa com a pergunta, mas já confiante no método, a jovem, após uma rápida reflexão, informou que não havia percebido a razão no momento da escolha do acessório, mas agora conseguia discernir que o tinha escolhido para se sentir desejada pelas pessoas, imputando, assim, ciúmes em seus amantes. 
Demonstrou alegria radiante em identificar suas fixações na fase narcisista infantil, bem como pelo fato de o adulto ter dado início ao processo de libertação das prisões impostas pela criança interna magoada e carente.
José Anastácio de Sousa Aguiar
*nomes, sexos e detalhes pessoais são modificados para preservar a identidade dos pacientes.

Repressão de impulsos - Sigmund Freud


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Feliz Natal

Desejamos neste Natal e sempre o autoconhecimento e o sincero desejo de tornar-se um ser humano melhor, pois tudo o mais - 
paz, saúde, prosperidade, etc, virá por consequência.
Família Portal da Busca Espiritual

Função da psicoterapia


terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Respeito - Armandinho


As Aventuras de Sri Prem Tata - Episódio 5 - A dor de cada um ou Comece a curar o mundo, curando a si mesmo


Após ter reencontrado seus velhos amigos, Sri Buddu Amurti, Lama Tahju e Swami Elisol, Tata e seu discípulo retornaram às suas terras, onde Tata era tido como uma figura que gozava de grande respeitabilidade e possuidor de elevada sabedoria. Ao aproximarem-se da entrada do reino, uma pequena multidão veio ao seu encontro. O grupo aguardava ansioso o retorno do mestre ao reinado no intuito de encarregá-lo de liderá-los até a capital do reino para protestarem em busca das reformas sociais que almejavam e caso não fossem atendidas suas demandas, pressionavam pela promoção de uma revolta.
Após ouvir atentamente as alegações, por vezes exaltadas, de vários componentes do grupo, Tata disse que estava disposto, em razão das justificadas argumentações e legítimas demandas, a ir até as últimas consequências com a entusiasmada turba, desde que eles se comprometessem a responder com plena sinceridade alguns questionamentos.
Ao ouvir as palavras de Tata e sabedor que Tata tinha o dom de identificar quando alguém era insincero, antes mesmo do guru fazer a primeira indagação, a maior parte do grupo foi saindo, aos poucos. Da pequena multidão inicial, só restou um punhado de pessoas, dentre as quais não havia nenhum exaltado.
Com o pequeno grupo, Tata deu início a um simples exercício de regressão, no qual cada um conseguiu identificar as questões mal resolvidas com a maternidade e/ou a paternidade. Após a referida ascese, Tata orientou cada um a retornar a seus lares e resolver as suas pendências primordiais por meio do perdão, da aceitação e da não-resistência, e afirmou que antes de tentar curar o mundo, as pessoas devem curar a si mesmas.
Para o discípulo, aquele havia sido um dia de inesperados aprendizados. Após a última pessoa, alegremente, partir, o fiel escudeiro dirigiu-se ao mestre e disse o quão maravilhoso havia sido aquele dia e indagou se seria possível o guru fazer uma explanação dos processos inconscientes envolvidos no episódio, ao que Tata respondeu: “A psique humana é composta dos condicionamentos oriundos dos ancestrais e também das estruturas vivenciadas durante a vida. Neste segundo componente (adquirido), tem especial relevância os eventos ocorridos na infância, e em especial a relação com a maternidade e com a paternidade. Todas as demandas dos adultos são frutos das insatisfações e das dores da criança interna. Assim, toda cura emocional, e por consequência a saúde mental, passa pela sincera disposição do indivíduo em evoluir e se autoconhecer.” Perguntou, ainda, o curioso companheiro de viagem: “Por que as pessoas que saíram no início não quiseram se submeter à sinceridade?” Ao que Tata respondeu: “Para muitos, a dor é a melhor amiga.”
*desenho de Jailson Arquino

domingo, 14 de dezembro de 2014

Consequências da inconsciência - Marla de Queiroz


Resumo do Livro XIII - Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914)


Resumo do Livro XIII – Totem e Tabu e outros trabalhos (1913-1914)
Nota do editor inglês
_ no seu Prefácio, Freud conta que seu primeiro estímulo para escrever estes ensaios veio das obras de Wundt e Jung. Na realidade, seu interesse pela antropologia social vinha de muito tempo antes. Na correspondência com Fliess (1950a), além de alusões gerais ao gosto sempre presente pelo estudo da arqueologia e da pré-história, há um certo número de referências específicas a temas antropológicos e à luz que a psicanálise lança sobre eles – p. 14;
_ imortalidade, castigo, vida após a morte, todos constituem reflexos de nossa própria psique mais profunda (…) psicomitologia – p. 14;
Prefácio à primeira edição
Prefácio à tradução hebraica
Totem e Tabu
I – O horror ao incesto
_ há homens vivendo em nossa época que, acreditamos, estão muito próximos do homem primitivo, muito mais do que nós, e a quem, portanto, consideramos como seus herdeiros e representantes diretos. Esse é o nosso ponto de vista a respeito daqueles que descrevemos como selvagens ou semi-selvagens; e sua vida mental deve apresentar um interesse peculiar para nós, se estamos certos quando vemos nela um retrato bem conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento. Se essa suposição for correta, uma comparação entre a psicologia dos povos primitivos, como é vista pela antropologia social, e a psicologia dos neuróticos, como foi revelada pela psicanálise, está destinada a mostrar numerosos pontos de concordância e lançará nova luz sobre fatos familiares às duas ciências – p. 21;
_ entre os australianos, o lugar das instituições religiosas e sociais que eles não têm é ocupado pelo sistema do ‘totemismo’. As tribos australianas subdividem-se em grupos menores, ou clãs, cada um dos quais é denominado segundo o seu totem. O que é um totem? Via de regra é um animal (comível e inofensivo, ou perigoso e temido) e mais raramente um vegetal ou um fenômeno natural (como a chuva ou a água), que mantém relação peculiar com todo o clã. Em primeiro lugar, o totem é o antepassado comum do clã; ao mesmo tempo, é o seu espírito guardião e auxiliar, que lhe envia oráculos, e embora perigoso para os outros, reconhece e poupa os seus próprios filhos. Em compensação, os integrantes do clã estão na obrigação sagrada (sujeita a sanções automáticas) de não matar nem destruir seu totem e evitar comer sua carne (ou tirar proveito dele de outras maneiras). O caráter totêmico é inerente, não apenas a algum animal ou entidade individual, mas a todos os indivíduos de uma determinada classe. De tempos em tempos, celebram-se festivais em que os integrantes do clã representam ou imitam os movimentos e atributos de seu totem em danças cerimoniais – p. 22;
