sexta-feira, 10 de julho de 2015

Resumo do Livro XX - Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Análise Leiga e outros trabalhos (1925-1926)


Resumo do Livro XX – Um Estudo Autobiográfico, Inibições, Sintomas e Ansiedade, Análise Leiga e outros trabalhos (1925-1926)
Um Estudo Autobiográfico (1925[1924])
Nota do editor inglês
_ Assim o estudo de Freud é essencialmente um relato de sua participação pessoal no desenvolvimento da psicanálise. Como ele próprio ressalta no parágrafo inicial, ele estava inevitavelmente revendo muito do que já tinha sido tratado em seu artigo ‘A História do Movimento Psicanalítico’ (1914d), cerca de dez anos antes. Não obstante, como um confronto entre as duas obras revelará, sua disposição de ânimo então era bem diferente. As controvérsias que haviam impregnado de exacerbação o artigo mais antigo tornaram-se agora insignificantes e ele pôde apresentar um relato frio e inteiramente objetivo da evolução dos seus pontos de vista científicos. – p. 12/13;
I
_ Apresentei meu primeiro relato do desenvolvimento e do tema da psicanálise em cinco lições que pronunciei em 1909 na Clark University, em Worcester, Mass., para onde fora convidado a fim de assistir às comemorações do vigésimo aniversário de fundação daquela entidade. – p. 15;
_ Nasci a 6 de maio de 1856, em Freiberg, na Morávia, pequena cidade situada onde agora é a Tchecoslováquia. Meus pais eram judeus e eu próprio continuei judeu. Tenho razões para crer que a família de meu pai residiu por muito tempo no Reno (em Colônia), que ela, como resultado de uma perseguição aos judeus durante o século XIV ou XV, fugiu para o leste, e que, no curso do século XIX, migrou de volta da Lituânia, passando pela Galícia, até a Áustria alemã. Quando eu era uma criança de quatro anos fui para Viena e ali recebi toda minha educação. No ‘Gymnasium’ [escola secundária] fui o primeiro de minha turma durante sete anos e desfrutava ali de privilégios especiais, e quase nunca tive de ser examinado em aula. Embora vivêssemos em circunstâncias muito limitadas, meu pai insistiu que, na minha escolha de uma profissão, devia seguir somente minhas próprias inclinações. Nem naquela época, nem mesmo depois, senti qualquer predileção particular pela carreira de médico. Fui, antes, levado por uma espécie de curiosidade, que era, contudo, dirigida mais para as preocupações humanas do que para os objetivos naturais; eu nem tinha apreendido a importância da observação como um dos melhores meios de gratificá-la. Meu profundo interesse pela história da Bíblia (quase logo depois de ter aprendido a arte da leitura) teve, conforme reconheci muito mais tarde, efeito duradouro sobre a orientação do meu interesse. Sob a influência de uma amizade formada na escola com um menino mais velho que eu, e que veio a ser conhecido político, desenvolvi, como ele, o desejo de estudar direito e de dedicar-me a atividade sociais. Ao mesmo tempo, as teorias de Darwin, que eram então de interesse atual, atraíram-me fortemente, pois ofereciam esperanças de extraordinário progresso em nossa compreensão do mundo; e foi ouvindo o belo ensaio de Goethe sobre a Natureza, lido em voz alta numa conferência popular pelo professor Carl Brühlpouco antes de eu ter deixado a escola, que resolvi tornar-me estudante de medicina.
Quando em 1873, ingressei na universidade, experimentei desapontamentos consideráveis. Antes de tudo, verifiquei que se esperava que eu me sentisse inferior e estranho porque era judeu. Recusei-me de maneira absoluta a fazer a primeira dessas coisas. Jamais fui capaz de compreender por que devo sentir-me envergonhado da minha ascendência ou, como as pessoas começavam a dizer, da minha ‘raça’. Suportei, sem grande pesar, minha não aceitação na comunidade, pois parecia-me que apesar dessa exclusão, um dinâmico companheiro de trabalho não poderia deixar de encontrar algum recanto no meio da humanidade. Essas primeiras impressões na universidade, contudo, tiveram uma conseqüência que depois viria a ser importante, porquanto numa idade prematura familiarizei-me com o destino de estar na Oposição e de ser posto sob o anátema da ‘maioria compacta’. Estavam assim lançados os fundamentos para um certo grau de independência de julgamento. – p. 15/17;
_ Os vários ramos da medicina propriamente dita, afora a psiquiatria, não exerciam qualquer atração sobre mim. Eu era realmente negligente em meus estudos médicos e somente em 1881, um tanto tardiamente, recebi o grau de doutor em medicina. – p. 18;
_ No outono de 1886, fixei-me em Viena como médico e casei-me com a moça que ficara à minha espera numa distante cidade há mais de quatro anos. Posso agora retornar um pouco ao passado e explicar como foi a culpa de minha fiancée por eu ainda não ser famoso naquela jovem idade. – p. 22;
_ Qualquer um que deseje ganhar para subsistência com o tratamento de pacientes nervosos deve ser claramente capaz de fazer algo para ajudá-los. Meu arsenal terapêutico continha apenas duas armas, a eletroterapia e o hipnotismo; receitar uma visita a um estabelecimento hidropático após uma única consulta era uma fonte insuficiente de renda. Meu conhecimento de eletroterapia provinha do manual de W. Erb [1882], o qual proporcionava instruções detalhadas para o tratamento de todos os sintomas de doenças nervosas. Infelizmente, logo fui impelido a ver que seguir essas instruções não era absolutamente de qualquer valia e que o que eu tomara por um compêndio de observações exatas era meramente a construção de fantasia. Foi penosa a compreensão de que a obra do maior nome da neuropatologia alemã não tinha maior relação com a realidade do que um livro de sonhos ‘egípcio’ vendido em livrarias baratas, mas ajudou-me a livrar-me de outro fragmento de inocente fé na autoridade, da qual eu ainda não estava livre. Assim, pus de lado meu aparelho elétrico, mesmo antes de Moebius haver salvo a situação, explicando que os êxitos do tratamento elétrico em distúrbios nervosos (até onde havia algum) eram o efeito de sugestão por parte do médico. – p. 23;
_ Ocorreu assim, como algo natural, que, nos primeiros anos de minha atividade como médico, meu principal instrumento de trabalho, afora os métodos psicoterapêuticos aleatórios e não sistemáticos, tenha sido a sugestão hipnótica. – p. 24;
