sexta-feira, 4 de abril de 2014

Apólogo - As Persianas e o Vento - Cristiane Caracas


Havia uma casa construída em um pequeno monte. A casa do monte, como era conhecida, possuía janelas largas com persianas estreitas que se abriam e se fechavam em movimentos sincronizados. Era quase um balé aquele fecha e abre de persianas, em um total de treze janelas.

Certa noite houve uma grande ventania. Os donos da casa haviam esquecido uma das janelas aberta e, através dela, o vento entrou de forma avassaladora, derrubou mobília, quebrou vasos, varreu o chão e trouxe toda a sorte de poeira que havia arrastado em sua trajetória de vento.

Os donos da casa acordaram sobressaltados com a ventania e correram para cerrar a janela. Um colocava a culpa no outro pelo esquecimento porque é mais fácil não admitir suas próprias negligências e os estragos delas decorrentes.

As persianas, aparentemente alheias à discussão do casal, puseram-se, entretanto, a debater entre elas o acontecido.

Por que não te fechastes? Perguntou a última persiana à primeira. Não sabes que somente me fecho se tu te fechares primeiro? Não é essa a ordem do comando? Não me fechei porque também dependo da janela, de nada adianta fechar-me se a janela estiver aberta.

As persianas, querendo se eximir de culpa, imediatamente se voltaram contra a janela: E tu, por que não te fechastes?  Não sabias que o vento é destruidor? Podias ter evitado tanto estrago. A janela em defesa respondeu: Mas o tal vento destruidor de que falas não é aquele mesmo que encanta os olhos do pescador, é a razão da existência das velas nas jangadas ou que graciosamente balança os cabelos da menina-moça?

- Ele mesmo, respondeu a persiana, é que por vezes ele é brisa, mas também pode se fazer furação.

- E como querias que eu adivinhasse que tipo de vento seria? Indagou a janela, tentando se justificar junto às persianas.

A mim pouco importa se brisa, furação, ou encanto de pescador, sei de mim que sou janela e proporciono àqueles que vivem na casa a claridade do amanhecer e a visão da paisagem, mas é preciso que queiram que eu sirva a tudo isso, ordenando como devo me dispor, autorizando e permitindo o que pode e deve, ou não, entrar por suas janelas.

Depois de pensar a respeito de tudo que a janela havia dito, as persianas pararam e num silêncio profundo, em respeito ao fado de cada um, se recolheram e a primeira persiana replicou: De fato a nós não cabe decidir ou evitar que tipo de vento cada um vai ter que enfrentar em seu destino. É preciso preparar os corações para brisas ou furações porque cumpre a cada um, como donos de suas próprias casas, cuidar de cerrar suas janelas pessoais de forma a não permitir a desorganização causada pela entrada da poeira arrastada pelas trajetórias dos caminhos alheios.

CRISTIANE CARACAS
04/04/2014


Nenhum comentário:

Postar um comentário