_ e chegamos agora, por fim, à característica do sistema totêmico que atraiu o interesse dos psicanalistas. Em quase todos os lugares em que encontramos totens, encontramos também uma lei contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo totem e, conseqüentemente, contra o seu casamento. Trata-se então da ‘exogamia’, uma instituição relacionada com o totemismo – p. 23;
_ um pouco mais de reflexão, porém, demonstrará que a exogamia vinculada ao totem realiza mais (e, assim, visa a mais) do que a prevenção do incesto com a própria mãe e irmãs. Torna impossível ao homem as relações sexuais com todas as mulheres de seu próprio clã (ou seja, com um certo número de mulheres que não são suas parentas consangüíneas), tratando-as como se fossem parentes pelo sangue – p. 25;
_ a exogamia totêmica, ou seja, a proibição de relações sexuais entre os membros do mesmo clã, parece ter constituído o meio apropriado para impedir o incesto grupal; dessa maneira, estabeleceu-se e persistiu muito tempo após a sua raison d’être haver cessado – p. 27;
_ a psicanálise nos ensinou que a primeira escolha de objetos para amar feita por um menino é incestuosa e que esses são objetos proibidos: a mãe e a irmã. Estudamos também a maneira pela qual, à medida que cresce, ele se liberta dessa atração incestuosa. Um neurótico, por outro lado, apresenta invariavelmente um certo grau de infantilismo psíquico; ou falhou em libertar-se das condições psicossexuais que predominavam em sua infância ou a elas retornou; duas possibilidades que podem ser resumidas como inibição e regressão no desenvolvimento. Assim, as fixações incestuosas da libido continuam (ou novamente começam) a desempenhar o papel principal em sua vida mental inconsciente. Chegamos ao ponto de considerar a relação de uma criança com os pais, dominada como é por desejos incestuosos, como o complexo nuclear das neuroses– p. 35/36;
_ somos levados a acreditar que essa rejeição é, antes de tudo, um produto da aversão que os seres humanos sentem pelos seus primitivos desejos incestuosos, hoje dominados pela repressão. Por conseguinte, não é de pouca importância que possamos mostrar que esses mesmos desejos incestuosos, que estão destinados mais tarde a se tornarem inconscientes, sejam ainda encarados pelos povos selvagens como perigos imediatos, contra os quais as mais severas medidas de defesa devem ser aplicadas – p. 36;
II – Tabu e ambivalência emocional
_ ‘Tabu’ é um termo polinésio. É difícil para nós encontrar uma tradução para ele, desde que não possuímos mais o conceito que ele conota. O significado de ‘tabu’, como vemos, diverge em dois sentidos contrários. Para nós significa, por um lado, ‘sagrado’, ‘consagrado’, e, por outro, ‘misterioso’, ‘perigoso’, ‘proibido’, ‘impuro’. O inverso de ‘tabu’ em polinésio é ‘noa’, que significa ‘comum’ ou ‘geralmente acessível’. Assim, ‘tabu’ traz em si um sentido de algo inabordável, sendo principalmente expresso em proibições e restrições. Nossa acepção de ‘temor sagrado’ muitas vezes pode coincidir em significado com ‘tabu’. As restrições do tabu são distintas das proibições religiosas ou morais. Não se baseiam em nenhuma ordem divina, mas pode-se dizer que se impõem por sua própria conta. Diferem das proibições morais por não se enquadrarem em nenhum sistema que declare de maneira bem geral que certas abstinências devem ser observadas e apresente motivos para essa necessidade. As proibições dos tabus não têm fundamento e são de origem desconhecida. Embora sejam ininteligíveis para nós, para aqueles que por elas são dominados são aceitas como coisa natural – p. 37;
_ o fato mais estranho parece ser que qualquer um que tenha transgredido uma dessas proibições adquire, ele mesmo, a característica de ser proibido – como se toda a carga perigosa tivesse sido transferida para ele. Esse poder está ligado a todos os indivíduos especiais, como reis, sacerdotes, ou recém-nascidos, a todos os estados excepcionais, como os estados físicos da menstruação, puberdade ou nascimento, e a todas as coisas misteriosas, como a doença e a morte o que está associado a elas através do seu poder de infecção ou contágio – p. 40;
_ é uma lei geral da mitologia, afirma ele, que uma fase que tenha passado, pelo próprio motivo de ter sido superada e impelida para baixo por uma fase superior, perdura numa forma inferior ao lado da posterior, de modo que os objetos de sua veneração se transmudam em objetos de horror – p. 43/44;
_ quem quer que aborde o problema do tabu pelo ângulo da psicanálise, isto é, da investigação da porção inconsciente da mente do indivíduo, reconhecerá, após um momento de reflexão, que esses fenômenos estão longe de lhe serem estranhos. Ele (Wundt) encontrou pessoas que criaram para si mesmas proibições de tabus individuais dessa mesma espécie e que obedecem a elas com tanto rigor quanto os selvagens obedecem aos tabus comuns a sua tribo ou sociedade. Se já não estivesse habituado a descrever essas pessoas como pacientes ‘obsessivos’, verificaria que a ‘doença do tabu’ seria a expressão mais apropriada para a condição deles – p. 44;
_ como no caso do tabu, a principal proibição, o núcleo da neurose, é contra o tocar e daí ser às vezes conhecida como ‘fobia do contato’, ou ‘délire du toucher‘. A proibição não se aplica meramente ao contato físico imediato mas tem uma extensão tão ampla quanto o emprego metafórico da expressão ‘entrar em contato com’. Qualquer coisa que dirija os pensamentos do paciente para o objeto proibido, qualquer coisa que o coloque em contato intelectual com ele, é tão proibida quanto o contato físico direto. Essa mesma extensão também ocorre no caso do tabu – p. 45;
_ as proibições obsessivas estão extremamente sujeitas ao deslocamento (transferência) – p. 45;