_ No momento havia apenas dois pontos passíveis de queixa: em primeiro lugar, que eu não era capaz de hipnotizar todos os pacientes, e, em segundo, que fui incapaz de pôr os pacientes individuais num estado tão profundo de hipnose como teria desejado. Com a idéia de aperfeiçoar minha técnica hipnótica, empreendi uma viagem a Nancy, no verão de 1889, e passei ali várias semanas. Testemunhei o comovente espetáculo do velho Liébeault trabalhando entre as mulheres e crianças pobres das classes trabalhadoras. Eu era um espectador dos assombrosos experimentos de Bernheim em seus pacientes do hospital, e tive a mais profunda impressão da possibilidade de que poderia haver poderosos processos mentais que, não obstante, permaneciam escondidos da consciência dos homens. Pensando que seria instrutivo, persuadi uma de minhas pacientes a acompanhar-me até Nancy. Essa paciente era uma histérica altamente dotada, uma mulher bem-nascida, que me fora confiada porque ninguém sabia o que fazer com ela. Pela influência hipnótica eu lhe tornara possível levar uma existência tolerável, e sempre fui capaz de tirá-la da miséria de sua condição. Mas ela sempre recaía após breve tempo, e em minha ignorância eu atribuía isso ao fato de que sua hipnose jamais alcançara a fase de sonambulismo com amnésia. Bernheim tentou então várias vezes provocar isso, mas ele também fracassou. Admitiu-me que seus grandes êxitos terapêuticos por meio da sugestão eram alcançados apenas em sua clínica hospitalar, e não com seus pacientes particulares. Tive muitas conversas estimulantes com ele, e comprometi-me a traduzir para o alemão umas duas obras sobre a sugestão e seus efeitos terapêuticos. – p. 24/25;
II
_ Devo complementar o que acabo de dizer, explicando que bem desde o início fiz uso da hipnose de outra maneira, independentemente da sugestão hipnótica. Empreguei-a para fazer perguntas ao paciente sobre a origem de seus sintomas, que em seu estado de vigília ele podia descrever só muito imperfeitamente, ou de modo algum. Não somente esse método pareceu mais eficaz do que meras ordens ou proibições sugestivas, como também satisfazia a curiosidade do médico, que, afinal de contas, tinha o direito de aprender algo sobre a origem da manifestação que ele vinha lutando para eliminar pelo processo monótono da sugestão. – p. 26;
_ Quando do meu retorno a Viena, recorri mais uma vez à observação de Breuer e fiz com que ele me contasse mais alguma coisa sobre o caso. A paciente tinha sido uma jovem de educação e dons incomuns, que adoecera enquanto cuidava do pai, pelo qual era devotamente afeiçoada. Quando Breuer se encarregou do caso, este apresentou um quadro variado de paralisias com contraturas, inibições e estados de confusão mental. Uma observação fortuita revelou ao médico da paciente que ela podia ser aliviada desses estados nebulosos de consciência se fosse induzida a expressar em palavras a fantasia emotiva pela qual se achava no momento dominada. A partir dessa descoberta, Breuer chegou a um novo método de tratamento. Ele a levava a uma hipnose profunda e fazia-a dizer-lhe, de cada vez, o que era lhe oprimia a mente. Depois de os ataques de confusão depressiva terem sido separados dessa forma, empregou o mesmo processo para eliminar suas inibições e distúrbios físicos. Em seu estado de vigília a moça não podia descrever mais do que outros pacientes como seus sintomas haviam surgido, assim como não podia descobrir ligação alguma entre eles e quaisquer experiências de sua vida. Na hipnose ela de pronto descobria a ligação que faltava. Aconteceu que todos os seus sintomas voltavam a fatos comovedores que experimentara enquanto cuidava do pai; isto é, seus sintomas tinham um significado e eram resíduos ou reminiscências daquelas situações emocionais. Verificou-se na maioria dos casos que tinha havido algum pensamento ou impulso que ela tivera de suprimir enquanto se encontrava à cabeceira de enfermo, e que, em lugar dele, como substituto do mesmo, surgira depois o sintoma. Mas em geral o sintoma não era o precipitado de uma única cena ‘traumática’ dessa natureza, mas o resultado de uma soma de grande número de situações semelhantes. Quando a paciente se recordava de uma situação dessa espécie de forma alucinatória, sob a hipnose, e levava até sua conclusão, com uma expressão livre de emoção, o ato mental que ela havia originalmente suprimido, o sintoma era eliminado e não voltava. Por esse processo Breuer conseguiu, após longos e penosos esforços, aliviar a paciente de seus sintomas. – p. 26/27;
_ Breuer referiu-se ao nosso método como catártico; explicou-se sua finalidade terapêutica como sendo a de proporcionar que a cota de afeto utilizada para manter o sintoma, que se desencaminhara e que, por assim dizer, se tinha tornado estrangulada ali, fosse dirigida para a trilha normal ao longo da qual pudesse obter descarga (ou ab-reação). Os resultados práticos do processo catártico foram excelentes. Seus defeitos, que se tornaram evidentes depois, eram os de todas as formas de tratamento hipnótico. – p. 28/29;
_ Outro resultado de eu haver empreendido o estudo de perturbações nervosas em geral foi que alterei a técnica da catarse. Abandonei o hipnotismo e procurei substituí-lo por algum outro método, porque estava ansioso por não ficar restringido ao tratamento de condições histeriformes. – p. 33;
_ Assim, abandonei o hipnotismo, conservando apenas meu hábito de exigir do paciente que ficasse deitado num sofá enquanto eu ficava sentado ao lado dele, vendo-o, mas sem que eu fosse visto. – p. 34;
III
_ considerações sobre o processo e teoria da repressão. – p. 35/36;
_ A teoria da repressão tornou-se a pedra angular da nossa compreensão das neuroses. Um ponto de vista diferente teve então de ser adotado no tocante à tarefa da terapia. Seu objetivo não era mais ‘ab-reagir’ um afeto que se desencaminhara, mas revelar repressões e substituí-las por atos de julgamento que podiam resultar quer na aceitação, quer na condenação do que fora anteriormente repudiado. Demonstrei meu reconhecimento da nova situação não denominando mais meu método de pesquisa e de tratamento de catarse, mas de psicanálise. – p. 36;
