sexta-feira, 9 de maio de 2014

Fábula - A Coruja e o Rouxinol - Cristiane Caracas

Raquel era uma coruja esperta que como todas as corujas adorava a vida noturna. Era livre e costumava gabar-se de nunca se ter deixado apaixonar.
_ Paixão é coisa para os tolos, dizia.
_ Amar só se eu ficar louca, disparava em gargalhadas.
Em uma noite quente de verão, como outra qualquer sem nada diferente ou especial, Raquel foi a uma festa na mata vizinha, foram muitas aves noturnas, todas já conhecidas da coruja e sabedoras da fama de coração duro que ela tinha.

No meio do caminho, entretanto, pararam para uma prosa e foi aí que puderam ouvir um doce e suave canto que vinha da escuridão. Raquel jamais ouvira tão bela música e se emocionou com aquela melodia de tal forma que se sentia mexida, encantada por aquele som.
Quis saber de onde vinha, o porquê de todas as emoções que o canto lhe causava. As outras aves insistiram com Raquel a respeito da hora de partir, mas, a coruja, àquela altura pouco se importava com qualquer festa ou diversão, queria mesmo era encontrar aquele canto que como encanto encheu sua alma de luz, embora ela estivesse na mais absoluta escuridão.
E foi ao seu encontro de forma apressada, ansiosa, com medo da luz de sua alma se apagar. O canto ia se tornando cada vez mais próximo e Raquel pode ver ao longe, em cima de um arbusto de amoras, um pequeno rouxinol de calda vermelha que cantava para a escuridão em doces e suaves poesias, pretendendo esquecer sua solidão.
Raquel, descuidadamente, deixou-se apaixonar pelo canto do rouxinol de calda vermelha. Lembrou-se de suas palavras quanto aos tolos apaixonados e teve vergonha de seus sentimentos. Deu-se conta do estigma de feiura das corujas e aí teve medo. Um medo jamais experimentado dantes, medo de ser rejeitada, ridicularizada até.
_ O que diriam as outras aves de uma coruja feia se apaixonar por um lindo rouxinol? Ou pior, e essa ideia lhe era insuportável, aquele rouxinol rir dela e de seus sentimentos.
Recordou de quando falava que o amor somente lhe caberia quando estivesse insana. Indagou a si mesma se tudo não passava de um delírio, mas ao ouvi-lo novamente convenceu-se de que era amor.

Quis aproximar-se, recuou diante de sua covardia, pensou no que tinha a oferecer, teve consciência de sua insignificância. Não tinha atrativos físicos, muito menos um belo canto. Revoltou-se com sua própria condição, amaldiçoou o céu por tê–la feito coruja.
E todas as noites daquele verão vinha de mansinho, escondia-se entres os galhos de uma árvore qualquer e ficava horas ouvindo aquele lindo canto que lhe trazia paz, mas também era o causador de sua insônia. Os sentimentos se misturam assim para Raquel ora como luz, ora como trevas, era doce e ao mesmo tempo amargo, sofria, mas seus olhos grandes davam uma festa todas as vezes que ele chegava, seu coração se alegrava só de pensar que à noite iria poder ver e ouvir seu amado.
E foram várias noites em que a coruja silente amava sozinha aquele rouxinol. Nunca se fez perceber, jamais ousou encará-lo, não teve coragem de enfrentar seus medos e confiava que o tempo fosse lhe dar as respostas de que tanto precisava.
O que Raquel não sabia é que os rouxinóis, da mesma forma que chegam se vão, porque aves migratórias não se deixam aprisionar por lugar nenhum e, por isso, ele se foi sem dizer adeus. A ave não podia acreditar na partida de seu rouxinol que, embora nem desconfiasse, era a razão de sua existência.
Percebeu que até então não tinha vivido, apenas existido e que o amor, que iluminou à sua alma, é que ascende os corações, nos faz melhor e nos torna capaz de aceitar a ambiguidade dos seres, porque somos muitos quando amamos e não somos nada, além de fragmentos de existência, quando incapazes de amar.
Raquel compreendeu, em sua solidão, o quão tolos são os mudos apaixonados, quão insanos são os silentes amantes que confiam no tempo e esquecem que esse mesmo tempo tripudia daqueles que não têm a coragem de enfrentar suas próprias vozes e medos.
E até o último dia de sua vida Raquel, por se ter calado, teve que ouvir, nas noites escuras, não mais o lindo canto do seu amado rouxinol, mas o sussurro da solidão e o grito de dor da sua saudade chamando por ele.
Diz a lenda que nas noites de lua minguante, quando a escuridão vira dona do firmamento, todos os que amam em segredo, se ficarem em profundo silêncio, serão capazes de ouvir o lamento de Raquel que ecoa em um choro triste, por não poder voltar o tempo e dizer ao seu rouxinol tudo aquilo que ficou preso em sua garganta muda.

CRISTIANE CARACAS
09/05/2014

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