_ as proibições obsessivas envolvem renúncias e restrições tão extensivas na vida dos que a elas estão sujeitos como as proibições do tabu, mas algumas podem ser suspensas se certas ações foram realizadas. A partir daí, essas ações devem se realizadas; elas se tornam atos compulsivos ou obsessivos, não podendo haver dúvida de que são da mesma natureza da expiação, da penitência, das medidas defensivas e da purificação. O mais comum desses atos obsessivos é lavar-se com água (‘mania de lavar-se’). Algumas proibições tabu podem ser substituídas da mesma maneira ou, antes, sua violação pode ser reparada por uma ‘cerimônia’ semelhante, e mais uma vez aqui a ilustração com água é o método preferido. Sintetizemos agora os pontos em que a concordância entre as práticas do tabu e os sintomas obsessivos é mais claramente mostrada: (1) o ato de faltar às proibições qualquer motivo atribuível; (2) o fato de serem mantidas por uma necessidade interna; (3) o fato de serem facilmente deslocáveis e de haver um risco de infecção proveniente do proibido; e (4) o fato de criarem injunções para a realização de atos cerimoniais – p. 46;
_ a proibição é ruidosamente consciente, enquanto o desejo persistente de tocar é inconsciente e o sujeito nada sabe a respeito dele. Se não fosse esse fator psicológico, uma ambivalência como esta não poderia durar tanto tempo nem conduzir a tais consequências – p. 47;
_ a inibição mútua das duas forças conflitantes produz uma necessidade de descarga, a fim de reduzir a tensão predominante, e a isto ser atribuída a razão para a realização de atos obsessivos. No caso de uma neurose, estas são ações nitidamente de concessão, de um ponto de vista são provas de remorso, tentativas de expiação e assim por diante, enquanto, por outro lado, são ao mesmo tempo atos substitutivos destinados a compensar o instinto pelo que foi proibido. Constitui uma lei da doença neurótica que esses atos obsessivos se enquadrem cada vez mais no domínio do instinto e aproximem-se mais e mais da atividade originalmente proibida – p. 48;
_ as mais antigas e importantes proibições ligadas aos tabus são as duas leis básicas do totemismo: não matar o animal totêmico e evitar relações sexuais com membros do clã totêmico do sexo oposto – p. 49;
_ resumirei agora os aspectos da natureza do tabu que foram esclarecidos através da comparação deste com as proibições obsessivas dos neuróticos. O tabu é uma proibição primeva forçadamente imposta (por alguma autoridade) de fora, e dirigida contra os anseios mais poderosos a que estão sujeitos os seres humanos. O desejo de violá-lo persiste no inconsciente; aqueles que obedecem ao tabu têm uma atitude ambivalente quanto ao que o tabu proíbe. O poder mágico atribuído ao tabu baseia-se na capacidade de provocar a tentação e atua como um contágio porque os exemplos são contagiosos e porque o desejo proibido no inconsciente desloca-se de uma coisa para outra. O fato de a violação de um tabu poder ser expiada por uma renúncia mostra que esta renúncia se acha na base da obediência ao tabu – p. 52;
_ o que desejamos descobrir agora é qual o grau de valor que deve ser atribuído ao paralelo por nós traçados entre o tabu e a neurose obsessiva e à visão do tabu em que nos baseamos nesse paralelo – p. 52;
_ através do estudo analítico de seus sintomas, e particularmente de atos obsessivos, medidas defensivas e ordens obsessivas. Verificamos que eles apresentavam todos os sinais de serem derivados de impulsos ambivalentes, quer correspondendo simultaneamente tanto a um desejo como a um contradesejo, quer atuando de forma predominante em nome de uma das tendências opostas. Se agora conseguirmos demonstrar que a ambivalência, isto é, a dominância de tendências opostas, pode também ser encontrada nas observâncias do tabu, ou se pudermos apontar algumas delas que, como atos obsessivos, dão expressão simultânea a ambas as correntes, teremos estabelecido a concordância psicológica entre o tabu e a neurose obsessiva naquilo que talvez seja sua característica mais importante – p. 52/53;
_ até agora, tudo muito bem; mas a técnica da psicanálise permite ir mais adiante na questão e penetrar mais ainda nos pormenores desses diversos impulsos. Se submetermos os fatos registrados à análise, como se fizessem parte dos sintomas apresentados por uma neurose, nosso ponto de partida deve ser a excessiva apreensibilidade e solicitude que é apresentada como razão para os cerimoniais do tabu. A ocorrência de uma solicitude excessiva desta espécie é muito comum nas neuroses e especialmente nas neuroses obsessivas, com as quais a nossa comparação é principalmente traçada. Chegamos a compreender sua origem bastante claramente. Ela aparece onde quer que, além de um sentimento predominante de afeição, exista também uma corrente de hostilidade contrária, mas inconsciente – estado de coisas que representa um exemplo típico de uma atitude emocional ambivalente. A hostilidade é então feita calar no grito, por assim dizer, por uma intensificação excessiva da afeição, que se expressa em solicitude e se torna compulsiva, porque de outro modo seria inadequada para desempenhar a missão de manter sob repressão a corrente de sentimento contrária e inconsciente. Todo psicanalista sabe por experiência com que segurança esta explicação da superafeição solícita é aplicável mesmo nas circunstâncias mais improváveis – em casos, por exemplo, de ligações entre mãe e filho ou entre um casal devotado. Se agora aplicarmos ao caso das pessoas privilegiadas, compreenderemos que juntamente com a veneração e, na verdade, idolatrização sentidas por elas, existe no inconsciente uma corrente oposta de hostilidade intensa; que, na realidade, como esperávamos, defrontamo-nos com uma situação de ambivalência emocional – p. 65;
_ o modelo no qual os paranóicos baseiam seus delírios de perseguição é a relação de uma criança com o pai. A imagem que um filho faz do pai é habitualmente investida de poderes excessivos desta espécie e descobre-se que a desconfiança do pai está intimamente ligada à admiração por ele. Quando um paranóico transforma a figura de um de seus associados num “perseguidor”, está elevando-o à categoria de pai; está colocando-o numa posição em que possa culpá-lo por todos os seus infortúnios. Assim esta segunda analogia entre selvagens e neuróticos nos dá um vislumbre de que grande parte da atitude de um selvagem para com seu governante provém da atitude infantil de uma criança para com o pai – p. 66;