_ A psicanálise considerava tudo de ordem mental como sendo, em primeiro lugar, inconsciente; a qualidade ulterior de ‘consciência’ também pode estar presente ou ainda pode estar ausente. Isto naturalmente provocou uma negação por parte dos filósofos, para os quais ‘consciente’ e ‘mental’ eram idênticos, e que protestaram que não podiam conceber um absurdo como o ‘mental inconsciente’. – p. 37;
_ Já mencionei que minha investigação das causas precipitantes e subjacentes das neuroses levou-me cada vez com maior freqüência a conflitos entre os impulsos sexuais do indivíduo e suas resistências à sexualidade. – p. 38;
_ Quando me havia refeito, fui capaz de tirar as conclusões certas da minha descoberta: a saber, que os sintomas neuróticos não estavam diretamente relacionados com fatos reais, mas com fantasias impregnadas de desejos, e que, no tocante à neurose, a realidade psíquica era de maior importância que a realidade material. Mesmo agora não creio que forcei as fantasias de sedução aos meus pacientes, que as ‘sugeri’. Eu tinha de fato tropeçado pela primeira vez no complexo de Édipo, que depois iria assumir importância tão esmagadora, mas que eu ainda não reconhecia sob seu disfarce de fantasia. Além disso, a sedução durante a infância retinha certa parcela, embora mais humilde, na etiologia das neuroses. Mas os sedutores vieram a ser, em geral, crianças mais velhas. – p. 40;
_ considerações sobre a escolha da neurose. – p. 41;
_ considerações sobre as formações reativas de moralidade. – p. 42;
_ Encaradas do ponto de vista psicanalítico, mesmo as perversões mais excêntricas e repelentes são explicáveis como manifestações da primazia dos órgãos genitais e que se acham agora em busca do prazer por sua própria conta, como nos primeiros dias do desenvolvimento da libido. A mais importante dessas perversões, a homossexualidade, quase não merece esse nome. Ela pode ser remetida à bissexualidade constitucional de todos os seres humanos e aos efeitos secundários da primazia fálica. A psicanálise permite-nos apontar para um vestígio ou outro de uma escolha homossexual em todos os indivíduos. Se eu descrevi as crianças como ‘polimorficamente perversas’ estava apenas empregando uma terminologia que era geralmente corrente; não estava implícito qualquer julgamento moral. A psicanálise não se preocupa em absoluto com tais julgamentos de valor. – p. 43;
IV
_ As teorias da resistência e da repressão, do inconsciente, da significância etiológica da vida sexual e da importância das experiências infantis – tudo isto forma os principais constituintes da estrutura teórica da psicanálise. Nestas páginas, infelizmente, pude apenas descrever os elementos separados e não suas interligações e sua relação uns com os outros. Mas sou obrigado agora a voltar às alterações que gradativamente se verificam na técnica do método analítico.
Os meios que primeiramente adotei para superar a resistência do paciente, pela insistência e pelo estímulo, tiveram de ser indispensáveis para a finalidade de proporcionar-me um primeiro apanhado geral que era de se esperar. Mas em última análise veio a ser um esforço demasiado de ambos os lados, e além disso parecia aberto a certas críticas evidentes. Deu, portanto, lugar a outro que era, em certo sentido, seu oposto. Em vez de incitar o paciente a dizer algo sobre algum assunto específico, pedi-lhe então que se entregasse a um processo de associação livre – isto é, que dissesse o que lhe viesse à cabeça, enquanto deixasse de dar qualquer orientação consciente a seus pensamentos. Era essencial, contudo, que ele se obrigasse a informar literalmente tudo que ocorresse à sua autopercepção, e não desse margem a objeções críticas que procurassem pôr certas associações de lado, com base no fundamento de que não eram irrelevantes ou inteiramente destituídas de sentido. Não houve necessidade de repetir explicitamente a exigência de franqueza por parte do paciente ao relatar seus pensamentos, pois era precondição do tratamento analítico inteiro.
Poderá parecer surpreendente que esse método de associação livre, levado a cabo sob a observação da regra fundamental da psicanálise, deva ter alcançado o que dele se esperava, a saber, o levar até a consciência o material reprimido que era retido por resistências. Devemos, contudo, ter em mente que a associação livre não é realmente livre. O paciente permanece sob a influência da situação analítica, muito embora não esteja dirigindo suas atividades mentais para um assunto específico. Seremos justificados ao presumir que nada lhe ocorrerá que não tenha alguma referência com essa situação. Sua resistência contra a reprodução do material reprimido será agora expressa de duas maneiras. Em primeiro lugar, será revelada por objeções críticas; e foi para lidar com tais objeções que a regra fundamental da psicanálise foi inventada. – p. 45;
_ considerações sobre a psicanálise como arte de interpretação e sobre a transferência. – p. 46/47;
_ considerações sobre a elaboração onírica. – p. 49/50;
V
_ considerações sobre a história externa da psicanálise. ­– p. 52/54;
_ Se se deixar de lado o período catártico preliminar, a história da psicanálise enquadra-se, do meu ponto de vista, em duas fases. Na primeira dessas fiquei sozinho e tive de fazer eu mesmo todo trabalho: isso ocorreu de 1895-6 até 1906 ou 1907. Na segunda fase, que durou desde então até o presente momento, quando uma grave doença me adverte do fim que se aproxima, posso pensar com espírito tranqüilo na cessação de meus próprios labores. Por esse mesmo motivo, contudo, é-me impossível neste Estudo Autobiográfico tratar tão plenamente do progresso da psicanálise durante a segunda fase como o fiz com sua gradativa ascensão durante a primeira, que dizia respeito apenas à minha própria atividade. Julgo que devo apenas ter a justificativa de mencionar aqui essas novas descobertas nas quais ainda desempenhei um papel proeminente, em particular, portanto, aquelas feitas na esfera do narcisismo, da teoria dos instintos, e da aplicação da psicanálise às psicoses.
