domingo, 19 de outubro de 2014

Fábula - Promessas quebradas - Cristiane Caracas


Vivia no meio da rua, sem endereço e sem pouso certo, um cão que de tão magro e franzino era conhecido entre a cachorrada como Sibite.
Sibite podia se definir como a própria liberdade encarnada em um cão. Não tinha casa, não tinha laços com ninguém, era dono de si, sua vontade dirigia seus atos. Era assim um cosmopolita.
Certa feita, Sibite dormia tranquilo embaixo do banco de uma praça, uma praça qualquer, dessas que ele elegia como seu lar provisório, quando se deixou prender a atenção para um homem que sentado no banco da praça chorava como criança.
Sibite se comoveu com a dor daquele homem. Não sabia do que se tratava, aliás, nem tinha a pretensão para tanto, mas, por um instante, pode sentir a dor dele que de tão grande fez Sibite querer dividi-la, na esperança de que compartilhada fosse aliviada como um sopro gélido em feridas escaldantes.
E nesse transe de compartilhamento de sentimentos, Sibite conheceu a dor do homem e ela tinha nome:  Chamava-se decepção.

Quis conhece-la melhor, sua face era desfigurada, teve medo. Sibite fez da fraqueza força e a enfrentou. Percebeu que se mostrava de diferentes maneiras, a daquele homem era imensa, com raízes na honra e galhos no ego.
Estando frente a frente quis saber dela mesma a sua razão e ela logo respondeu: Foram promessas quebradas.  Pode sentir que a decepção, embora sentimento único, se apresenta com duas faces que oscilam entre o ingênuo inacreditável do “antes” e a cruel constatação da realidade dos fatos do “depois”.
Desnorteando a razão, revela-se um fardo pesado, difícil de carregar já que seu caminhar é sem chão, sem rumo, apresentando muitas estradas, mas nenhuma direção. E porque sem chão, para continuar, ao ser decepcionado não resta outra alternativa a não ser do peito dilacerado criar asas e aprender a voar.

Sibite silenciou porque compreendeu que por mais que se compadecesse daquele homem, somente a ele cabia se reinventar e, nesse novo ser, encontrar novas razões para viver. Quem sabe o choro do homem - criança não fosse o início do aprendizado de que somente se despojando de si, se poderá encontrar o verdadeiro “eu”.
Cristiane Caracas
19/10/2014

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