_ aqui, então, temos uma contrapartida exata do ato obsessivo na neurose, no qual o impulso suprimido e o impulso que o suprime encontram satisfação simultânea e comum. O ato obsessivo é ostensivamente uma proteção contra o ato proibido, mas, na realidade, a nosso ver, trata-se de uma repetição dele – p. 66;
_ Somente nos neuróticos o luto pela perda dos que lhes eram caros é ainda perturbado por autocensuras obsessivas, cujo segredo é revelado pela psicanálise como sendo a velha ambivalência emocional – p. 81;
_ Sim, porque o que é a consciência? Segundo as provas da linguagem, ela está relacionada com aquilo de que se está ‘consciente com mais certeza’. Na verdade, em algumas línguas, as palavras para designar ‘consciência’ (no sentido moral, conscience, N. do Trad.) e ‘consciência’ (no sentido de percepção do que se passa em nós ou ao redor de nós, consciousness, N. do Trad.) mal podem ser distinguidas. A consciência (conscience, N. do Trad.) é a percepção interna da rejeição de um deteminado desejo a influir dentro de nós. (...) Dessa maneira parece provável que também a consciência tenha surgido, numa base de ambivalência emocional, de relações humanas bastante específicas, às quais essa ambivalência estava ligada e que surgiu sob as condições que demonstramos se aplicarem ao caso do tabu e da neurose obsessiva, a saber: que um dos sentimentos opostos envolvidos seja inconsciente e mantido sob repressão pela dominação compulsiva do outro. Esta conclusão é apoiada por várias coisas que aprendemos da análise das neuroses. Em primeiro lugar, descobrimos que um dos aspectos do caráter dos neuróticos obsessivos é uma escrupulosa conscienciosidade que é um sintoma reagindo contra a tentação a espreitar no inconsciente. (...) Em segundo lugar, não podemos deixar de nos impressionar com o fato de uma sensação de culpa ter em si muito da natureza da ansiedade; podemos descrevê-la, sem nenhum receio, como um ‘pavor da consciência’. Mas a ansiedade aponta para fontes inconscientes. A psicologia das neuroses nos fez ver que, se impulsos cheios de desejo forem reprimidos, sua libido se transformará em ansiedade. E isto nos faz lembrar que há algo de desconhecido e inconsciente em conexão com a sensação de culpa, a saber, as razões para o ato de repúdio. O caráter de ansiedade que é inerente à sensação de culpa corresponde ao fator desconhecido – p. 82/83;
_ em nosso exame analítico dos problemas do tabu, consideramos até aqui os pontos de concordância que podemos demonstrar existir entre ele e a neurose obsessiva. Mas, em última análise, o tabu não é uma neurose e sim uma instituição social. Por conseguinte, devemos explicar que diferença existe, em princípio, entre uma neurose e uma criação cultural como é o tabu. Mais uma vez tomarei um fato isolado como ponto de partida. Existe, entre os povos primitivos, o temor de que a violação de um tabu seja seguida de uma punição, em geral alguma doença grave ou a morte. A punição ameaça cair sobre quem quer que tenha sido responsável pela violação do tabu. Nas neuroses obsessivas, o caso é diferente. O que o paciente teme, se efetuar alguma ação proibida, é que o castigo caia não sobre si próprio, mas sobre alguma outra pessoa – p. 85;
_ as neuroses, por um lado, apresentam pontos de concordância notáveis e de longo alcance com as grandes instituições sociais, a arte, a religião e a filosofia. Mas, por outro lado, parecem como se fossem distorções delas. Poder-se-ia sustentar que um caso de histeria é a caricatura de uma obra de arte, que uma neurose obsessiva é a caricatura de uma religião e que um delírio paranóico é a caricatura de um sistema filosófico – p. 87;
_ a natureza associal das neuroses tem sua origem genética em seu propósito mais fundamental, que é fugir de uma realidade insatisfatória para um mundo mais agradável de fantasia. O mundo real, que é assim evitado pelos neuróticos, acha-se sob a influência da sociedade humana e das instituições coletivamente criadas por ela. Voltar as costas à realidade é, ao mesmo tempo, afastar-se da comunidade dos homens – p. 88;
III – Animismo, magia e a onipotência de pensamentos
_ o animismo, em seu sentido mais estrito, é a doutrina de almas e, no mais amplo, a doutrina de seres espirituais em real. O termo ‘animatismo’ também foi usado para indicar a teoria do caráter vivo daquelas coisas que nos parecem ser objetos inanimados e as expressões ‘animalismo’ e ‘hominismo’ também são empregadas em relação a isto – p. 89;
_ o animismo é um sistema de pensamento. Ele não fornece simplesmente uma explicação de um fenômeno específico, mas permite-me apreender todo o universo como uma unidade isolada de um ponto de vista único. A raça humana, se seguirmos as autoridades no assunto, desenvolveu, no decurso das eras, três desses sistemas de pensamento – três grandes representações do universo: animista (ou mitológica), religiosa e científica – p. 91;
_ adotei a expressão ‘onipotência de pensamentos’ de um homem altamente inteligente que sofria de ideias obsessivas e que depois de curado pelo tratamento psicanalítico, pôde dar provas de sua eficiência e bom senso. (Cf. Freud, 1909d). Ele criou a expressão como explicação para todos os estranhos e misteriosos acontecimentos pelos quais, como outras vítimas da mesma doença, parecia ser perseguido. Se pensava em alguém, tinha certeza de encontrar essa pessoa logo depois, como se fosse por mágica. Se de repente perguntava pela saúde de um conhecido a quem há muito tempo não via, escutava que este tinha acabado de morrer, de maneira a parecer que uma linguagem telepática lhe houvesse chegado dele. (...) É nas neuroses obsessivas que a sobrevivência da onipotência dos pensamentos é mais claramente visível e que as consequências desse modo primitivo de pensar mais se aproximam da consciência. Mas não devemos nos iludir supondo que se trata de uma característica distintiva dessa neurose específica, porque a investigação analítica revela a mesma coisa também nas outras neuroses. Em todas elas, o que determina a formação dos sintomas é a realidade, não da experiência, mas do pensamento. Os neuróticos vivem um mundo à parte, onde, como já disse antes, somente a ‘moeda neurótica’ é moeda corrente, isto é, eles são afetados apenas pelo que é pensado com intensidade e imaginado com emoção, ao passo que a concordância com a realidade externa não tem importância – p. 99;