Devo começar dizendo que a crescente experiência revelava cada vez mais claramente que o complexo edipiano era o núcleo da neurose. Era ao mesmo tempo o clímax da vida sexual infantil e o ponto de junção do qual todos os seus desenvolvimentos ulteriores provieram. Mas em caso afirmativo, não era mais possível esperar que a análise descobrisse um fator que era específico na etiologia das neuroses. Deve ser verdade, como Jung expressou tão bem nos primeiros dias em que ainda era analista, que as neuroses não possuem conteúdo peculiar algum que pertença exclusivamente a elas, mas que os neuróticos sucumbem às mesmas dificuldades que são superadas com êxito por pessoas normais. Essa descoberta estava muito longe de ser um desapontamento. Estava em completa harmonia com outra: que a psicologia profunda revelada pela psicanálise era de fato a psicologia da mente normal. Nosso caminho tinha sido como o da química: as grandes diferenças qualitativas entre substâncias eram remetidas a variações quantitativas nas proporções em que os mesmos elementos eram combinados.
No complexo edipiano viu-se que a libido estava ligada à imagem das figuras dos pais. – p. 58/59;
_ considerações sobre a compulsão de repetição. – p. 60;
_ Eu já fizera tentativas, em fases mais antigas do meu trabalho, para chegar a alguns pontos de vista mais gerais com base na observação psicanalítica. Em um curto ensaio, ‘Formulações sobre os Dois Princípios do Funcionamento Mental’[1911b], chamei a atenção (e não havia, naturalmente, nada de original nisso) para o domínio do princípio de prazer-desprazer na vida mental e para o seu deslocamento pelo que é denominado de princípio de realidade. Posteriormente [em 1915] fiz uma tentativa para produzir uma ‘Metapsicologia’. Com isso eu queria dizer um método de abordagem de acordo com o qual todo processo mental é considerado em relação com três coordenadas, as quais eu descrevi como dinâmica, topográfica e econômica, respectivamente; e isso me pareceu representar a maior meta que a psicologia poderia alcançar. A tentativa não passou de uma obra incompleta; após escrever dois ou três artigos – ‘Os Instintos e suas Vicissitudes’ [1915c], ‘Repressão’ [1915d], ‘O Inconsciente’ [1915e], ‘Luto e Melancolia’ [1917e] etc. – fiz uma interrupção, talvez acertadamente, visto que o tempo para afirmações dessa espécie ainda não havia chegado. Em meus mais recentes trabalhos especulativos entreguei-me à tarefa de dissecar nosso aparelho mental, com base no ponto de vista analítico dos fatos patológicos, e o dividi em um ego, um id e um superego. O superego é o herdeiro do complexo edipiano e representa os padrões éticos da humanidade.
Não gostaria de dar a impressão de que durante esse último período de meu trabalho voltei as costas à observação de pacientes e me entreguei inteiramente à especulação. Ao contrário, sempre fiquei no mais íntimo contato com o material analítico e jamais deixei de trabalhar em pontos detalhados de importância clínica ou técnica. Mesmo quando me afastei da observação, evitei cuidadosamente qualquer contato com a filosofia propriamente dita. Essa evitação foi grandemente facilitada pela incapacidade constitucional. Sempre me mostrei receptivo às idéias de G. T. Fechner e segui esse pensador em muitos pontos importantes. O alto grau em que a psicanálise coincide com a filosofia de Schopenhauer – ele não somente afirma o domínio das emoções e a suprema importância da sexualidade, mas também estava até mesmo cônscio do mecanismo da repressão – não deve ser remetida à minha familiaridade com seus ensinamentos. Li Schopenhauer muito tarde em minha vida. Nietzsche, outro filósofo cujas conjecturas e intuições amiúde concordam, da forma mais surpreendente, com os laboriosos achados da psicanálise, por muito tempo foi evitado por mim, justamente por isso mesmo; eu estava menos preocupado com a questão da prioridade do que em manter minha mente desimpedida. – p. 62/63;
_ Os pacientes mentais, em geral, não têm a capacidade de formar um transferência positiva, de modo que o principal instrumento da técnica analítica é inaplicável aos mesmos. – p. 63;
_ Mas a principal consideração nesse sentido é que muitas coisas que nas neuroses tiveram de ser buscadas nas profundidades são encontradas nas psicoses da superfície, visíveis a todos. – p. 63;
VI
_ Era tentador prosseguir dali uma tentativa de análise da criação poética e artística em geral. O domínio da imaginação logo foi visto como uma ‘reserva’ feita durante a penosa transição do princípio de prazer para o princípio de realidade a fim de proporcionar um substituto para as satisfações instintuais que tinham de ser abandonadas na vida real. O artista, como o neurótico, se afastara de uma realidade insatisfatória para esse mundo da imaginação; mas, diferentemente do neurótico, sabia encontrar o caminho de volta daquela e mais uma vez conseguir um firme apoio na realidade. – p. 67;
_ Eu próprio atribuí um valor mais elevado a minhas contribuições à psicologia da religião, que começaram com o estabelecimento de marcante similitude entre as práticas religiosas ou ritual (1907b). Sem ainda compreender as ligações mais profundas, descrevi a neurose obsessiva como uma religião particular distorcida e a religião como uma espécie de neurose obsessiva universal. Posteriormente, em 1912, a indicação convincente de Jung das analogias de amplas conseqüências entre os produtos mentais dos neuróticos e dos povos primitivos levou-me a voltar minha atenção para aquele assunto. Em quatro ensaios, enfeixados num livro com o título de Totem e tabu [1912-13], mostrei que o horror do incesto era ainda mais acentuado entre as raças primitivas do que entre as civilizadas e dera lugar a medidas muito especiais de defesa contra ele. Examinei as relações entre as proibições tabus (a forma mais antiga na qual as restrições morais fazem seu surgimento) e a ambivalência emocional, e descobri sob o esquema primitivo do universo conhecido como ‘animismo’ o princípio da superestimativa da importância da realidade psíquica – a crença ‘na onipotência dos pensamentos’ – que está na raiz da magia também. Desenvolvi a comparação com a neurose obsessiva em todos os pontos, e mostrei quantos dos postulados da vida mental primitiva ainda estão em vigor nessa notável doença. Antes de tudo, todavia, vi-me atraído pelo totemismo, o primeiro sistema de organização nas tribos primitivas, um sistema no qual os inícios da ordem social estão unidos com uma religião rudimentar e com o domínio implacável de um pequeno número de proibições tabus. O ser reverenciado é, em última análise, sempre um animal, do qual o clã também pode reivindicar ser descendente. Muito indícios apontavam para a conclusão de que toda raça, mesmo a mais altamente desenvolvida, havia outrora passado pela fase do totemismo.
As principais fontes literárias de meus estudos nesse campo foram as conhecidas obras de J. G. Frazer (Totemism and Exogamy e The Golden Bough), um filão de valiosos fatos e opiniões. Mas Frazer pouco realizou no sentido de elucidar os problemas do totemismo: ele várias vezes alterara fundamentalmente seus pontos de vista sobre o assunto, e os outros etnólogos e pré-historiadores parecem estar em igual incerteza e discordância. Meu ponto de partida foi a impressionante correspondência entre as duas ordenações tabus do totemismo (não matar o totem e não ter relações sexuais com qualquer mulher do mesmo clã do totem) e os dois elementos do complexo de Édipo (livrar-se do pai e tomar a mãe como esposa). Vi-me, portanto, tentado a equacionar o animal-totem com o pai; e, de fato, os próprios povos primitivos fazem isso explicitamente honrando-o como o ancestral do clã. – p. 68/69;
_ considerações sobre o sentimento de culpa inconsciente. – p. 71;
_ Não é mais possível restringir a pratica da psicanálise a médicos e dela excluir os leigos. De fato, um médico que não tenha passado por uma formação especial é, apesar do seu diploma, um leigo em análise, e alguém que não seja médico mas que tenha sido adequadamente formado pode, com referência ocasional a um médico, levar a efeito o tratamento analítico não somente de crianças mas também de neuróticos.
Por um processo de desenvolvimento contra o qual teria sido inútil lutar, o próprio termo ‘psicanálise’ tornou-se ambíguo. Embora fosse originalmente o nome de um método terapêutico específico, agora também se tornou a denominação de uma ciência – a ciência dos processos mentais inconscientes. Por si só, essa ciência é poucas vezes capaz de lidar com um problema de maneira completa, mas parece fadada a prestar valiosa ajuda nos mais variados campos do conhecimento. A esfera de aplicação da psicanálise estende-se até a da psicologia, com a qual forma um complemento do maior significado.
Lançando um olhar retrospectivo, portanto, ao mosaico que são labores da minha vida, posso dizer que comecei muitas vezes e joguei fora muitas sugestões. Algo surgirá deles no futuro, embora eu mesmo não possa dizer se será muito ou pouco. Posso, contudo, expressar a esperança de que abri um caminho para importante progresso em nossos conhecimentos. – p. 72;
Pós-escrito (1935)
_ Dois temas ocupam essas páginas: a história da minha vida e a história da psicanálise. Elas se acham intimamente entrelaçadas. Esse Estudo Autobiográfico mostra como a psicanálise veio a ser todo o conteúdo de minha vida e com razão presume que minhas experiências pessoais não são de qualquer interesse ao se traçar um paralelo de minhas relações com aquela ciência. – p. 75;
_ Percebi ainda mais claramente que os fatos da história, as interações entre a natureza humana, o desenvolvimento cultural e os precipitados das experiências primitivas (cujo exemplo mais proeminente é a religião) não passam de um reflexo dos conflitos dinâmicos entre o ego, o id e o superego que a psicanálise estuda no indivíduo – são os mesmíssimos processos repetidos numa fase mais ampla. Em O Futuro de uma Ilusão exprimi uma avaliação essencialmente negativa da religião. Depois, encontrei uma fórmula que lhe fazia melhor justiça: embora admitindo que sua força reside na verdade que ela contém, mostrei que a verdade não era uma verdade material mas histórica. – p. 76;
Inibições, sintomas e ansiedade (1926[1925])
Introdução do editor inglês
(a) A ansiedade como libido transformada
_ considerações sobre o princípio da constância. – p. 82;
_ ‘Um dos resultados mais importantes da pesquisa psicanalítica é essa descoberta de que a ansiedade neurótica se origina da libido, que é produto de uma transformação desta e que, assim, se relaciona com ela da mesma forma que o vinagre com o vinho’. (Edição Standard Brasileira, Vol. VIII, p. 231, IMAGO Editora, 1972.) É curioso observar, contudo, que numa fase bem inicial Freud parece haver sido assaltado por dúvidas sobre o assunto. Numa carta a Fliess de 14 de novembro de 1897 (Freud, 1950a, carta 75), ele observa, sem qualquer conexão aparente com o restante do que vem escrevendo: ‘Resolvi, então, de agora por diante considerar como fatores separados o que causa a libido e o que causa ansiedade’. Não se encontra em parte alguma qualquer outra prova dessa retratação isolada. Na obra que temos diante de nós Freud desiste da teoria que sustentara por tanto tempo. Ele não considerava mais a ansiedade como libido transformada, mas como uma reação sobre um modelo específico a situações de perigo. Mas mesmo aqui ainda sustentava [1] que era bem possível que no caso da neurose de angústia ‘o que encontra descarga na geração da ansiedade é precisamente o excedente da libido não utilizada’. Essa última relíquia da antiga teoria iria ser abandonada poucos anos depois. Num trecho perto do final de seu exame sobre ansiedade, na Conferência XXXII de suas New Introductory Lectures (1933a), escreveu que também na neurose de angústia o surgimento de ansiedade era uma reação a uma situação traumática: ‘não sustentaremos mais que é a própria libido que se transformou em ansiedade em tais casos.’ – p. 83;
(b) A ansiedade realística e neurótica
_ ‘A psique é dominada pelo afeto de ansiedade se sentir que é incapaz de lidar por meio de uma reação apropriada com uma tarefa (um perigo) que se aproxima de fora. Nas neuroses é dominada pela ansiedade se notar que é incapaz de atenuar uma excitação (sexual) que tenha surgido de dentro. Assim se comporta, como se estivesse projetando essa excitação para fora. O fato [ansiedade normal] e a neurose correspondente se acham em firme relação um com a outra: o primeiro é a reação a uma excitação exógena e a segunda a uma reação endógena análoga.’. – p. 84;
(c) A situação traumática e as situações de perigo
_ O determinante fundamental da ansiedade automática é a ocorrência de uma situação traumática; e a essência disto é uma experiência de desamparo por parte do ego face de um acúmulo de excitação, quer de origem externa quer interna, com que não se pode lidar. A ansiedade ‘como um sinal’ é a resposta do ego à ameaça da ocorrência de uma situação traumática. Tal ameaça constitui uma situação de perigo. Os perigos internos modificam-se com o período de vida, mas possuem uma característica comum, a saber, envolver a separação ou perda de um objeto amado, ou uma perda de seu amor – uma perda ou separação que poderá de várias maneiras conduzir a um acúmulo de desejos insatisfatórios e dessa maneira a uma situação de desamparo. Embora Freud não houvesse reunido antes todos esses fatores, cada um deles tem uma longa história prévia. – p. 85;