_ assim, vê-se que a onipotência de pensamentos, a supervalorização dos processos mentais em comparação com a realidade, desempenha um papel irrestrito na vida emocional dos pacientes neuróticos e em tudo que dela se deriva. Se um deles submeter-se ao tratamento psicanalítico, que torna consciente o que nele era inconsciente, será incapaz de acreditar que os pensamentos são livres e constantemente terá medo de expressar desejos malignos, como se sua expressão conduzisse inevitavelmente à sua realização. Essa conduta, bem como as superstições que pratica na vida comum, revela a semelhança dele com os selvagens que acreditam poderem alterar o mundo externo pelo simples pensamento – p. 100;
_ os homens primitivos e os neuróticos, como já vimos, atribuem uma alta valorização – a nossos olhos, uma supervalorização – aos atos psíquicos. Essa atitude pode perfeitamente ser relacionada com o narcisismo e encarada como um componente essencial deste. Pode-se dizer que, no homem primitivo, o processo de pensar ainda é, em grande parte, sexualizado. Esta é a origem de sua fé na onipotência dos pensamentos, de sua inabalável confiança na possibilidade de controlar o mundo e de sua inacessibilidade às experiências, tão facilmente obteníveis, que poderiam ensinar-lhe a verdadeira posição do homem no universo. Com relação aos neuróticos, encontramos que, por um lado, uma parte considerável desta atitude primitiva sobreviveu em sua constituição e, por outro, que a repressão sexual que neles ocorreu ocasionou uma maior sexualização de seus processos de pensamento. Os resultados psicológicos devem ser os mesmos em ambos os casos, quer a hipercatexia libidinal do pensamento seja original, quer tenha sido produzida pela regressão: narcisismo intelectual e onipotência de pensamentos– p. 102;
_ se podemos considerar a existência da onipotência de pensamentos entre os povos primitivos como uma prova em favor do narcisismo, somos incentivados a fazer uma comparação entre as fases do desenvolvimento da visão humana do universo e as fases do desenvolvimento libidinal do indivíduo. A fase animista corresponderia à narcisista, tanto cronologicamente quanto em seu conteúdo; a fase religiosa corresponderia à fase da escolha de objeto, cuja característica é a ligação da criança com os pais; enquanto que a fase científica encontraria uma contrapartida exata na fase em que o indivíduo alcança a maturidade, renuncia ao princípio de prazer, ajusta-se à realidade e volta-se para o mundo externo em busca do objeto de seus desejos – p. 103;
_ em resumo, estamos reconhecendo a coexistência da percepção e da memória, ou, em termos mais gerais, a existência de processos mentais inconscientes ao lado dos conscientes. Poder-se-ia dizer que, em última análise, o ‘espírito’ das pessoas ou das coisas reduz-se à sua capacidade de serem lembradas e imaginadas após a percepção delas haver cessado – p. 106;
O retorno do totemismo na infância
a) a origem do totemismo
a.1) teorias nominalistas;
a.2) teorias sociológicas;
a.3) teorias psicológicas
b) e c) A origem da exogamia e sua relação com o totemismo
_ a psicanálise revelou que o animal totêmico é, na realidade, um substituto do pai e isto entra em acordo com o fato contraditório de que, embora a morte do animal seja em regra proibida, sua matança, no entanto, é uma ocasião festiva – com o fato de que ele é morto e, entretanto, pranteado. A atitude emocional ambivalente, que até hoje caracteriza o complexo-pai em nossos filhos e com tanta frequência persiste na vida adulta, parece estender-se ao animal totêmico em sua capacidade de substituto do pai – p. 147;
_ a refeição totêmica, que é talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma repetição, e uma comemoração desse ato memorável e criminoso, que foi o começo de tantas coisas: da organização social, das restrições morais e da religião – p. 150;
_ a doutrina do pecado original era de origem órfica. Constituía parte dos mistérios e deles propagou-se para as escolas de filosofia da antiga Grécia. (Reinach, 1905-12, 2, 75 e segs.) A humanidade, dizia-se, descendia dos Titãs, que haviam matado o jovem Dioniso-Zagreus e o despedaçado. A carga desse crime pesava sobre eles. Um fragmento de Anaximandro conta como a unidade do mundo foi rompida por um pecado primevo e que tudo dele surgido devia sofrer o castigo. A malta tumultuosa, a matança e o despedaçamento pelos Titãs fazem-nos recordar com bastante clareza o sacrifício totêmico descrito por São Nilo [Ibid., 2, 93] – bem como, a propósito, também muitos outros mitos antigos, inclusive, por exemplo, o da morte do próprio Orfeu. Não obstante, existe uma diferença perturbadora no fato de o assassinato ter sido cometido contra um deus jovem’ – p. 160;    
_ ao concluir, então, esta investigação excepcionalmente condensada, gostaria de insistir em que o resultado dela mostra que os começos da religião, da moral, da sociedade e da arte convergem para o complexo de Édipo. Isso entra em completo acordo com a descoberta psicanalítica de que o mesmo complexo constitui o núcleo de todas as neuroses, pelo menos até onde vai nosso conhecimento atual. Parece-me ser uma descoberta muito supreendente que também os problemas da psicologia social se mostrem solúveis com base num único ponto concreto: – a relação do homem com o pai. É mesmo possível que ainda outro problema psicológico se encaixe nesta mesma conexão. Muitas vezes tive ocasião de assinalar que a ambivalência emocional, no sentido próprio da expressão – ou seja, a existência simultânea de amor e ódio para os mesmos objetos – jaz na raiz de muitas instituições culturais importantes. Não sabemos nada da origem dessa ambivalência. Uma das pressuposições possíveis é que ela seja um fenômeno fundamental de nossa vida emocional. Mas parece-me bastante válido considerar outra possibilidade, ou seja, que originalmente ela não fazia parte de nossa vida emocional, mas foi adquirida pela raça humana em conexão com o complexo-pai, precisamente onde o exame psicanalítico de indivíduos modernos ainda a encontra revelada em toda a sua força – p. 163/164;