(d) A ansiedade como um sinal
(e) A ansiedade e o nascimento
Inibições, sintomas e ansiedade
_ As principais características dos sintomas já foram estudadas há muito e, espero, estabelecidas sem discussão. Um sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma conseqüência do processo de repressão. A repressão se processa a partir do ego quando este – pode ser por ordem do superego – se recusa a associar-se com uma catexia instintual que foi provocada no id. O ego é capaz, por meio de repressão, de conservar a idéia que é o veículo do impulso repreensível a partir do tornar-se consciente. A análise revela que a idéia amiúde persiste como uma formação inconsciente. – p. 95;
_ Voltando ao problema do ego. A contradição aparente deve-se ao fato de termos considerado as abstrações de maneira por demais rígida e de termos atendido exclusivamente ora a um lado, ora a outro daquilo que é de fato um complicado estado de coisas. Estávamos justificados, penso eu, em separar o ego do id, pois há certas considerações que necessitam dessa medida. Por outro lado, o ego é idêntico ao id, sendo apenas uma parte especialmente diferenciada do mesmo. Se considerarmos essa parte em si mesma em contraposição ao todo, ou se houver ocorrido uma verdadeira divisão entre os dois, a fragilidade do ego se torna evidente. Mas se o ego permanecer vinculado ao id e indistinguível dele, então ele exibe a sua força. O mesmo se aplica à relação entre o ego e o superego. Em muitas situações os dois se acham fundidos; e em geral só podemos distinguir um do outro quando há uma tensão ou conflito entre eles. Na repressão, o fato decisivo é que o ego é uma organização e o id não. O ego é, na realidade, a parte organizada do id. Estaríamos inteiramente errados se figurássemos o ego e o id como dois campos opostos e se supuséssemos que, quando o ego tenta suprimir uma parte do id por meio de repressão, o restante do id vai em socorro da parte que se acha em perigo e mede sua força com o ego. Isto poderá amiúde ser o que acontece, mas por certo não é a situação inicial na repressão. Em geral, o impulso inicial que irá ser reprimido permanece isolado. Embora o ato de repressão demonstre a força do ego, em um ponto específico ele revela a impotência do ego e quão impenetráveis à influência são os impulsos instintuais do id, pois o processo mental que se transformou em um sintoma devido à repressão mantém agora sua existência fora da organização do ego e independentemente dele. Na realidade, não é somente aquele processo, mas todos os seus derivados que usufruem, por assim dizer; desse mesmo privilégio de extraterritorialidade; e sempre que entram em contato associativo com uma parte da organização do ego, não é de modo algum certo que não atraiam essa parte para si próprio e assim se ampliem às expensas do ego. – p. 101;
_ considerações sobre o ganho secundário proveniente da doença. – p. 103;
_ A um primeiro vislumbre, somos tentados a responder que o caso não é assim tão obscuro. O inexplicável medo de ‘Little Hans’ por cavalos era o sintoma e sua incapacidade de sair à rua era uma inibição, uma restrição que o ego do menino impusera a si mesmo a fim de não despertar o sintoma de ansiedade. O segundo ponto é claramente correto e no exame que se segue não me preocuparei mais com essa inibição. Mas no tocante ao sintoma alegado, um conhecimento superficial do caso nem sequer revela sua verdadeira formulação, pois uma investigação posterior indica que aquilo de que o menino sofria não era um medo vago de cavalos, mas apreensão bem definida de que um cavalo ia mordê-lo. Essa idéia, na realidade, esforçava-se por retirar-se da consciência e ser substituída por uma fobia indefinida, na qual somente a ansiedade e seu objeto ainda apareciam. Talvez tenha sido essa idéia que tenha constituído o núcleo do sintoma do ‘Little Hans’?
Não faremos qualquer progresso enquanto não tivermos passado em revista a situação psíquica do menino como um todo, quando ela veio à luz no curso do tratamento analítico. Ele se encontrava, à época, na atitude edipiana ciumenta e hostil em relação ao pai, a quem, não obstante – salvo até onde a mãe dele era a causa de desavença -, amava ternamente. Aqui, então, temos um conflito devido à ambivalência: um amor bem fundamentado e um ódio não menos justificável dirigidos para a mesmíssima pessoa. A fobia de ‘Little Hans’ deve ter sido uma tentativa de solucionar esse conflito. Conflitos dessa natureza devidos à ambivalência são muito freqüentes e podem ter outro resultado típico, no qual um dos dois sentimentos conflitantes (em geral o da afeição) se torna imensamente intensificado e o outro desaparece. – p. 105;
_ Aqui, então, está o nosso inesperado achado: em ambos os pacientes a força motriz da repressão era o medo da castração. As idéias contidas na ansiedade deles – a de ser mordido por um cavalo e a de ser devorado por um lobo – eram substitutos, por distorção, da idéia de serem castrados pelo pai. Esta foi a idéia que sofreu repressão. – p. 111;
_ No momento estamos tratando do início do período de latência, um período que se caracteriza pela dissolução do complexo de Édipo, pela criação ou consolidação do superego e pela edificação de barreiras éticas e estéticas no ego. Nas neuroses obsessivas esses processos são levados mais longe do que o normal. Além da destruição do complexo de Édipo verifica-se uma degradação regressiva da libido, o superego torna-se excepcionalmente severo e rude, e o ego, em obediência ao superego, produz fortes formações reativas de consciência, piedade e asseio. – p. 117;