_ mesmo a mais implacável repressão tem de deixar lugar para impulsos substitutos deformados e para as reações que deles resultem. Se assim for, portanto, podemos presumir com segurança que nenhuma geração pode ocultar, à geração que a sucede, nada de seus processos mentais mais importantes, pois a psicanálise nos mostrou que todos possuem, na atividade mental inconsciente, um apparatus que os capacita a interpretar as reações de outras pessoas, isto é, a desfazer as deformações que os outros impuseram à expressão de seus próprios sentimentos. Uma tal compreensão inconsciente de todos os costumes, cerimônias e dogmas que restaram da relação original com o pai pode ter possibilitado às gerações posteriores receberem sua herança de emoção – p. 165;
_ o que jaz por trás do sentimento de culpa dos neuróticos são sempre realidades psíquicas, nunca realidades concretas. O que caracteriza os neuróticos é preferirem a realidade psíquica à concreta, reagindo tão seriamente a pensamentos como as pessoas normais às realidades – p. 166;
_ não é exato dizer que os neuróticos obsessivos, curvados sob o peso de uma moralidade excessiva, estão-se defendendo apenas da realidade psíquica e se punindo através de impulsos que foram simplesmente sentidos. A realidade histórica também tem a sua parte na questão. Na infância, eles tiveram esses impulsos malignos de modo puro e simples e transformaram-nos em atos até onde a impotência da infância permitia. Cada um desses indivíduos excessivamente virtuosos passou por um período de maldade na infância – uma fase de perversão que foi precursora e pré-condição do período posterior de moralidade excessiva. A analogia entre os homens primitivos e os neuróticos será estabelecida assim de modo muito mais completo, se supusermos que também no primeiro caso a realidade psíquica – a respeito da qual não temos dúvida quanto à forma que tomou – coincidiu no princípio com a realidade concreta, ou seja, que os homens primitivos realmente fizeram aquilo que todas as provas mostram que pretendiam fazer – p. 167;
O interesse científico da psicanálise (1913)
Parte I – O interesse psicológico da psicanálise
_ a psicanálise é um procedimento médico que visa à cura de certas formas de doenças nervosas (as neuroses) através de uma técnica psicológica. Num pequeno volume publicado em 1910, descrevi a evolução da psicanálise a partir do procedimento catártico de Josef Breuer e de sua relação com as teorias de Charcot e Pierre Janet – p. 175;
_ o motivo mais comum para reprimir uma intenção, que daí em diante tem de contentar-se em encontrar expressão numa parapraxia, resulta ser a necessidade de evitar o desprazer – p. 177;
_ a intenção de evitar o desprazer não é a única que pode encontrar seu escoadouro nas parapraxias. Em muitos casos a análise revela outros propósitos que foram reprimidos numa situação específica e que só se podem fazer sentir, por assim dizer, como perturbações secundárias. Assim, um lapso de linguagem frequentemente servirá para trair as opiniões que a pessoa que fala deseja ocultar de seu interlocutor. Os lapsos de linguagem foram entendidos nesse sentido por vários grandes escritores e com esse intuito empregados em suas obras. A perda de objetos preciosos com frequência mostra ser um ato de sacrifício destinado a impedir algum mal esperado; muitas outras superstições também sobrevivem sob a forma de parapraxias em pessoas instruídas– p. 178;
_ nossos enganos com frequência resultam ser um disfarce para nossas intenções secretas – p. 178;
_ a psicanálise eleva a condição dos sonhos à de atos psíquicos possuidores de sentido e intenção e com um lugar na vida mental do indivíduo, apesar de sua estranheza, incoerência e absurdo. Segundo esse ponto de vista, os estímulos somáticos simplesmente desempenham o papel de material que é elaborado no decurso da construção do sonho – p. 179;
_ a elaboração onírica é um processo psicológico que até hoje não encontrou similar na psicologia, reclamando o nosso interesse em dois sentidos principais. Em primeiro lugar, traz ao nosso conhecimento processos novos como a ‘condensação’ (de ideias) e o ‘deslocamento’ (da ênfase psíquica de uma ideia para outra), processos com os quais nunca, de forma nenhuma, nos deparamos em nossa vida desperta, a não ser como base daquilo que é conhecido como ‘erros de pensamento’. Em segundo lugar, nos permite detectar no funcionamento da mente um jogo de forças que estava escondido de nossa percepção consciente. Descobrimos que há uma ‘censura’, um órgão de verificação a funcionar em nós, que decide se uma ideia que surge na mente deve ter ou não permissão de chegar à consciência e que, até onde está em seu poder, exclui implacavelmente qualquer coisa que possa produzir ou reviver um desprazer. Aqui lembramos que na análise das parapraxias encontramos traços dessa mesma intenção de evitar desprazer na recordação de coisas, e de conflitos similares entre os impulsos mentais – p. 180;
_ quem compreender os sonhos pode também apreender o mecanismo psíquico das neuroses e psicoses – p. 181;
_ e isso se aplica igualmente àqueles atos que são descritos como sintomas ‘crônicos’ de pacientes histéricos. Todos são representações miméticas ou alucinatórias de fantasias que dominam inconscientemente a vida emocional do indivíduo e que têm o sentido de realizações de desejos secretos e reprimidos. O caráter atormentador desses sintomas se deve ao conflito interno a que a mente do paciente é levada, pela necessidade de combater esses desejos inconscientes – p. 182;
_ noutro distúrbio neurótico, a neurose obsessiva, os pacientes se tornam vítimas de cerimoniais aflitivos e aparentemente insensatos, que assumem a forma de uma repetição rítmica dos atos mais triviais (tais como lavar-se ou vestir-se) ou de executar injunções sem sentido ou obedecer a proibições misteriosas. Foi nada menos que um triunfo da pesquisa psicanalítica conseguir demonstrar que todos esses atos obsessivos, mesmo os mais insignificantes e triviais, têm um sentido e são reflexos, traduzidos em termos indiferenciados, dos conflitos da vida dos pacientes, da luta entre tentações e restrições morais – reflexos do próprio desejo proscrito e da punição e expiação em que esse desejo incorre. Noutra forma da mesma perturbação, a vítima sofre de ideias atormentadoras (obsessões) que a ela se impõem, sendo acompanhadas por emoções cujo caráter e intensidade são muitas vezes explicados apenas de maneira muito inadequada pelos termos das próprias ideias obsessivas. A investigação analítica demonstrou, nesse caso, que as emoções são plenamente justificadas, visto corresponderem a autocensuras que se baseiam em algo que é, pelo menos, psiquicamente real. Mas as ideias a que essas emoções estão ligadas não são as originais, tendo chegado à posição presente por um processo de deslocamento – substituindo algo que foi reprimido. Se esses deslocamentos puderem ser invertidos, estará aberto o caminho para a descoberta das idéias reprimidas, e se descobrirá que a relação entre a emoção e a idéia é perfeitamente apropriada – p. 182/183;
_ a psicanálise mostra à psicologia a solução de metade dos problemas da psiquiatria. Não obstante, seria um erro grave supor que a análise favorece ou pretende uma visão puramente psicológica das perturbações mentais. Não se pode menosprezar o fato de que a outra metade dos problemas da psiquiatria relaciona-se com a influência de fatores orgânicos (mecânicos, tóxicos ou infecciosos) sobre o mecanismo mental. Mesmo no caso da mais leve dessas perturbações, a neurose, não se pretende que sua origem seja puramente psicogênica, mas remonta-se sua etiologia à influência sobre a vida mental de um fator indiscutivelmente orgânico, ao qual me referirei posteriormente. O número de descobertas psicanalíticas pormenorizadas que não podem deixar de ser importantes para a psicologia geral é grande demais para que as enumere aqui. Farei referência apenas a dois outros pontos: a psicanálise não hesita em atribuir aos processos emocionais a primazia na vida mental, e revela nas pessoas normais uma inesperada quantidade de perturbações afetivas e de ofuscamento do intelecto numa frequência que não é inferior à verificada em pessoas doentes – p. 183/184;
Parte II – O interesse da psicanálise para as ciências não-psicológicas
A) O interesse filológico da psicanálise
_ a linguagem dos sonhos pode ser encarada como o método pelo qual a atividade mental inconsciente se expressa. Mas o inconsciente fala mais de um dialeto. De acordo com as diferentes condições psicológicas que orientam e distinguem as diversas formas de neurose, encontramos modificações regulares na maneira pela qual os impulsos mentais inconscientes se expressam – p. 186;
B) O interesse filosófico da psicanálise
C) O interesse biológico da psicanálise
_ a fórmula final a que a psicanálise chegou quanto à natureza das neuroses é a seguinte: o conflito primário que leva às neuroses é um conflito entre os instintos sexuais e os instintos que sustentam o ego. As neuroses representam uma dominação mais ou menos parcial do ego pela sexualidade, depois de terem falhado os esforços do ego para reprimi-la – p. 190;
D) O interesse da psicanálise de um ponto de vista de desenvolvimento
_ o procedimento médico psicanalítico não pode eliminar um sintoma até haver traçado a origem e a evolução desse sintoma. Assim, desde o início, a psicanálise dirigiu-se no sentido de delinear processos de desenvolvimento. Começou por descobrir a gênese dos sintomas neuróticos e foi levada, à medida que o tempo passava, a voltar sua atenção para outras estruturas psíquicas e a construir uma psicologia genética que também se lhe aplicasse. A psicanálise foi obrigada a atribuir a origem da vida mental dos adultos à vida das crianças e teve de levar a sério o velho ditado que diz que a criança é o pai do homem – p. 191;
_ outra descoberta muito mais surpreendente foi que, a despeito de toda a evolução posterior que ocorre no adulto, nenhuma das formações mentais infantis perece. Todos os desejos, impulsos instintivos, modalidades de reação e atitudes da infância acham-se ainda demonstravelmente presentes na maturidade e, em circunstância apropriada, podem mais uma vez surgir. Elas não são destruídas, mas simplesmente se sobrepõem – para empregar o modo espacial de descrição que a psicologia psicanalítica foi obrigada a adotar. Assim, faz parte da natureza do passado mental diferentemente do passado histórico, não ser absorvido pelos seus derivados; persiste (seja na realidade ou apenas potencialmente) juntamente com o que se originou dele. A prova desta afirmação reside no fato de os sonhos das pessoas normais reviverem seus caracteres de infância a cada noite e reduzirem toda a sua vida mental a um nível infantil. Esse mesmo retorno ao infantilismo psíquico (‘regressão’) ocorre nas neuroses e psicoses, cujas peculiaridades podem, em grande parte, ser descritas como arcaísmos psíquicos. A intensidade com que os resíduos da infância ainda se acham presentes na mente nos é mostrada pelo grau de disposição para a doença; essa disposição pode, por conseguinte, ser encarada como expressão de uma inibição do desenvolvimento. A parte do material psíquico de uma pessoa que permaneceu infantil e foi reprimida como imprestável constitui o cerne de seu inconsciente. E acreditamos que podemos seguir nas histórias de nossos pacientes a maneira pela qual esse inconsciente subjugado como é pelas forças de repressão, fica à espera de uma possibilidade de tornar-se ativo e fazer uso de suas oportunidades, se as estruturas psíquicas posteriores e mais elevadas fracassarem no domínio das dificuldades da vida real – p. 192;
E) O interesse da psicanálise de um ponto de vista da história da civilização
_ a psicanálise estabeleceu uma estreita conexão entre essas realizações psíquicas de indivíduos, por um lado, e de sociedades, por outro, postulando uma mesma e única fonte dinâmica para ambas. Ela parte da idéia básica de que a principal função do mecanismo mental é aliviar o indivíduo das tensões nele criadas por suas necessidades. Uma parte desta tarefa pode ser realizada extraindo-se satisfação do mundo externo e, para esse fim, é essencial possuir controle sobre o mundo real. Mas a satisfação de outra parte dessas necessidades – entre elas, certos impulsos afetivos – é regularmente frustrada pela realidade. Isto conduz a uma nova tarefa de encontrar algum outro meio de manejar os impulsos insatisfeitos. Todo o curso da história da civilização nada mais é que um relato dos diversos métodos adotados pela humanidade para ‘sujeitar’ seus desejos insatisfeitos, que, de acordo com as condições cambiantes (modificadas, ademais, pelos progressos tecnológicos) defrontaram-se com