_ Mas nesse esforço para impedir associações e ligações de pensamento, o ego está obedecendo a uma das ordens mais antigas e fundamentais da neurose obsessiva, o tabu de tocar. Se perguntarmos a nós mesmos por que a evitação do tocar, do contato ou do contágio deve desempenhar papel relevante nessa neurose e deve tornar-se o tema de complicados sistemas, a resposta é que o toque e o contato físico são a finalidade imediata da catexias objetais agressivas e amorosas. Eros deseja o contato porque se esforça por tornar o ego e o objeto amado um só, por abrir todas as barreiras espaciais entre eles. Mas também a destrutividade, que (antes da invenção de armas de longo alcance) só poderia efetivar-se de perto, deve pressupor contato físico, em engalfinhamento. ‘Tocar’ uma mulher tornou-se um eufemismo para utilizá-la como um objeto sexual. Não ‘tocar’ os órgãos genitais é a expressão empregada para proibir a satisfação auto-erótica. Visto que a neurose obsessiva começa por perseguir o toque erótico e depois, após ter-se verificado a regressão, passa a perseguir o toque erótico à guisa de agressividade, depreende-se que nada é tão fortemente proscrito nessa doença como o tocar, nem tão bem adequado para tornar-se o ponto central de um sistema de proibições. Mas isolar é remover a possibilidade de contato; é um método de evitar que uma coisa seja tocada de qualquer maneira. E quando um neurótico isola uma impressão ou uma atividade interpolando um intervalo, ele está deixando que se compreenda simbolicamente que ele não permitirá que seus pensamentos sobre aquela impressão ou atividade entrem em contato associativo com outros pensamentos. – p. 123;
_ Em ocasião anterior declarei que as fobias têm a natureza de uma projeção devido ao fato de que substituem um perigo interno instintual por outro externo e perceptual. – p. 127;
_ A ansiedade sentida nas fobias de animais é, portanto, uma reação afetiva por parte do ego ao perigo; e o perigo que está sendo assinalado dessa forma é o perigo de castração. Essa ansiedade não difere em aspecto algum da ansiedade realística que o ego normalmente sente em situações de perigo, salvo que seu conteúdo permanece inconsciente e apenas se forma consciente sob a forma de uma distorção. – p. 127;
_ A primeira experiência de ansiedade pela qual passa um indivíduo (no caso de seres humanos, seja como for) é o nascimento, e, objetivamente falando, o nascimento é uma separação da mãe. Poderia ser comparado a uma castração da mãe (equiparando a criança a um pênis). Ora, seria muito satisfatório se a ansiedade, como símbolo de uma separação, devesse ser repetida em toda ocasião subseqüente na qual uma separação ocorresse. – p. 131;
_ Visto não haver qualquer dúvida de que a histeria tem forte afinidade com a feminilidade, da mesma forma que a neurose obsessiva com a masculinidade, afigura-se provável que, como um determinante da ansiedade, a perda do amor desempenha o mesmíssimo papel na histeria que a ameaça da castração nas fobias e o medo do superego na neurose obsessiva. – p. 143;
Adendos
A – Modificações de pontos de vista anteriores
(a) Resistência a anticatexia
(b) Ansiedade a partir da transformação da libido
(c) Repressão e defesa
B – Observações suplementares sobre a ansiedade
C – Ansiedade, dor e luto
Apêndice A – Repressão e defesa
Apêndice B – Lista de escritos de Freud que tratam da ansiedade
A Questão da análise leiga – conversações com uma pessoa imparcial (1926)
_ O título deste pequeno trabalho não é de pronto inteligível. Portanto, eu o explicarei. ‘Leigo’ = ‘Não-médico’; e a questão é se os não-médicos bem como os médicos devem ter permissão para praticar a análise. Essa questão tem suas limitações tanto no tempo como no espaço. – p. 181;
_ Nada, contudo, merece mais atenção do que o fato de as crianças regularmente dirigirem seus desejos sexuais para os seus parentes mais próximos – em primeiro lugar, portanto, para o pai e a mãe, e depois para seus irmãos e irmãs. O primeiro objeto do amor de um menino é sua mãe, e de uma menina seu pai (exceto até onde uma disposição bissexual inata favorece a presença simultânea da atitude contrária). Sente-se o outro genitor como um rival perturbador, e não infreqüentemente é encarado com forte hostilidade. – p. 209;
_ Prometo-lhe recuperação ou melhoria se ele seguir minhas instruções. Estimulo-o a dizer-me com toda franqueza tudo que ele sabe e que lhe ocorre, e que não se desvie dessa intenção mesmo se algumas coisas lhe sejam desagradáveis de dizer. Assimilei a regra de maneira apropriada?’
Assimilou. O senhor deve acrescentar: ‘mesmo se o que lhe ocorrer lhe parecer destituído de importância ou de sentido.’
‘Acrescentarei isso. Logo ele começa a falar e eu a ouvir. E então? Infiro do que ele me diz a espécie de impressões, experiências e desejos que reprimiu porque se defrontou com eles numa época em que seu ego ainda estava fraco e tinha medo deles em vez de enfrentá-los. Quando ele tiver aprendido isso de mim, voltará às antigas situações e com minha ajuda ele se sai melhor. As limitações às quais seu ego estava vinculado então desaparecem, e ele fica curado. Está certo?’ – p. 215;
_ O senhor já terá adivinhado que o superego é o veículo do fenômeno que chamamos de consciência. A saúde mental muito depende de o superego ser normalmente desenvolvido – isto é, de haver-se tornado suficientemente impessoal. E é isso precisamente o que não ocorre nos neuróticos cujo complexo de Édipo não passou pelo processo correto de transformação. O superego deles ainda se confronta com seu ego como um pai rigoroso se defronta com um filho: e sua moralidade atua de maneira primitiva devido ao ego ser punido pelo superego. A doença é empregada como um instrumento para essa ‘autopunição’, e os neuróticos têm de comportar-se como se fossem governados por um sentimento de culpa que, a fim de ser satisfeito, precisa ser punido pela doença. – p. 220;
_ O paciente está repetindo com o analista, sob a forma de apaixonar-se, experiências mentais pelas quais já passou antes; ele transferiu para o analista atitudes mentais que estavam prontas nele e intimamente associadas com sua neurose. – p. 223;
_ Ceder às exigências da transferência, atender aos desejos do paciente no sentido de satisfação afetuosa e sensual, é não só com justiça proibido por considerações morais como também é inteiramente ineficaz como um método técnico para alcançar a finalidade da análise. Um neurótico não pode ser curado por lhe ser permitido reproduzir estereótipos incorretos e inconscientes que nele estão à mão. Se nos empenharmos em conciliações com ele mediante a oferta de satisfações parciais em troca de sua colaboração ulterior na análise, devemos ter cuidado para não incidirmos na situação ridícula do clérigo que devia converter um agente de seguros enfermo. O doente continuou não convertido mas o clérigo despediu-se segurado. A única saída possível da situação de transferência é remontá-la ao passado do paciente, como ele realmente a experimentou ou como ele a imaginou através da atividade realizadora de desejos de sua imaginação. E isto exige do analista muita habilidade, paciência, calma e abnegação própria.