a realidade, às vezes favoravelmente e outras com frustração. Uma investigação dos povos primitivos mostra a humanidade de inicialmente aprisionada pela crença infantil em sua própria onipotência. Toda uma gama de estruturas mentais pode ser então compreendida como tentativas de negar tudo o que pudesse perturbar esse sentimento de onipotência e impedir assim que a vida emocional fosse afetada pela realidade, até que esta pôde ser mais bem controlada e utilizada para propósitos de satisfação. O princípio de evitar o desprazer domina as ações humanas até ser substituído pelo princípio melhor de adaptação ao mundo externo. Pari passu com o controle progressivo dos homens sobre o mundo segue uma evolução de sua Weltanschauung, sua visão do universo como um todo. Cada vez eles se afastam mais de sua crença original na própria onipotência, elevando-se da fase animista para a religiosa e desta para a científica. Os mitos, a religião e a moralidade podem ser situados nesse esquema como tentativas de busca de compensação da falta de satisfação dos desejos humanos. Nosso conhecimento das doenças neuróticas dos indivíduos foi de grande auxílio para a compreensão das grandes instituições sociais, porque as neuroses mostraram ser tentativas de encontrar soluções individuais para o problema de compensar os desejos insatisfeitos, enquanto que as instituições buscam proporcionar soluções sociais para esses mesmos problemas. A recessão do fator social e a predominância do sexual transforma essas soluções neuróticas do problema psicológico em caricaturas que de nada servem, a não ser para ajudar-nos a explicar essas importantes questões – p. 194;
F) O interesse da psicanálise de um ponto de vista da ciência da estética
_ as forças motivadoras dos artistas são os mesmos conflitos que impulsionam outras pessoas à neurose e incentivaram a sociedade a construir suas instituições. De onde o artista retira sua capacidade criadora não constitui questão para a psicologia. O objetivo primário do artista é libertar-se e, através da comunicação de sua obra a outras pessoas que sofram dos mesmos desejos sofreados, oferecer-lhes a mesma libertação – p. 195;
F) O interesse sociológico da psicanálise
G) O interesse educacional da psicanálise
_ Quando os educadores se familiarizarem com as descobertas da psicanálise, será mais fácil se reconciliarem com certas fases do desenvolvimento infantil e, entre outras coisas, não correrão o risco de superestimar a importância dos impulsos instintivos socialmente imprestáveis ou perversos que surgem nas crianças. Pelo contrário, vão se abster de qualquer tentativa de suprimir esses impulsos pela força, quando aprenderem que esforços desse tipo com frequência produzem resultados não menos indesejáveis que a alternativa, tão temida pelos educadores, de dar livre trânsito às travessuras das crianças. A supressão forçada de fortes instintos por meios externos nunca produz, numa criança, o efeito de esses instintos se extinguirem ou ficarem sob controle; conduz à repressão, que cria uma predisposição a doenças nervosas no futuro. A psicanálise tem frequentes oportunidades de observar o papel desempenhado pela severidade inoportuna e sem discernimento da educação na produção de neuroses, ou o preço, em perda de eficiência e capacidade de prazer, que tem de ser pago pela normalidade na qual o educador insiste. E a psicanálise pode também demonstrar que preciosas contribuições para a formação do caráter são realizadas por esses instintos associais e perversos na criança, se não forem submetidos à repressão, e sim desviados de seus objetivos originais para outros mais valiosos, através do processo conhecido como ‘sublimação’. Nossas mais elevadas virtudes desenvolveram-se, como formações reativas e sublimações, de nossas piores disposições. A educação deve escrupulosamente abster-se de soterrar essas preciosas fontes de ação e restringir-se a incentivar os processos pelos quais essas energias são conduzidas ao longo de trilhas seguras. Tudo o que podemos esperar a título de profilaxia das neuroses no indivíduo se encontra nas mãos de uma educação psicanaliticamente esclarecida – p. 197;
Observações e exemplos da prática psicanalítica (1913)
1 – Sonhos com uma causa precipitante não identificada
2 – A hora do dia em sonhos
3 – A representações de idade nos sonhos
4 – Posição ao despertar de um sonho
9 – Dois quartos e um quarto
10 – Sobretudo como símbolo
13 – Pés (sapatos) vergonhosos
15 – Autocrítica nos neuróticos
19 – Considerações representabilidade
20 – Sonhos com pessoas mortas
21 – Sonhos fragmentários
22 – Aparecimento no sonho dos sintomas da doença
Fausse Reconnaissance (Déjá raconté) no tratamento psicanalítico (1914) 
_ acontece com frequência durante o tratamento analítico que o paciente, após relatar algum fato de que se lembrou, prossiga dizendo: ‘Mas eu já lhe contei isso’ – enquanto o analista tem certeza de ser essa a primeira vez que escutou a história – p. 213;
O Moisés de Michelangelo (1914)
_ não obstante, as obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a escultura e, com menos frequência, a pintura. Isto já me levou a passar longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las à minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve o seu efeito. Onde não consigo fazer isso, como, por exemplo, com a música, sou quase incapaz de obter qualquer prazer. Uma inclinação mental em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o fato de comover-me com uma coisa sem saber porque sou assim afetado e o que é que me afeta – p. 223;
_ Mas Michelangelo colocou um Moisés diferente na tumba do Papa, um Moisés superior ao histórico ou tradicional. Modificou o tema das Tábuas quebradas; não permite que Moisés as quebre em sua ira, mas faz que ele seja influenciado pelo perigo de que se quebrem e o faz acalmar essa ira, ou, pelo menos, impedi-la de transformar-se em ato. Dessa maneira, acrescentou algo de novo e mais humano à figura de Moisés; de modo que a estrutura gigantesca, com a sua tremenda força física, torna-se apenas uma expressão concreta da mais alta realização mental que é possível a um homem, ou seja, combater com êxito uma paixão interior pelo amor de uma causa a que se devotou – p. 244;
Algumas reflexões sobre a psicologia do escolar (1914)

Discernimento - Armandinho