‘E onde o senhor supõe que o neurótico experimentou o protótipo do seu amor transferencial?’
Em sua infância: em geral, em sua relação com um dos seus pais. O senhor deve lembrar-se da importância que tivemos de atribuir a esses primeiros laços emocionais. Assim, aqui o círculo se fecha. – p. 223/224;
_ Uma debilidade do ego dessa espécie é encontrada em todos nós na infância e eis por que as experiências dos primeiros anos da infância são de importância tão grande para a vida ulterior. Sob o fardo extraordinário desse período da infância – temos em poucos anos de abarcar a enorme distância de desenvolvimento entre os homens primitivos da idade da pedra e os participantes da civilização contemporânea, e, ao mesmo tempo e em particular, temos de desviar os impulsos instituais do período sexual inicial -, sob esse fardo, portanto, nosso ego procura refúgio na repressão e fica exposto a uma neurose da infância, cujo precipitado ele carrega consigo até a maturidade como uma disposição a uma doença nervosa ulterior. Tudo agora depende de como o organismo em crescimento é tratado pelo destino. Se a vida tornar-se muito árdua, se o abismo entre reivindicações instituais e as exigências da realidade tornar-se grande demais, o ego poderá falhar em seus esforços para reconciliar os dois, e mais prontamente, quanto mais for inibido pela disposição trazida por ele na infância. O processo de repressão é então repetido, os instintos separam-se violentamente do domínio do ego, encontram suas satisfações substitutivas pelos caminhos da regressão e o pobre ego tornou-se desamparadamente neurótico.
Apeguemo-nos firmemente apenas a isto: o ponto nodal e o pivô de toda a situação é a força relativa da organização do ego. – p. 237;
_ O emprego da análise para o tratamento das neuroses é somente uma das suas aplicações; o futuro talvez demonstre que não é o mais importante. – p. 243;
_ Um tratamento que combine a influência analítica com medidas educacionais, levado a efeito por pessoas que não se envergonhem de interessar-se pelos assuntos próprios do mundo da criança, e que compreendam como orientar-se na vida mental de uma criança, pode ocasionar duas coisas ao mesmo tempo: a eliminação dos sintomas neuróticos e a reversão da mudança de caráter que havia começado. Nosso reconhecimento da importância dessas neuroses obscuras das crianças, como sendo o que alicerça a disposição para graves doenças mais adiante na vida, ressalta essas análises infantis como excelente método de profilaxia. A análise indubitavelmente ainda tem seus inimigos. Não sei se estes dispõem de meios ao seu alcance para paralisar as atividades desses analistas educacionais ou educadores analíticos. Não penso que seja muito provável; mas nunca se pode estar muito certo. – p. 244/245;
Pós-escrito (1927)
_ Não terá escapado aos meus leitores que naquilo que afirmei presumi como axiomático algo que é ainda violentamente debatido no exame. Presumi, vale dizer, que a psicanálise não é um ramo especializado da medicina. Não vejo como é possível discutir isso. A psicanálise é uma parte da psicologia; não da psicologia médica no velho sentido, não da psicologia de processos mórbidos, mas simplesmente da psicologia. – p. 248;
_ Após quarenta e um anos de atividade médica, meu autoconhecimento me diz que nunca fui realmente médico no sentido adequado. Tornei-me médico por ter sido compelido a desviar-me do meu propósito original; e o triunfo da minha vida está em eu haver, após uma viagem longa e indireta, encontrado meu caminho de volta à minha senda mais antiga. Não tenho conhecimento algum de haver tido qualquer anseio, na minha primeira infância, de ajudar a humanidade sofredora. Minha disposição sádica inata não foi muito forte, de modo que não tive qualquer necessidade de desenvolver essa disposição dos seus derivados. Nem jamais ‘brinquei de médico’; minha curiosidade infantil evidentemente escolheu outros caminhos. Em minha juventude senti uma necessidade absorvente de compreender algo dos enigmas do mundo em que vivemos e talvez mesmo de contribuir com alguma coisa para a solução dos mesmos. – p. 249;
_ Não procuramos levar-lhe alívio recebendo-o na comunidade católica, protestante ou socialista. Antes procuramos enriquecê-lo a partir de suas próprias fontes internas, colocando à disposição do seu ego aquelas energias que, devido à repressão, se acham inacessivelmente confinadas em seu inconsciente, bem como aquelas que seu ego é obrigado a desperdiçar na tarefa infrutífera de manter essas repressões. Uma atividade como essa é trabalho pastoral no melhor sentido da palavra. – p. 252;
Psicanálise (1926)
Pré-história
_ considerações sobre a teoria da catarse, a conversão e ab-reação. – p. 259/260;
Tema da Psicanálise
_ A influência terapêutica da psicanálise depende da substituição de atos mentais inconscientes por conscientes e vigora dentro dos limites desse fator. A substituição é efetivada superando-se as resistências internas na mente do paciente. O futuro provavelmente atribuirá muito maior importância à psicanálise como a ciência do inconsciente do que como um procedimento terapêutico. A psicanálise, no seu caráter de psicologia profunda, considera a vida mental de três pontos de vista: o dinâmico, o econômico e o topográfico. – p. 260/261;
_ A primeira tarefa da psicanálise foi a elucidação dos distúrbios neuróticos. A teoria analítica baseia-se em três pedras angulares: o reconhecimento da (1) ‘repressão‘, da (2) importância do instinto sexual e da (3) ‘transferência‘. – p. 262;
A história externa da Psicanálise
Bibliografia
Discurso perante a Sociedade dos B’nai B’rith (1941[1926])
_ O fato de vós serdes judeus só me poderia ser agradável, pois eu próprio sou judeu, e sempre me parecera não somente indigno como positivamente insensato negar esse fato. O que me ligava ao povo judeu não era (envergonho-me de admitir) nem a fé nem o orgulho nacional, pois sempre fui um descrente e fui educado sem nenhuma religião, embora não sem respeito pelo que se denomina de padrões ‘éticos’ da civilização humana. – p. 271;
Breves Escritos (1926)
Karl Abraham 1926
A Romain Rolland (1926)
Nota preambular a um artigo de E. Pickworth Farrow (1926)

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